Cara Ashira,
Sou eu, o Charles.
Peço-te perdão por todos os momentos que deixamos de passar juntos nesse conflito armado. Eu sacrificaria tudo para passar mais um dia ao seu lado, o que hoje infelizmente se torna algo impossível.
Apesar de tudo o que passamos durante todo esse tempo, todos os nossos momentos, alegrias, choros, empecilhos... Apesar de tudo, seu nome sempre foi e sempre estará gravado dentro de mim como o número 147822 está gravado na brandura de sua pele. Saiba que tudo o que vivemos juntos foi eternizado junto com minha alma e o meu coração se estilhaça a todo minuto por não poder mais te ter em meus braços.
Sim, sei que lhe devo explicações pela minha ausência, mas peço que te acalmes. 19 de setembro 1944 estava tudo mantendo-se na mesma rotina de guerra onde soldados saem para a linha de frente de batalha e voltam carregados de poeira e sangue, com partes do corpo danificadas, esmagadas, chegando até mesmo em caso de amputação. Os médicos correm e fazem todo o atendimento em menor tempo possível para sarar todos os feridos. Caminhões com mantimentos, medicamentos e munição chegavam semanalmente. Tudo o que se pode considerar "normal" em uma guerra. Mas neste dia houve um imprevisto que causariam danos eternos: um ataque surpresa em nossas bases.
Com os sons ensurdecedores das bombas caindo, só pude ver a desolação e o brilho de desespero no olhar de todos os meus colegas ao perceber a derrota iminente. Não havia jeito, as tropas inimigas estavam nos cercando. E foi aí que vi a cena que jamais me esqueceria: Alex, meu melhor amigo e irmão, caído no chão totalmente ferido e com a garganta misteriosamente cortada, não para matar, mas sim para fazer ele sofrer, fazendo-o engasgar com o próprio sangue enquanto procurava uma fresta de ar na qual pudesse pronunciar qualquer tipo palavra.
Logo, joguei-me ao seu lado e segurei firme a sua mão, que ele apertava com o pouco de força que lhe restava. Poucos segundos depois uma lágrima escorre em seus olhos e senti seu aperto folgar totalmente.
Naquele momento fiquei sem chão. Não sabia o que iria fazer além de tentar conter minhas lágrimas, que não cessavam. Levantei-me com o que me sobrou de forças. Pra onde iria? Corri com todas as minhas forças. Corri até meu pulmão arder pedindo mais oxigênio. Corri em busca de algum abrigo. A minha perna esquerda havia sido gravemente afetada, mas mesmo desta forma, corri o que pude.
Um rastro de sangue foi sendo deixado atrás de mim, mas estava quase chegando a um pequeno vilarejo. Minhas esperanças foram se renovando, finalmente iria achar um abrigo pra tratar de minhas enfermidades e feridas abertas. Porém, antes de alcançar qualquer pedra dali, senti balas me perfurando em varias partes do corpo. A dor era intensa e eu só conseguia pensar em um jeito de sobreviver para te ver de novo, meu amor. Mas quando virei meus olhos não puderam acreditar no que viram: era o Alex, estava de pé na frente de meu corpo caído no chão.
Ele não estava ferido ou abatido, mas sim como se tivesse se transformado em um ser obscuro, com uma estranha transparência. Seus olhos apresentavam uma escuridão tão profunda que cobria totalmente o azul safira de seus olhos. Ele apenas sorria enquanto meu corpo caia no chão quase sem vida.
Eu entava me manter de pé, enquanto meu sangue quente e escarlate escorria pelos furos da bala e a dor me provocava espasmos.Amada minha, não me ache um insano pelas coisas que te digo, pois de fato eu mesmo me considerei um ao contemplar tais acontecimentos diante de mim, entretanto, por tudo o que existe nesta Terra, lhe garanto que tudo isso foi real.
Meu amor, sei que a história não termina aí, porém é óbvio o que me aconteceu depois. Meu espírito ainda está preso na Terra porque não posso te deixar antes de dizer que eu te amo. Mas preciso que faça algo por mim. Queime o presente que te dei naquela noite, antes de partir para essa batalha sem volta, pois estou sofrendo muito, arrastando correntes pesadas na qual a ponta de uma delas me ajudou a escrever esta carta para você. Recentemente eu descobri como fantasma que o único jeito de me libertar é queimando essa corrente com a aliança. Sei que isso foi uma promessa minha, que quando voltasse, iríamos nos casar e viver longe de toda a perturbação, mesmo sendo completamente proibido o meu povo ter qualquer contato com o seu. Estava tudo preparado, mas foi interrompido por uma fatalidade.
Assim que queimar, quero que você fuja para as terras do Sul e fique na casa de sua tia Célia, lá estará segura de qualquer tipo de ataque.
Fique bem, meu amor. E cuide bem de nosso filho quando ele nascer daqui 7 meses.
Com toda a saudade e amor que está eternizado em mim,
Seu Charles.
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Uma carta para Ashira
Short StoryConto escrito exclusivamente para o terceiro desafio do perfil @FiccaoHistoricaBR Uma carta. Palavras misteriosamente marcadas. Um choque. Uma realidade. Já ouviu falar que nada pode apagar o amor? Para Charles e Ashira não foi diferente. Nem a guer...