único

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Com a cabeça desleixadamente reclinada sobre o travesseiro, penso em você talvez pela quinquagésima vez ao dia.

Eu deveria estar dormindo, mas me encontro com os olhos abertos já faz algum tempo e, inevitavelmente, tudo o que me vem á cabeça são retratos seus.

Belas e contorcidas imagens do que me lembro e do que pude guardar para mim.

Imagino seus dentes branquinhos perfeitamente alinhados a um sorriso que me acalma o coração, suas mãos pequeninas sobre os meus fios castanhos finos e curtos e a sua voz gentil preenchendo o ambiente com uma bela canção de ninar.

Talvez, se pensasse em você, conseguiria dormir pela primeira vez em meses, mas a realidade é muito contrária ao que imaginei e sua existência dentro de mim somente me mantém mais acordada ainda; sempre procurando qualquer resquício seu no abismo das lembranças.

No entanto, por mais que tente, faz tempo que não consigo criar uma imagem sua fixa em minha mente: o meu cérebro procura descartar quaisquer fotografias suas e reciclar o que quer que eu sinta ou tenha sentido por você.

E, por mais substancial que seja, sempre me encontro pensando na sua franjinha cortada logo acima das sobrancelhas, sua gargalhada e na sua branca pele que te torna ainda mais frágil do que um vaso constituído pela mais fina cerâmica.

Eu falho em conter um sorriso; permitindo que momentos ao seu lado me preencham com amor, carinho e saudade e viro, inconscientemente, para o lado onde o travesseiro no qual você encostava a cabeça preenche o vazio extenso da cama; um dia ocupada pela sua essência floral e seu corpo mole adormecido.

Suspiros acabam por preencher o meu quarto vazio e eu me pego recriando uma imagem sua mais uma vez, na qual, após uma maratona de desenhos do Cartoon Network, você adormecera sobre o meu ombro e me abraçara como se me soltar fosse o seu pior pesadelo.

Eu sorrio novamente, lembrando-me da textura macia dos fios que afastei da sua testa quando a deitei ao meu lado para observar detalhadamente suas características delicadas, de modo a perceber o quão rápido meu coração batia.

Foi naquele momento que senti, pela primeira vez, que logo eu seria a causadora da sua dor. Aquele eu que você abraçava com tanto amor e medo, seria a pessoa a te deixar em algum futuro próximo: a colocar seu mundo de cabeça para baixo.

Por bem ou por mal, um dia eu explodiria e a primeira a sofrer qualquer dano, seria você. Eu tinha coincidência disso, mas machucar aos outros tornou-se um hábito meu e você, melhor do que qualquer um, sempre soube o quão dificilmente eu abandono minhas comodidades.

Eu não planejava te machucar, Hirai Momo. Eu nunca quis te ver triste ou deprimida por minha causa, nem deteriorar sua personalidade tão especial ou reprimir o seu sorriso tão lindo.

Minhas intenções nunca foram danificar qualquer pétala sua e, muito menos, fazer com que fosse embora. Mas eu o fiz e, embora reconheça o meu erro, percebo que me tornei incapaz de me afastar do seu jardim.

Soa estranho e doentio, certo? Venho considerando as possibilidades de que isso tenha se tornado uma obsessão.

Mas foi inevitável; pensar em você, me preocupar com você e lembrar de você tornou-se um hábito tão terrível quanto qualquer outro, por que ele me impediu de te fazer esquecer tudo aquilo de ruim que eu causei e de te deixar ir embora de uma vez por todas.

Solto mais um suspiro, parando por uma fração de segundo para perceber o quão estúpida devo parecer aos olhos alheios.

Como poderia ousar mencionar coisas que sempre mantive engavetadas em meu coração empoeirado e falho, depois de todas as coisas terríveis que havia dito sem pensar duas vezes?

Eu devo ser louca por manter você presa a mim quando a única a ter pedido para que você fosse, fora eu.

Dou risada, finalmente possuindo forças para manter os olhos pregados.

Reconhecendo o fato de você ter se tornado um hábito incontrolável, confesso quase em um sussurro, que amanhã serei incapaz de abandoná-la mais uma vez. E, por fim, adormeço.

...

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