Carlos Eduardo - Boa tarde, Bruna

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─ Boa tarde, Bruna. – Tentei ser gentil.

─ Boa tarde, professor.

Pela maneira carregada que ela falou a palavra professor, compreendi que a raiva ainda não tinha passado. Não tinha tempo para mais discussões também. Nós nos trataríamos de maneira profissional e isso teria de ser o bastante.

Minha semana estava sendo péssima. Faltavam três dias para a inauguração da Atmosfera. Eu estava trabalhando até tarde todos os dias. Meu pai estava me dando uma força com o financeiro. Minha mãe lidava com a parte artística. Mas eu fiquei acompanhando a obra inteira. Estava exausto.

A impressão que tenho é que os empreiteiros são incapazes de cumprir um prazo. Passei tanta raiva nos últimos quinze dias que não penso em fazer nenhum tipo de reforma tão cedo. Preciso de férias desse povo todo. Finalmente, depois de muita insistência, instalaram o material de segurança e o pessoal da iluminação pôde começar a trabalhar.

─ E então, o que foi que você pensou para o Rock dos anos 50? – Perguntei ainda tentando evitar seu olhar. Eu não pretendia mais nenhum confronto.

Ela respirou profundamente antes de começar a falar. Também se controlava. Ninguém poderia dizer que não éramos determinados, nenhum dos dois queria estar ali com o outro, mas uma vez que estávamos, faríamos de tudo para vencer.

─ Pensei em encarnar a menininha. O que você acha? Eu sou mesmo a mais jovem entre as competidoras e essa música tem tudo a ver. – Eu tinha escolhido Laço cor-de-rosa da Celly Campello até para contrabalançar a mulher sensual da música de Chico da semana anterior.

─ Estava pesando nisso também. – Concordei. – Que tal você me mostrar um pouco da expressão facial?

─ Não se preocupe comigo. Faço esse gênero desde que me entendo por gente. Você é um caso mais urgente.

─ Eu?

─ Você sim. – Ela só faltou me atravessar com aqueles olhos escuros. – O cara da música é um playboy. Um pegador. E você, vamos combinar, não pega nem gripe com esse seu visual Harry Potter.

─ Acho que você está tirando conclusões precipitadas ao meu respeito... – Eu ia argumentar, mas fiquei tão nervoso pela maneira como ela me encarava estreitando os olhos, tanto que posso ter dado a impressão de que ela estava certa. Certíssima.

Não que eu tenha problemas para arranjar namoradas. Já tive duas. Mas não sou propriamente um Don Juan, admito. Comecei a suar. Tive de limpar os óculos.

─ Você ia dizer mais alguma coisa, professor. – Ela sorriu, estava satisfeita por ter me deixado constrangido.

─ Como você sugere que eu me comporte? – Baixei a guarda e ela veio ao meu auxílio. Ela é muito boa nessa parte. Ouso dizer que é a melhor que já conheci. Mexeu do cabelo a posição dos olhos. Em cada passo nós estudávamos o corpo um do outro.

Depois de muitas caras e bocas, passamos à parte mais difícil deste ritmo: os passos aéreos. Não sou um grande fã de ficar jogando minhas parceiras para cima. Não fica estético se não for muito bem feito. Além disso, não gosto de apresentar passos que sejam impossíveis de serem feitos por qualquer um. O rock, entretanto, é um ritmo que exige esse tipo de passo. Ele surgiu assim.

Mais uma vez me surpreendi com Bruna. Como ela foi corajosa. Simplesmente se jogou nos passos aéreos sem se importar com os acidentes. Que aconteceram aos montes. Estamos ambos cheios de hematomas pelo corpo todo.

De brinde, ainda levei um arranhão com as cinco unhas dela rasgando meu pescoço, quando Bruna errou uma passagem por cima das minhas costas e tentou se segurar em mim para evitar a queda. O que, aliás, foi inútil, caímos ambos no chão. E pior, eu por cima dela.

Naquele instante, meu olhar se cruzou com o dela. Essa moça tem tantas e diferentes emoções que não sei descrever o que se passava dentro dos seus olhos escuros. Só sei que por um milésimo de segundo eu me perdi lá dentro tentando entender.

A dança de salão tem dessas coisas, o contato com o corpo do outro e a batida da música diminuem as barreiras naturais a que estamos habituados. De repente, sem nos darmos conta, estamos íntimos. Dentro dos olhos de Bruna, meu corpo em cima do dela, na situação mais constrangedora do mundo, percebi esta conexão entre nós.

Fiquei vermelho. Já Bruna caiu na gargalhada. Ria tanto que seu corpo sacudia. Rolei para o seu lado. A risada era tão contagiante que comecei a rir também. Não havia mais resquícios da raiva do começo. O rancor, entretanto, ainda devia andar escondido em algum canto daqueles olhos escuros.

─ Que tal se a gente tirar esse último passo? – Eu sugeri.

─ Não. Não tira. – Ela virou para mim com olhinhos de pedinte. – A gente consegue. Eu prometo. Tá lindo assim.

─ Jura? – Não estava acreditando que ela estava concordando comigo.

─ Que é isso, cara? – Ela foi se levantando. Depois me deu a mão, me puxou. – Cadê a pose de playboy que a gente trabalhou? – Fiz uma cara desengonçada de pegador, ela riu mais ainda. – Tá com dor de barriga?

─ Você não reconhece um homem charmoso nem se ele estiver pintado de ouro na sua frente. – Estávamos tão naturais que sem perceber a puxei para um abraço, ela me abraçou sem reservas. Depois, avaliou o estrago no meu pescoço. Felizmente, era só vermelhidão.

─ Sabe o que eu acho que ficaria legal nessa coreografia? – Falou do nada.

─ O que?

─ Sapatos de sapateado.

***

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora