Lucy quase arruinou todo o plano assim que elas chegaram ao andar principal.
Por um instante, Jocelyn teve a certeza de que Tanner as deixara na mão, mas então ele apareceu, com a cadeira de rodas reluzindo como uma carruagem, e Jocelyn sentiu sua esperança se acender. Infelizmente, sua esperança ficou abalada quando passaram diante da sala do diretor Crawford. Lucy reconheceu o nome da porta, ficou toda tensa e escancarou a boca de pavor.
Jocelyn se antecipou ao grito bem a tempo, tapando a boca da Lucy com a mão e a colocando sentada na cadeira de rodas.
– Não, não, não – ela murmurou. – Ele não. Nós não vamos levar você para ele. Tanner, pode ir!
– Ir para onde?
– Para o saguão, abrir a porta! Para ela sair!
– Sair?! – balbuciou Madge com um sibilado, correndo atrás de Jocelyn e Tanner. A cadeira de rodas rangeu quando fez a curva para deixar o corredor e entrar no saguão, passando pelas atordoadas enfermeiras no balcão na direção da porta. – Você vai fazer nós duas sermos demitidas!
– Relaxa, é só por um minuto, para ela tomar um pouco de ar e ver o céu – respondeu Jocelyn, parecendo muito mais calma e confiante do que realmente se sentia.
Lucy, por sua vez, estava se comportando bem, sentada quietinha, agarrada aos braços da cadeira com todas as forças, mas com a boca fechada. Ótimo. Elas conseguiriam chegar à porta da frente sem pôr o Brookline inteiro em polvorosa.
Jocelyn contornou a cadeira de rodas, saiu correndo e abriu as portas antes que Tanner as alcançasse. Ao escancarar as portas, ela não conseguiu conter o sorriso, admirando a expressão de encantamento e empolgação que surgiu no rosto de Lucy quando o sol bateu no colo dela.
– Qual é o objetivo disso? – questionou Madge, observando enquanto Tanner empurrava a menina até um lugar à sombra na lateral direita do hospital. Eles pararam perto de um canteiro de tulipas, um tanto tortas e caídas depois de muitas noites de chuva, mas com algumas pétalas ainda intactas. – Além de fazer todo mundo ser demitido, claro…
– O “projeto” não existe para pôr em prática tratamentos heterodoxos? – rebateu Jocelyn, encolhendo os ombros. – Talvez ela só precise de um pouco de ar fresco. Mal não vai fazer.
– Ah, pode fazer, sim – retrucou Madge. – E se ela sair correndo e nós não conseguirmos alcançar?
– Tem as grades.
– E se… sei lá, se estivermos superestimulando a menina ou coisa do tipo? E se ela tiver uma alergia mortal a tulipas? Ou a grama? E se ela pegar pneumonia e morrer?
– Minha nossa, você é sempre assim tão quadradona? – provocou Tanner. Ele sorriu para elas, aparentemente satisfeito por executar a pequena fuga, com os olhos azuis brilhando atrás dos óculos. – Nós costumamos levar os pacientes para caminhadas terapêuticas o tempo todo. Não é uma coisa tão incomum assim, Madge.
– Não venha me chamar de quadradona e depois querer ser todo íntimo, me chamando pelo primeiro nome! – ela protestou, andando de um lado para o outro. Seus lábios vermelhíssimos se contorceram, mas então ela parou, observando Lucy de perfil, sentada na cadeira de rodas, estendendo as perninhas finas e tocando os pés descalços na grama. – Tudo bem, eu admito que ela parece estar… melhor.
– Nem tão quadradona assim, então – disse Tanner, com um risinho.
– Como você está, Lucy? – perguntou Jocelyn, ignorando os olhares que os outros dois começaram a trocar.
Ela simplesmente não entendia como alguém poderia considerar um hospital o local apropriado para um romance. E não esperava uma resposta de Lucy, mas perguntou mesmo assim, agachando-se diante da cadeira de rodas para ficar no nível de visão da menina.
Os olhos grandes e pretos de Lucy esquadrinharam o jardim malcuidado, observando as grades, as árvores, a fina névoa que se espalhava pelos arredores e pela pitoresca cidadezinha mais abaixo. Era impossível tentar adivinhar o que ela estava pensando, mas pelo menos não estava aos berros.
Com cautela e gestos lentos, Jocelyn estendeu a mão, esperando que Lucy se encolhesse ou se retraísse. Mas a menina não fez nada disso, simplesmente observou a aproximação cada vez maior da mão da enfermeira, e fechou os olhos quando Jocelyn prendeu uma mecha de cabelos atrás de sua orelha.
Era sem dúvida um progresso.
– Pronto – disse Jocelyn. – Acho que podemos fazer muita coisa juntas, Lucy. Acho que podemos ajudar uma à outra. Não precisa falar nada, certo? Ninguém está pedindo que você diga nada.
– Carnicero.
Jocelyn piscou algumas vezes. Os outros silenciaram.
– Açougueiro – falou Jocelyn, baixinho, e viu que Lucy balançou a cabeça. – Você… você acha que alguém no Brookline é um açougueiro?
– Sí. Usted conoce el carnicero. El carnicero de Brookline – ela falava em alto e bom tom.
Jocelyn virou lentamente os olhos para Madge, que engoliu em seco e falou:
– Sim, você conhece o açougueiro. O açougueiro do Brookline. Foi isso… foi isso que ela falou, Joss.
Jocelyn se virou para Lucy a fim de fazer mais perguntas, mas a menina alcançou a mão da enfermeira e a segurou com força entre suas palmas miúdas e frias. A luz do sol não parecia suficiente para esquentar sua pele geladíssima.
– Ele quer abrir minha cabeça... – contou a menina, com um leve sotaque. – ...e tirar o que tem dentro.
– Lucy, sinceramente não acho que isso seja verdade – disse Jocelyn. – Mas fico contente por falar comigo. É uma atitude corajosa da sua parte, e estou muito, muito orgulhosa. Vir aqui para fora fez você se sentir melhor? Para mim sempre faz bem.
Lucy estreitou os olhos, encarando Jocelyn como se estivesse diante de uma criatura estúpida e digna de pena. A enfermeira se sentiu pequena, com a impressão de que Lucy era mais velha, muito mais velha, infinitamente mais velha, uma alma que havia visto e feito mais coisas do que Jocelyn era capaz de imaginar.
Lucy soltou sua mão e voltou a segurar os braços da cadeira.
– Não deixe que ele abra a minha cabeça – ela falou. – E agora eu queria voltar lá para dentro.

Um ato de rebeldia. Perfeito. Eu não poderia imaginar uma maneira melhor de separá-las. Um pequeno inconveniente foi resolvido – meus suprimentos não são tão abundantes como na época de meu treinamento inicial, e temi que pudessem minguar de vez. Mas querer é poder, e a ganância é a mãe de todos os vícios. A Trax Corp por enquanto deve servir, desde que continue se mostrando uma parceira discreta e confiável.
Ainda mais empolgante é o fato de que o paciente que há tanto espero apareceu. Foram tantos anos de preparação para este momento que mal consigo descrever o que estou sentindo. Exultação. Alívio. O Paciente Zero apareceu, e agora meu trabalho começa de fato.
– Trecho dos diários do diretor Crawford (maio)