O cavaleiro elfo

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para Manu, que me lembrou da música no momento certo.

Ergueu o corpo apoiado nos estribos da sela. E soprou o chifre, branco e dourado, deixando as notas durarem no ar, quase líquidas, sentindo a vibração que se esticava do monte circular e expandia pelo campo, enquanto o vento se erguia e levava o som, e só então soprou outra vez, uma nova nota se somando à primeira.

 Na aldeia, uma janela brilhou, o brilho pálido de uma vela, e então, o escuro.

 Curioso, pensou em ir até lá, mas apertou as mãos enluvadas contra as rédeas e fez o gamo voltar para a floresta por onde veio.

 Na segunda noite, o brilho durou um pouco mais. E ainda mais na terceira. Na sétima noite, ele já estava a meio caminho da aldeia quando a luz apagou, para seu desconsolo.

 Vinte oito noites até que ele parasse sua montaria debaixo daquela janela, e visse a sombra da moça.

 Seus pés leves de elfo subiram para o parapeito, e em um movimento delicado, estava em pé diante dela, que segurava a vela.

 Não era a moça mais bonita da aldeia. Tinha o cabelo de um castanho fosco e o leve roxo de olheiras sob os olhos.

 -A culpa é sua. -ela não esperou que se apresentasse. - Não posso dormir ouvindo o som que vem da colina. Escuto o chifre soar e sinto sua respiração por trás do som, e o desejo.

 Fazendo uma mesura, ele se aproximou. E sem cerimônia, sentou na cama de pernas cruzadas, pensando no que dizer.

 -Estou aqui agora, e foi você quem me chamou.

 -Como vou saber se isso é verdade? Poderia ser um sonho.

 Então ele tirou um ramo de alecrim de trás da orelha, e colocou sobre seu travesseiro.

 -Durma e sonhe seus sonhos de mortal. Amanhã à noite, estarei na colina, a sua espera.

 E assim ela fez. Pela manhã, o ramo de alecrim perfumava sua fronha, e quando ele soou o chifre pela primeira vez, viu um cavalo baio se movendo pelo campo, a moça vindo em sua direção.

 Desmontou e esticou sua capa, leve como teias de aranha, no chão úmido para sentarem. Sentiu um estranhamento que o fez levar a mão ao peito: e sim, seu coração pulsava mais rápido pela possibilidade do encontro.

 Quando estavam lado a lado, e tão perto, daquele jeito sentados, podia ver os olhos dela, com um brilho inteligente e feroz, e com a desculpa de espantar o frio, segurou as mãos da moça entre as suas.

 -Você não tocou uma segunda vez.

 -Não.

 -E como isso fica? Todos vão saber que algo aconteceu.

 Então ele entregou o chifre.

 -Toque.

 Pode ouvir a respiração dela misturada àquela segunda nota, e o ar vibrante que moveu as moitas de tomilho.

 Havia uma esperteza em sua voz quando falou com o elfo.

 -O que preciso fazer para ter você como meu marido?

 Sentiu o peso do geas em sua voz, mas mesmo assim disse:

 -Me faça uma camisa, sem trabalho de tesoura ou agulha, sem faca, sem corte ou costura.

 A moça falou, com raiva na voz.

 -Quando puder me dar um acre de terra, entre o mar e a areia da praia.

 E os olhos dele se entristeceram. Porque estavam sentados sobre o monte redondo, e ali as palavras tinham poder.

 Saiu correndo sobre o gamo, e ela pode ver sua sombra branca desaparecendo entre as árvores.

 O monte redondo ficou vazio pelo outono e depois pelo inverno. E quando na primavera, o cavaleiro retornou, soprando o chifre e escondendo sua forma entre as nuvens, uma chama de vela pode ver, distante na aldeia.

 Ela o esperava.

 E estiveram juntos, por muitas noites, até o som da cotovia chamar a manhã. Pode olhar o corpo dela, adormecida, e ver o ramo de alecrim que repousava sobre a mesa.

 Mas a curiosidade começou a corroer seu peito. Porque ela parecia mais forte que antes? Porque suas mãos mais marcadas?

 Não perguntou. Porque os meses quentes passam rápido, e não queria perder o tempo que tinham juntos.

 Às vezes, se encontravam no monte redondo, e no meio do verão ele a levou, vestindo máscara e disfarce, para dançar sobre as flores do tomilho no baile do rei das fadas.  

 Então o outono veio. E quando pela última vez, soprou o chifre e deixou sua voz correr os campos com o vento, ela a viu, atravessando o campo sobre o cavalo baio.

 -Não esqueça de mim no inverno, no lugar para onde vai. Você me fez prometer, aqui, onde as palavras são mais fortes, e eu ainda não desisti de me casar com você.

 Ele a beijou, e colocou seu manto, mais fino do que teias de aranha e mais quente do que qualquer pelo, sobre seus ombros, como quem faz uma promessa.

 Mas quando o gamo não era mais do que uma sombra entre as árvores para os olhos dela, ainda não sabia o que fazer, para conseguir terras que ficassem entre o mar e a areia da praia.

 Quando a primavera começou a suspeitar no campo, ela já o esperava no monte redondo, enrolada em seu manto. Apertava algo agarrado contra o peito, seus pés estavam descalços e seu vestido desfiado.

 E quando se ergueu para encontra-lo, ele viu, a barriga redonda e cheia dela, e uma alegria febril em seus olhos.

 -Esposa ou não, já não tenho outro caminho, senão seguir para o seu mundo. Na aldeia nos chamam de demônios, fecham suas portas e fazem figas por onde passo. Mas eu fiz a minha parte.

 Desenrolou o que segurava: e ali ele viu, a camisa de cota de malha, os elos brilhantes e precisos, do mais fino acabamento, enquanto ela continuou:

 -Eu te fiz uma camisa, sem trabalho de agulha ou tesoura, sem linha ou costura, e a lavei no poço seco, no escuro entre as montanhas, para a areia deixa-la brilhante.

 Ele a colocou sobre o gamo, sem dizer uma palavra. Pois não era tão rápido ou tão perspicaz, mas também tinha feito seu esforço.

 O gamo correu com eles, até que a moça pode sentir o cheiro do mar e ouvir seu rugido. E continuaram correndo, sobre a água e as correntes de vento.

 O sol nascia quando pararam. E seu riso tingiu o ar em cores. Sobre os rochedos do costão, depois do mar e antes da praia, se erguia a longa palafita. E na terra rasa, suspensa sobre a rocha, brotava a sálvia, e a salsa já floria, em torno da casa feita de madeira vinda do mar e de ossos de baleia.

 O próprio rei das fadas celebrou seu casamento, e a rainha foi madrinha de seu filho.

...E eu mesma fui à festa do casamento, e trouxe uma bandeja de doces para você. Mas chovia, eu escorreguei, e todos caíram nas poças.

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⏰ Última atualização: Mar 12, 2014 ⏰

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