Um deles

156 12 1
                                    

Brasil, Novembro de 2108, Quinta-feira, 21:35

O rádio da polícia podia ser ouvido ao fundo, enquanto dirigia a viatura pelas ruas luminosas da cidade em minha ronda diária. As coisas estavam particularmente caóticas desde que a nova presidente tomou posse uns meses atrás, mais policiais, prisões, leis e restrições. Agora havia um toque de recolher, que teria inicio as 22:00, e a minha função era basicamente garantir que esse toque fosse respeitado.

"Isso é ridículo. As pessoas deveriam ter direito de ir e vir e ficar nas ruas até a hora que quisessem, eu sou delegada, não deveria estar fazendo esse serviço" é o pensamento que ronda minha cabeça há tempos, desde que me escalaram pra fazer esse trabalho já que a parte de investigação passaria a ser feita por membros do governo, o Serviço Secreto, fundado pela nova líder, para "garantir total integração do governo nos serviços públicos". Aham, sei.

Desde que esse serviço secreto, que eu chamo de SS, assumiu o controle, as prisões aumentaram ridiculamente, embora os jornais não falem disso, preferem falar de futebol e dos programas de TV censurados. Os rumores correm na minha delegacia, e ninguém sabe direito o motivo dessas prisões, é tudo feito "embaixo dos panos", o que não me cheira bem. A quem estou querendo enganar? Isso está virando uma ditadura igual aos outros países do mundo.

Dentre as inúmeras (e absurdas) leis criadas, era preocupante a quantidade que limitava a ação e a vida de outras raças. Humanos, como eu, ainda mantinham certo livre arbítrio, mas alienígenas, híbridos e robôs, basicamente qualquer raça que não fosse humana, tinham restrições, não podendo entrar em certos lugares e sendo obrigados a passar por registros e monitorização constante.

Meus devaneios resultaram em um suspiro de frustração, e voltei a atenção pra estrada a frente e para as ruas. Comerciantes fechando suas lojas, pessoas andando com passos apressados para suas casas, o silencio se instalando aos poucos, sendo interrompido apenas pelo meu motor. Um chiado me fez dar um pulo, logo a voz do meu parceiro começou a soar do radio pessoal que carrego no ombro.

"Ei, Andrade, temos um relatório de atividade estranha perto de onde você está." Tiro o rádio do meu ombro e aperto o botão.

"Na escuta, pode falar"

"Um clarão de luz foi visto nos céus caindo em direção à área rural daí. Uma equipe foi enviada para analisar a situação, mas eles vão demorar, então eu te indiquei pra dar uma olhada e evitar que o que quer que tenha descido fuja. Eu sei que você anda muito ocupada" Ele disse a ultima frase em tom sarcástico. Diego, além de meu parceiro, era também meu melhor amigo, e assim sabia mais sobre mim do que eu mesma, ele tinha noção de minhas frustrações.

"Ha-ha" ri ironicamente. "Pode deixar, vou dar uma olhada, não to fazendo nada demais mesmo. Cambio, desligo" prendi o radio novamente no meu ombro, já ligando a sirene e acelerando na direção indicada pelo GPS acoplado no carro, enquanto uma voz robótica me indicava onde ir, além das condições atuais da bateria, temperatura e velocidade.

"Laura" Diego soou no radio.

"Hum" fiz um som nasal incentivando-o a falar.

"Tome cuidado. Não sabemos o que é." Ri de leve, esse cara tem quase dois metros de altura, é um armário, mas cuida de mim como se fosse sua irmã mais nova.

"Fica tranquilo Di, eu sou a melhor no meu trabalho" disse rindo, ouvindo-o me xingar com uma voz divertida e desligando o radio.

Coloquei o carro no piloto automático enquanto preparava meu equipamento, animada por finalmente ser útil. Luvas de couro, colete a prova de balas e macacão de um material grosso e resistente iriam me garantir certa proteção de o que quer que tenha caído naquele raio de luz. O GPS indicava que estava cada vez mais perto, e a paisagem urbana foi aos poucos sendo substituída pelo subúrbio e por fim campos e mais campos de agricultura.

Cyberpunk ChroniclesOnde histórias criam vida. Descubra agora