─ Meu filho, isso aqui está pegando fogo. Você viu aquilo ali? – Minha mãe apontava para o beijo cinematográfico entre Bruna e Altair.
Para mim, esse beijo deveria significar dinheiro no caixa, pois amanhã o nome Atmosfera estaria estampado em todos os lugares, mas confesso que não me senti nada bem vendo a Bruna presa nos braços dele. Talvez porque eu não goste de ver as mulheres em situação depreciativa. Essas meninas que correm atrás de jogadores são terríveis, humilham-se por caras que não as merecem. Tantas vezes são vulgares. Tantas vezes não demonstram um pingo de educação. Elas e os caras.
Acho que também não gostei de ver Bruna correspondendo ao beijo. Não senti verdade naquilo. E olha que ela finge muito bem. A esta altura, eu já sabia como o corpo dela fica relaxado em contato com o meu corpo. Como os ombros se soltam. Como o olhar ganha alguma coisa de doçura, de menina travessa. Aquela ali agarrada com o jogador de futebol da seleção era a Bruna da televisão, não a Bruna real. E isso me angustiou um pouco. Mas quem sou eu para julgar meus amigos?
Continuei servindo no bar. Minha mãe e meu pai vinham me dar notícias de quando em quando. Estava tudo correndo maravilhosamente bem. Assim que o ritmo do bar diminuiu um pouco, fui dar uma voltinha para verificar o funcionamento de tudo.
Comecei pelas coxias, os artistas estavam sendo bem tratados. Eu os cumprimentei e agradeci pela presença. Senti que minha mãe ficou orgulhosa, afinal, fiz exatamente aquilo que ela tinha me ensinado tantas vezes. Depois, passei pelos banheiros, o pessoal da limpeza trabalhando duro, mas o ambiente estava respeitável. Agradeci o esforço. Verifiquei a temperatura das bebidas, o estoque e os pedidos na cozinha. Como uma orquestra, minha equipe tocava afinadinho.
No escritório do andar de cima, meu pai já fazia as contas. Sucesso! Eu não estava acreditando que fora eu que colocara aquele lugar de pé. Olhando a casa cheia, senti o peso da responsabilidade. Eu estava tenso com aquele império erguido aos meus pés.
E lá, bem no meio da pista, a única mulher que eu queria ao meu lado, trocava beijos apaixonados com um atleta de ponta. Alheia ao mundo inteiro.
Quem dera fosse eu naquele abraço...
Mas não era.
Acho isso engraçado nas mulheres, dizem que querem um cara que lhes dê segurança, que seja fiel, que planeje um futuro em comum. Como diz o rei Roberto, esse cara sou eu. Que nada! No final, elas querem é um bonitão musculoso que se levante no meio da aula de História e faça uma declaração de amor com rimas de uma canção qualquer. No mínimo, essa é uma noção bem primitiva de segurança.
Falando nisso, tinha esquecido de passar na entrada e verificar se tínhamos algum problema nessa área. Nenhum problema. Apenas uma surpresa, no saguão, meu professor de Sociologia olhava para o tempo sentado no sofá. Sentei ao lado dele.
─ Não gostou do ambiente? – Perguntei sem saber exatamente se tinha intimidade para isso.
─ Gostei. – Ele se apressou em me cumprimentar. – Está tudo de absoluto bom gosto. Parabéns, Carlos Eduardo.
─ Fico feliz em saber que lhe agradou. Ouvi dizer por aí que o senhor é um exímio conhecedor desse tipo de lugar. – Ele era sempre muito bacana. E, naquele instante, parecia bem aberto para conversar. Estava entediado.
─ Quando vocês falam senhor eu me sinto com oitenta anos... – Observou sem ligar para a brincadeira.
─ Desculpe.
─ Não por isso. – Ele sorriu. – Eu entendo. A posição de professor não me favorece.
─ Mas, pelo que eu saiba, isso não impede em nada o assédio feminino. Pelo que percebo das garotas lá da sala, até aumenta.
Ele me olhou de cima a baixo, acho que não gostou da brincadeira. Sem problema. Eu também não gostava de professores que alimentavam as paixonites das alunas. André é um cara legal, mas como eu disse, não gosto de mulheres em situações depreciativas.
─ Não vou negar, Carlos Eduardo. Eu já fui o pior de todos. Em outros tempos, eu conheceria cada canto escuro desse ambiente com uma boca diferente colada à minha. Mas agora estou aqui, sentado nesse sofá. E, sozinho, como você pode ver.
─ Não gostou do que viu lá dentro?
─ Gostei. – Ele sorriu. – Sempre vou gostar de ver mulheres bonitas. O problema não é o que eu vi lá dentro. – Apontou para a direção da festa. – O problema é o que está aqui dentro. – Apontou para o próprio peito.
─ Não me diga. Então, o desejado professor de Sociologia do colégio está apaixonado?
─ Perdidamente...
─ E onde está essa mulher? – Brinquei.
─ Não quer saber de mim. – Abaixou o rosto desapontado. – Está aos beijos com outro por aí.
─ Essas são as piores, não é mesmo?
─ E as melhores também. – Ele concordou comigo.
─ O senhor concorda comigo que no amor e na guerra vale tudo? – Disse para animá-lo e para animar a mim mesmo.
─ Digo mais, o sábio Maquiavel falou tudo: em se tratando desses assuntos, os fins justificam os meios. – Ele respondeu empolgado.
─ Então, nós não perdemos a guerra, perdemos apenas uma batalha...
─ Que seja!
***
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Por Onde Andei
Novela JuvenilNo quarto volume da série Nando, pela primeira vez, temos a visão simultânea dos dois protagonistas: Bruna e Carlos Eduardo. Ela, atriz desde menina, não está acostumada a confiar nas pessoas. Resolve os seus problemas a sua maneira, nem sempre acer...