Conto

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†FRENESI†

“Ao mergulhar em profundezas obscuras, você pode não emergir à luz outra vez.”

(2000-2017)

Durante toda minha vida eu ouvi minha mãe dizendo que se eu fosse uma boa garota, coisas também boas aconteceriam comigo, acho que todos já ouviram esse conselho um dia, assim como aquela velha história de que não tem bicho papão dentro do guarda roupa ou embaixo da cama. Eu sempre tive medo de palhaços, nunca acreditei em vida extraterrestre e eu confiava nas pessoas, me fizeram assim, fui enganada e talvez se eu não tivesse acreditado na minha mãe eu ainda estaria viva. Foi no dia 8 de novembro. Ah, sim, eu tinha dezessete anos quando aquela coisa horripilante me pegou e devorou o meu cérebro como animal faminto.   

Era madrugada quando tudo aconteceu, por que é na escuridão que os demônios saem para se alimentar de almas inocentes e essa é a única verdade de todas as mentiras que já me contaram.  Eu havia levantado para tomar água, a ressaca de horas atrás ainda me perturbava, sim, eu tinha bebido, garotas boas também se embriagam.  

Abri a geladeira, peguei uma garrafa de água e a virei em dois longos goles. Voltei para meu quarto em passos suaves. Havia um líquido gosmento no chão próximo ao guarda roupa e o fato de eu estar descalça, me fez escorregar. Cai de bunda no chão e reprimi um grito para não acordar minha mãe no quarto ao lado, apesar dela dormir com tampões de ouvido. Limpei meus pés no tapete e sequer cogitei lavá-los, pois era inverno e as madrugadas de inverno no RJ costumam ser geladas. Ouvi um rangido esquisito e não consegui distinguir o que era, mas na pior das hipóteses seria um demônio abrindo a porta do meu guarda-roupa. Desliguei o abajur e voltei a deitar na cama me cobrindo dos pés à cabeça. Meus olhos cansados estavam quase se fechando quando ouvi um ruído, mas dessa vez foi na minha janela, e a pior das hipóteses seria uma besta tentando entrar.  

TWANG. Meu celular vibrou na cômoda ao lado, meu coração pulou assustado. Peguei o aparelho e abri no WhatsApp, era Paula. Resolvi não abrir sua mensagem, provavelmente ela ainda estava bêbada. Coloquei o celular de volta no lugar, fechei os olhos e os pressionei para tentar pegar no sono novamente. Senti um peso incomum em minha cama, tentei chutar com os pés, mas era algo grande e forte. Assustei-me e acendi o abajur, mas eu nunca devia tê-lo acendido. Meus olhos se fixaram na coisa mais horrorosa que eu já tinha visto em toda minha vida, era pior do que qualquer palhaço idiota e muito diferente do que qualquer filme de alienígena que eu já tenha assistido. Fiquei estarrecida diante aquela cabeça enorme no pescoço fino e longo, pele verde musgo, enrugada e gosmenta, os grandes olhos escuros e brilhantes. Não tinha nariz, mas tinha um buraco na cara que parecia uma boca. Isso mesmo, era de fato uma boca. Eu gritei alto, a ponto de quase arrebentar minhas cordas vocais. Pulei da cama e sai correndo pelo corredor da casa, bati na porta do quarto da minha mãe, mas ela não me respondia, sequer parecia ouvir. Tentei entrar, mas estava trancada. Acendi a luz do corredor tentando fazer tudo aquilo ser menos desesperador. A idéia de ainda estar embriagada passou por minha cabeça.

- MÃÃEEEEEE. ABRE, POR FAVOR. SOCORRO! – continuei a bater e a gritar desesperadamente. O choro ainda não havia se feito presente, pois eu simplesmente estava em choque. A coisa não veio correndo atrás de mim, mas suas pernas longas fizeram com que ele andasse rápido. Sim, era rápido. Meus olhos verdes se arregalaram, um suor frio desceu por minha testa e eu tremi. Ele vinha caminhando pelo corredor, era magro e seu rosto parecia ter veias que saltavam, seus olhos me encaravam como se quisessem me devorar, e talvez quisesse. Ele abriu sua boca e por um momento achei que iria proferir alguma frase, mas tudo que fez foi gritar alto. Não era um grito humano e também não parecia um animal, parecia mais com alguma interferência de televisão. ZIIIiiiiiiii.

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