O Verme

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As estrelas na janela da cabine do comandante brilhavam num tom argêntea, como uma televisão sintonizada num canal fora do ar. Mikaela Sanders servia a marinha da Federação de Sol há quinze anos e já vira demais, principalmente com o desfecho da segunda guerra mecanóide. Os motores FTL impulsionavam a fragata numa velocidade várias vezes superior à da luz, emitindo um leve zumbido que era audível de todas as partes da nave, inclusive da cabine da comandante Mikaela. Os gigantescos radiotelescópios orbitais de Unity Prime haviam capturado um sinal vindo do longínguo sistema Rakkon-3. Mikaela havia aceitado a missão porque teria tempo para pensar, o silêncio da cabine que era penas entrecortado pelo suave zumbido dos motores FTL proporcionava-lhe a solidão necessária. O relatório da federação era confidencial, ia além dela o porquê alguém do alto escalão iria dar acesso a uma comandante.

O sinal de Rakkon foi decodificado, mas foi apenas parcialmente decifrado, o resto era ininteligível. Era um poema, um poema que repetia as frases "GRAVIDADE É DESEJO" e "TEMPO É VISÃO"  No fim do poema havia uma dedicatória ao cientista que decodificara o sinal, o pior disso tudo é que numa tentativa de estimar a idade do sinal, foi confirmado que ele precede o nascimento do cientista, cujo nome é Zaeed Algrum, e provavelmente precede a humanidade. Algrum fora mandado numa corveta para o sistema de Rakkon para investigar mais à fundo. Tudo o que foi recuperado foi um sinal de socorro da corveta e a comunicação de Algrum gritando "O VERME!" repetidamente antes de desaparecer por completo, como se engolido pelo negrume espacial. Mikaela achava que ele fora emboscado por piratas, sua fragata, SSE Ironclad, tinha um poder de fogo muito superior do que as fragatas tradicionais, aniquilariam qualquer inimigo que se pusesse à frente. 

Lá estava, sentada em sua cadeira com os pés apoiados na escrivaninha branco gelo, o datapad com o relatório em sua mão esquerda enquanto a outra apoiava sua bochecha com o cotovelo no braço da cadeira, as vezes tirando-lhe os fios de cabelo escarlate que caíam sob os olhos verdes. Ela travava e destravava o maxilar, alguma coisa a deixava tensa e incerta. Estavam levando outro cientista, um inglês chamado de William Wegguttrim, que fora capaz de localizar o sinal para o recém-descoberto buraco negro batizado de "Mandíbula de Rakkon", no sistema de mesmo nome. A oficial da federação arqueou uma sobrancelha ao ouvir o bipe familiar de notificação do datapad que significava uma nova mensagem. Ela retornou para a entrada e percebeu que o remetente era o departamento de pesquisa de Sol. Era um relatório para o superintendente geral da federação, quem cuidava de toda a burocracia antes do presidente. Ela não sabia como aquilo tinha ido parar ali, definitivamente não deveria estar nas mãos dela. O relatório falava de uma nave de voo autônomo que fora mandada com mais um pesquisador para investigar Rakkon, a única tripulação era o cientista Elroy Renaud, enviado para novamente decifrar o mistério do sistema. 

A nave de Elroy se aproximou do buraco negro e coletou dados anômalos sobre sua formação, no entanto, os sensores da nave se desalinharam com os de Unity , o  sinal enviado era levemente diferente. Entretanto, era de outra coisa, o sinal entrava na frequência anterior nos sensores de Unity segundos depois, era como se a telemetria da nave estivesse prevendo o que aconteceria, mas isso era impossível, ela transmitia o que acontecia no presente. Elroy abriu as comunicações e disse "Eu estou dentro" o espaço da telemetria de Unity e da nave ficava cada vez maiores, o espaço de tempo entre ambas aumentando. "É escuro. Mas isso não é um problema, podemos ficar aqui para sempre. Tudo o que o verme fará é esperar". A disparidade do timing ficou crítica, séculos de diferença segundo os cálculos dos supercomputadores de Unity Prime. Elroy desapareceu assim como Algrum.

A comandante se levantou e respirou fundo, virou-se para pegar a caneca de café que estava no criado mudo para encarar sua superfície lisa. Ela tinha certeza que havia deixado-a ali alguns minutos atrás. Coçou a nuca e virou-se novamente, apenas para fitar a caneca em sua escrivaninha. Ela a pegou e deu um gole, ainda quente. Ouviu outro bipe e abriu o datapad. Mais uma mensagem do instituto de pesquisa, mencionando um time de resgate recuperando a corveta de Algrum, encontrada vagando próxima da órbita de Europa, lua de Júpiter. A nave estava completamente vazia e num dos consoles havia uma entrada de diário de Algrum, que dizia "O QUE FOI, SERÁ".  Abaixo do relatório havia uma nota do pesquisador-chefe Qing Jian dizendo que "Algo nos contatou, de um lugar onde espaço e tempo foram reduzidos a um nó. A coisa nos deseja.".  Ele havia desaparecido aproximadamente dois meses atrás. Mikaela se preocupou e deixou a cabine, pegando o elevador para a ponte de comando. A porta do elevador deslizou e se fechou com um só clique, iniciando a breve viagem. O bipe surgiu uma vez mais,  dessa vez uma mensagem do próprio Zaeed Algrum. Ela dizia "O QUE SERÁ, FOI" em letras garrafais.

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⏰ Last updated: Dec 12, 2017 ⏰

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