Conto para Varsóvia

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Varsóvia, maio de 1943.

      O carro seguia por ruas iluminadas por altos postes de metal que sustentavam, no topo, uma lâmpada acoplada a um suporte preso por uma haste trabalhada. Os prédios tinham, de maneira geral, cerca de três ou quatro andares, e ladeavam ambos os lados da rua. O veículo se dirigia para a parte mais nobre da cidade onde, anteriormente, moravam as famílias mais abastadas daquela sociedade. Sentado no banco de trás do veículo, Dieter Berger observava, através da janela, a luminosidade dos postes, realçada pela névoa dispersa que se espalhava por todo o caminho; no silêncio total percebido às três horas da manhã. "Uma cidade fundada por uma sereia", pensou ele, e suspirou com desdém por ter de estar ali novamente.

      Era um homem bonito, que aparentava estar perto dos quarenta anos. Alto, vestia um uniforme de oficial alemão de alta patente: colarinho verde escuro com insígnias prateadas, fechado apertado no pescoço e com uma Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro presa a ele. No peito, à direita, o emblema da Wehrmacht, águia de asas abertas que carregava o símbolo do Nacional-Socialismo. Era o que lhe convinha no momento, ocupar uma posição de destaque no exército alemão, embora não tenha se filiado ao partido nazista, sua patente serviria para deixá-lo em boa situação e bem informado. Já havia passado por várias guerras por toda a vida e nunca, em nenhum século anterior, havia presenciado tamanha alienação humana. Nunca testemunhara tanta insensatez e a ascensão de líderes tão obtusos. Não que ele se importasse com as pessoas ou com o que elas faziam de suas tênues vidas, mas algum sentido deveria ser tirado de todo aquele caos.

      O veículo, conduzido por um oficial designado como motorista, chegava ao endereço destinado seguido por mais um caminhão do exército. Por todo o caminho, Dieter questionou-se do motivo delas terem escondido por quase três anos toda uma família judia em seu porão. Por que se importar com eles a ponto de pôr em risco suas próprias vidas? Elas não eram exatamente criaturas indefesas, reconhecia, mas as limitações trazidas por acobertar aquelas pessoas tornavam-nas suscetíveis a serem apanhadas pelo exército de ocupação. Neste ponto, Dieter questionava-se também o porquê de ele ter deixado a sua base na Alemanha para vir buscar aquelas duas polonesas teimosas.

      No passado, ele havia deixado Sylvia partir. Sob sua perspectiva, uma jovem camponesa filha de fazendeiros rudes. Ele livrou-a do massacre promovido em sua família, mas não decidiu levá-la consigo. Deixou-a livre e partiu. Ela era linda, de fato, e continuava assim quando a reencontrou em 1935 e depois, já viúva, três dias atrás, junto com a filha e seus protegidos. Os cachos dourados escapando por baixo do pequeno chapéu de feltro preto e sua atitude nervosa. Linda, o tipo de mulher que gostaria de ver ao seu lado. Talvez, agora, a esposa perfeita para alguém do seu nível social. Seria possível que a amava? Ou era só um capricho, afinal, deixou-a partir anteriormente. O fato é que deixara seu cargo confortável na Alemanha e retornava ao caos da Polônia por elas.

      Assim que o veículo parou a meio fio, ele ordenou que o soldado permanecesse no veículo e se dirigiu à entrada da casa. "Atrasadas", pensou ao observar que nenhum movimento mais dinâmico era percebido dentro ou fora da casa. Tinha avisado sobre a necessidade de discrição e dinamismo naquela retirada, uma vez que aquele bairro de belas casas de Varsóvia abrigava, no momento, a maioria dos oficiais alemães estabelecidos ali.

      Não foi necessário bater, a porta se abriu assim que ele subiu os primeiros degraus da escada. "A filha veio me receber... Claro que Sylvia não viria", pensou consigo e sorriu em seguida observando a elegante mulher de cabelos escuros à sua frente, bela como a viu pela primeira vez. 

      A jovem não disse nada, apenas permitiu que Dieter entrasse e se dirigisse para a sala principal. Sylvia, bem vestida e alinhada, com seus cachos dourados elegantemente presos, aguardava em pé no meio da sala.

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