Querido Pai
Não consigo me recordar da última vez que meu pai me perguntou se eu estava feliz. Pra falar a verdade não me recordo dele ter me perguntado isso em qualquer momento de convivência nossa.
Sempre soube que a grande preocupação do meu pai era ver seus filhos tendo êxito na vida, não acho que ser feliz com seus êxitos era sua maior preocupação, afinal de contas, ele próprio não era feliz mesmo bem sucedido. Para ele, o importante sempre foi ter uma carreira de sucesso, um bom dinheiro e saúde, não era preciso amar a sua atividade diária e sim, ter facilidade para com a mesma.
Meu pai construiu uma nova família. Em algum momento depois disso nos perdemos. Eu era muito nova para me dar conta, me importar e ele, em algum momento, deixou de se importar conosco. Sempre compareceu às suas obrigações financeiras, mas como pai desistiu. Talvez nós, como filhos, o decepcionamos demais, ou simplesmente mais do que ele poderia suportar.
Foram anos de terapia. De nada adiantou. Tentei convencer a mim mesma e as pessoas a minha volta que por causa disso eu era uma pessoa mais bem resolvida. Acho que enganei todo mundo direitinho, inclusive a mim mesma. Triste isso, né?
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Sempre tento me convencer - normalmente no Ano Novo - que um ano há de ser melhor que o anterior. O engraçado é que nos últimos três anos isso não tem acontecido. Não me refiro à parte de tentar me convencer, mas sim a parte que um ano não tem sido melhor que o outro. Tentei muito acreditar que 2010 seria um ano melhor, mais cheio de vitórias, conquistas, um ano de um só amor, um trabalho melhor, salário melhor, amigos mais próximos... Nada disso tem acontecido, por mais que eu tente. Agora quem cansou de levar tombos fui eu. Quem pensa em desistir, agora, sou eu.
Minha família está em colapso e nunca briguei tanto como tenho brigado com a minha mãe. Meus sonhos parecem ficar cada dia mais distantes e me sinto sozinha, poucas são as pessoas que consigo me abrir sobre isso, mesmo assim é impressionante como simplesmente não conseguem me compreender. Daí uma tristeza gigante assola meu coração. Durmo, tenho pesadelos e pela manhã, quando acordo, não saio da cama tão prontamente. Observo a luz entrando pelas frestas da janela, fico imaginando como está o dia lá fora, vejo a luz atravessando a cortina de tecido dourado, ouço os sons da casa começando a funcionar: a cafeteira coando o café, a louça da noite sendo lavada, meu cachorro latindo para todo e qualquer mísero barulho, e continuo escondida embaixo das cobertas. Viro para o lado e tento dormir mais um pouco, na esperança de não ter que levantar para começar o dia. E assim, dia após dia, eu sigo.
Então, meu querido pai, se um dia você resolver se perguntar se estou feliz, lhe digo que não, não estou. Quando precisei da sua orientação paternal você não estava lá; quando precisei do meu pai, do amor dele, você também não estava lá. Não venha me culpar dizendo que fui filha ausente, afinal de contas você era o pai e eu a filha! Quem deveria orientar quem nessa situação? Sei que não posso esperar muito, pois você teve uma situação bem parecida com seu próprio pai, eu sei que o "buraco era mais embaixo". Mas cabia a você tornar as coisas diferentes. Eu, com meus míseros dezessete anos fiz o que podia, fui à terapia toda semana por cinco anos, tentei me aproximar de você, te ligava todos os dias para saber como você estava, esperando que, com essa tentativa, pudéssemos criar algum tipo de vínculo. Mas não... Você foi incapaz de me ligar num dia qualquer e perguntar como havia sido o meu dia ou, até mesmo, se eu estava feliz.