Me lembro como hoje do seu sorriso, de sua boca se curvando para cima como se curvou nos seus últimos dias com a esperança. Me lembro de seu cheiro também, as roupas abandonadas no guarda-roupas não me deixam esquecer. Cada peça perfurando meus olhos, com lembranças que me fazem querer morar eternamente nelas.
Me lembro da sua esperança que tanto me doía. Uma esperança tão doce e inocente, imaculada pela realidade que eram os fatos.
Me lembro mais ainda da primeira vez que você sentiu as dores. Na época eu não podia compreender. Hoje eu posso. Mas é engraçado não é? Todos dizem que a vida é curta, que a morte não escolhe a quem visitar. E nunca damos ouvidos. Mas, meu pai, perdoe-me por não ter dito que lhe amava mais vezes, por não lhe abraçar, mas é como dizem, não damos ouvidos, eu não dei. Meu sonho é ter um filho, um filho de meu sangue. Não sou seu sangue, mas você, nos seus últimos dias, foi um filho para mim. Eu lhe dei comida na boca, lhe limpei e lhe dei amor e carinho, que percebi, tarde de mais que jamais fiz algo igual.
Me lembro do senhor segurando minha mão, e chorando falou: "Reze por mim". Eu rezei, mas rezei por algo melhor. O melhor foi o que aconteceu. Se o senhor esta em um lugar melhor, eu fico feliz. Foram meses de sofrimento.
Me lembro de vê-lo deitado na capela, rodeado por flores. Cada pétala simbolizando as palavras não ditas, as lágrimas escondidas, um momento perdido. Tudo pelo que eu daria minha vida para ter, para consertar, para reviver.
Me lembro que olhei profundamente em seu rosto. Cada ruga causada pela dor, cada grito seu guardado na minha memória, tudo foi esquecido naquele instante, quando vi um semblante calmo que a muito tempo não via. Um rosto tão sereno que naquele momento, pensei que todo aquele tsunami de dor e sofrimento não passou de imaginação minha. No fim, beijei sua testa, tão gélida que me doeu na alma. O que me restam do senhor são lembranças, e seus pertences abandonados.
Me lembro de fingir que estava tudo bem, inventar fantasias para justificar a realidade que eu me negava a aceitar. O problema com a realidade é que ela é realista demais para ser invadida por fantasias. Mesmo as mais realistas. O inevitável chegou e agora preciso arrancar você de seu cantinho cativo em meu coração e colocá-lo em seu novo lar em minha memória. Para queimar como todo o resto que me tiraram.
Me lembro da sua dor, tão agoniante e inevitável, uma sensação de desespero que me fazia estilhaçar em mil pedaços. Cada caco bem colado para parecer intacto a seus olhos. Me desculpa ter colado tão profundamente, me desculpa por cada palavra não falada, cada sentimento sufocado. Se tenho alguma certeza de algo na vida é que nunca jamais vou esquecer. Sempre me lembrarei.
A morte chegou, poisa sua vida foi breve, um instante, um instante perdido. Se há algum conforto namorte, é o de saber que você está onde a dor não existe. fMesmo que tudo desabesobre mim e me sufoque com meus próprios sentimentos, jamais esquecerei. Pois eume lembro.
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Promise
Short Story"Meu corpo estava mole e eu me sentia voando. Eu me sentia nas nuvens {...} mas tinha algo de muito estranho naquela sensação"