Dança da Lua - Lughnasadh - Do Lobo ao Gelo

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Era início das férias, todos estavam ainda com aquele clima festivo que restara da sensação de liberdade em não ter que ir para a escola por alguns dias. Era julho e nem mesmo o frio do inverno parecia diminuir a satisfação do momento. Naquela pequena cidade, onde tudo sempre era igual ao dia anterior e quase sempre, parecida ao que viria depois, tínhamos a visão clara da vida sem agitação ou imprevistos. Aquela avenida que mais parecia uma rua. Que cortava a cidadezinha desde a entrada marcada pelo gigantesco salgueiro que quase sumia ao lado do histórico baobá. Até o outro lado da pacata Lua Branca, o que aparentemente não era muito longe. Certo mesmo é que quase no centro do percurso, em frete a igreja matriz de Sinterklaas ou São Nicolau como era conhecida, tínhamos o cartão postal do lugar. Um velho cemitério desativado, herança dos tempos de desbravamento da região pelos colonos holandeses.

Eles se encantavam com aquela linda lua de prata que iluminava o acampamento de apoio. Por vezes, fazia esquecer das mazelas da vida naquela colina sinuosa, não obstante, era quase um motivo para ficar mais uma noite naquele lugar, descansar e recuperar-se de alguma doença. Embora era comum muitos morrerem por falta de tratamento adequado. Esses foram os primeiros moradores de Lua Branca. Pessoas que precisavam ter um velório digno e segundo as tradições holandesas. Tão logo o acumulo de túmulos cresceu, construíram a igreja para vigiar aquelas almas.

Hoje, séculos depois, tirando quatro ou cinco ruas, nada mudou. A modernidade parece coisa doutro mundo. Fazendo o seu caminho habitual, Bran sempre que vinha da igreja ou outro lugar costumava passar pelo trecho que cortava o cemitério. Economiza alguns passos e ainda aproveitava aquelas sombras do que agora mais parecia uma floresta com antigas lapides para pensar e muitas vezes imaginar o porquê daquele ser o seu ritual do dia.

A noite mal tinha caído e Bran estava na porta janela, observando aquele luar que despontava por trás da colina. Não demorou muito e logo muitos uivos ecoaram. Coisa que de cara chamou-lhe muito a atenção por nunca ter visto antes algo parecido nas redondezas. Em sua total falta de informação, não podia deixar de descobrir de onde vinha aquele barulho. Ignorando algum possível perigo, seguiu rumo à origem daquele som estranhamente agradável. Nessa altura a noite tinha traços de dia dado a claridade que vinha do céu. Não era nada desagradável percorrer aqueles caminhos desertos para desvendar aquele mistério. Tão logo chegou ao pé do morro percebeu que o barulho vinho do seu cume. Sem pensa duas vezes seguiu em frente para algo tratado como questão de tempo até ser mais uma daquelas buscas fracassadas por um fenómeno anormal. Quanto mais tinha convicção da direção do barulho menos parecia ouvi-lo. Até que de longo avistou algo que lhe tirou o ar. Não sabia direito como reagir perante aquela garota de cabelos vermelhos dançando ao som do estalar de galhos em chamas numa fogueira rodeada por um círculo tracejado no chão daquela clareira no pico do monte.

 Não sabia direito como reagir perante aquela garota de cabelos vermelhos dançando ao som do estalar de galhos em chamas numa fogueira rodeada por um círculo tracejado no chão daquela clareira no pico do monte

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Pela (claridade) feito a própria lua, que brilhava, fazendo parecer aquele, um palco natural daquela arte. Um canto ao qual não consegui entender uma palavra. Que até fez passar despercebido o motivo de estar ali. Uivos, qual?

Não tinha mais nada que chamasse mais a atenção naquele momento! Nem haviam cães, muito menos lobos. Apenas aquelas chamas dançantes que me convidavam, e eu quase embebido daquele êxtase estava ali estático observando todo aquele aparato. Até hoje posso afirmar com plena certeza de que não sei descrever com precisão tudo o que via. Não sei se a fogueira ou aqueles cabelos que talvez pelo ângulo de a minha visão, pareciam se misturar ou mesmo se conversarem. Poderia também ser aquela luz que vibrava em tons de dourado, pelas chamas ou a prateada luminosidade lunar que nesse momento era nitidamente quase roxa, banhando aquela noite. Decerto, nada se comparava a tudo isso somado aquele garota.

A sua pele que era visivelmente branca, para não dizer pálida ou albina

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A sua pele que era visivelmente branca, para não dizer pálida ou albina. Tinha um ar de tela em processo de criação da obra-prima, pelo movimento das cores que se confundiam com a sua própria leveza. Ecoavam cantos suaves e melódicos. Um som sem descrição ou semelhança a nenhum outro. Ainda assim agradável e hipnotizante, parecia vibrar por cada pedaço de o meu íntimo. Pude pela primeira vez perceber a dimensão da minha covardia, ao procurar em vão forças nas pernas que me pudessem levar pra junto de tudo aquilo ainda que não soubesse nada a respeito. Nada mais me era mais importante naquele momento. Ainda assim continuei parado ali a observar. Não sei precisar a hora, mas acordei com os raios do sol em meu rosto, e o barulho de vozes a chamar-me ao longe. A minha mente embaraçada não sabia descrever o que se passara naquela noite anterior. Muito menos acreditava se realmente a minha polquinha lembrança era real. Podia jurar ainda sentir aquela força estremecer-me cada fio de cabelo. Fiquei parado ali mais uma vez e agora, por vontade. Precisa saber o que falar para aquelas vozes que me chamavam. Uma delas eras claramente a da minha mãe. Como confundir! Pelo menos tinha a certeza de que não havia dormido em casa e precisava de no mínimo uma boa desculpa. Dada a situação, falei a verdade. Coisa que me saiu melhor que qualquer mentira, pois, poupou-me de falar detalhes que eu mais uma vez teria que criar até cair em contradição. Falei que não sabia o que aconteceu, que apenas acordei ali. Nada mais tinha em mente, além da vontade de sair logo dali, e ir para casa tomar um banho, vestir uma roupa limpa e tocar a vida. Passaram-se os dias, a rotina voltou a vidinha que me era permitido ter nas férias. Não tinha muito o que fazer além da passar aquelas longas tardes sentadas numa das lápides de pedra bruta, ouvindo o canto dos pássaros que teimavam em não ceder ao inverno e o seu gélido clima. Eu amava tudo aquilo. Tinha muito prazer em ficar naquela floresta que relutava em não ter clima fúnebre, mas continuava a ser um excelente local de discanço. Mesmo tendo uma ascendência holandesa, muito bem justificada pelo meu nome escolhido a dedo pelos meus pais que buscaram manter viva a sua cultura, trazida pelos seus avós. Não conseguia entender uma palavra seque daquele idioma estranho daquelas rochas. Ainda assim ficava horas sentadas ali, observando o lindo lugar que era. Uma floresta de árvores muito altas e frondosas. Quase sem vegetação rasteira, além de pequenas e localizadas plantas florais que por um aparente embora pouco provável projeto paisagístico, estavam estrategicamente situadas nos lugares certos para aumentar a beleza natural do local. Sem dúvidas que caminhar por ali era um viajar agradável pelos pensamentos. Raramente, se avistavam outras pessoas ali. Coisa que apenas aumentava a minha afeição pelo lugar. De fato que as pessoas evitavam aquelas redondezas, ou simplesmente não tinham vontade, e até mesmo motivos para estar naquele cemitério. Contrariando eles aquele continuava a ser o meu reino particular, onde podia seguir as minhas tardes perdido em mim mesmo. Vez ou outra, mas não corriqueiramente jurava ouvir pegadas, vozes ecoando ao longe, e sentir a presença de algumas pessoas, contudo isso nunca me incomodou. Pelo contrário, fazia daquele o meu misto de mistério e fascínio.



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