O vento forte cortava meu rosto como uma navalha. Apertei minha jaqueta e coloquei o capuz. O céu estava cinza e quase não se notava o sol por trás das nuvens. O dia estava triste, melancólico, e um arrepio me percorreu a espinha. Me fez lembrar do dia do acidente. Era um dia assim, sem cor, sem vida, alvo e negro. Minha mãe dirigia e eu estava ao seu lado. Ela estava me levando para a aula de violão, algo que eu insistira tanto em fazer. Cantávamos uma música de James Morrison, não me lembro bem qual, mas estávamos felizes ali. Ela me disse que iria se atrasar um pouco para ir me buscar na aula, porque tinha uma consulta no dentista, e eu assenti. Ela continuou seguindo com o carro, até que virou em uma esquina, e na sua direção, surgiu uma carreta branca enorme. Ela virou o volante com toda sua força, jogando o lado do motorista na direção da carreta, e tudo o que eu consegui fazer foi gritar por ela. Mãe! Depois um barulho metálico soou alto, me causando um arrepio lento e dolorido. Senti meu corpo ser arremessado contra a porta, e instintivamente, envolvi minha cabeça com as mãos. Um silêncio mortal se seguiu, e eu me ergui. Olhei para o meu corpo, e tudo o que eu tinha era um arranhão no braço esquerdo. Virei-me e vi minha mãe com a cabeça encostada no banco, quase como se estivesse dormindo. Seu rosto estava coberto por sangue e suas pernas estavam esmagadas pelo painel que se soltara. Eu passei a mão por seu rosto e comecei a chorar. Mãe! Mãe! Por favor, mãe, olhe pra mim! Ela não se movia. O motorista da carreta apareceu correndo e, quando viu minha mãe, cobriu a boca com as mãos. Eu me debrucei sobre o peito dela e a abracei, chorando desesperadamente. O homem, sem nenhum machucado aparente, começou a chorar também. Ele me olhava com uma expressão de assustado, e pude ver em seus olhos que me pedia perdão. Ele pegou seu celular e chamou ajuda. Quando desligou, ele abaixou-se na janela do lado do motorista e moveu os lábios, mas nenhum som saiu de sua boca. Ele repetiu o gesto várias e várias vezes até que eu entendi o que ele estava dizendo.
Eu a matei, me desculpe. Eu a matei, me desculpe.
Balancei a cabeça, tentando espantar a cena de minha mente. Já se passara dois anos, mas eu ainda não havia superado. Ficamos só eu e meu pai, mas é como se eu tivesse ficado aqui sozinha, pois ele ainda me culpa, e sei que sempre irá.
Continuei andando. Segurei firme a alça de minha bolsa que escorregava pelo meu ombro, e segui por mais alguns minutos, até parar na frente do Parque da Independência. Eu amo esse lugar. Depois que perdi minha mãe, passava meus dias todos aqui, olhando para as pessoas e para as flores, que, de algum jeito, me faziam sentir bem, espantando parte da dor que eu sentia.
Hoje o parque está muito calmo. Não há muita gente passeando por causa do tempo frio, o que me faz me sentir muito bem. Com poucas pessoas por perto, é mais fácil encontrar um lugar em que eu possa me sentar sozinha, e pensar.
Continuei andando pela entrada, olhando para o grande museu ao meu lado esquerdo. Parei para olha-lo por um momento, estudando cara detalhe de sua construção, e então me virei e desci as escadas para perto da fonte.
Do meu lado, passou um casal de mãos dadas. Eles falavam em japonês, e mesmo que eu não pudesse entender uma só palavra do que diziam, sabia que falavam algo bonito um para o outro. Ele deu um leve beijo na testa dela e seguiram em frente.
Sorri ao ver aquela cena. Cuidavam um do outro e se amavam, e resolvi que podiam servir de inspiração para algo que eu fosse escrever mais tarde.
Continuei seguindo pelas ruazinhas até que me sentei em um banco de madeira que estava vazio, perto de outra fonte, no centro do parque. Peguei meu celular, liguei a música e coloquei os fones no ouvido. Em seguida, tirei da bolsa meu caderninho e uma caneta. Comecei a rabiscar algumas palavras, meio sem rumo.
Olhei ao redor, para a paisagem, e comecei e pensar no casal que eu vira, na felicidade estampada no rosto de ambos, no futuro que os esperava, e sorri mais uma vez.