Carlos Eduardo - Você não cansa, criatura?

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─ Você não cansa, não, criatura? – Bruna parava para respirar e tomar mais um gole de água. – Ontem teve aquele movimento todo... – Respirava com dificuldade. Nós estávamos treinando passos aéreos que exigiam muito preparo. – Sei muito bem que você só saiu de lá com o dia claro.

─ Só posso sair com tudo organizado para a próxima. – Sorri e aproveitei para beber água novamente.

─ Tudo bem... – Escorregou pela parede. – Até aí eu entendo. Mas onde é que você arranja força para esse pique todo no dia seguinte?

─ Vamos, Bruninha, coragem! – Ofereci minha mão para ajudá-la a levantar. – Nós precisamos ensaiar. – Não me dei ao trabalho de explicar. Dormi até tarde e já estou pronto para outra. Não tenho tempo para a vida de atriz dondoca.

Quando ela me deu a mão, eu a puxei de uma vez e ela veio direto para cima de mim. Estávamos muito próximos. Eu sorri por causa do susto dela. Bruna ainda não acredita na minha capacidade física, apesar de eu levantá-la várias vezes durante o ensaio. Bruna colocou as duas mãos no meu peito, fez careta de descontentamento.

─ Detesto quem me chama de Bruninha.

─ Posso saber por quê? – Ela estava mais dengosa do que chateada. Eu a conduzia enquanto falava, eram passos aleatórios, um giro, uma travada. Bruna seguia os comandos, confiava em mim. Estava completamente entregue, natural. Fiz com que ela fizesse uma ponte, seu cabelo arrastava no chão. Puxei-a de volta para mim.

─ Meus pais me chamavam assim...

Eu me lembrava vagamente de que o divórcio dos pais de Bruna tinha ido parar na televisão. Algo relacionado à guarda dela. E a dinheiro.

Minha parceira perdeu o brilho. Não deveria ter sido fácil. Senti pena da menina sozinha ali na minha frente. Não queria tocar em um assunto delicado. Eu a girei e girei e girei. Ela iria ficar tonta, mas continuou a seguir meus comandos, mantendo o olhar fixo em mim como ponto de referência do jeito que eu tinha ensinado.

─ Pois então, só vou te chamar como os figurinistas e maquiadores da emissora, vou te chamar de Bruníssima, Brunérrima, Bruneira e qualquer outro sufixo que eu me lembre... – Brinquei.

─ Melhor... – Forçou um sorriso. Rindo da minha imitação.

Retomamos a sequência desde o princípio com música. De acordo com as regras do programa, não havia nada contra os sapatos de sapateado e a partir de segunda-feira, ela já ensaiaria com eles. Por isso, hoje, a coreografia ainda não mostrava todo seu impacto. Eu insistia nos passos aéreos.

Em um passo em específico, Bruna teria de rolar por cima das minhas costas, quase um golpe de luta. Ela não tinha coragem e não dava o impulso necessário. Caiu umas três vezes antes de desistir.

─ Você tem que se concentrar, Brunona. Não é tão difícil assim, é?

─ Não. Não é.

─ Esta preocupada com alguma coisa? Você se chateou com a história do seu pai. Olha, me desculpe se...

─ Ai, Carlos Eduardo, cala a boca! – Ela me interrompeu colocando aquela mão suja na minha boca sem cerimônia. – Imagina se eu ia me irritar com uma bobageira de tantos anos atrás.

─ Desculpe. – Falei baixinho, tentando ainda desviar da mão.

─ Para de se desculpar, menino. Você é um pegador, lembra? Jaqueta de couro. Zero fragilidade. – Fiz cara de mau e ela riu.

─ E por que essa cara azeda, então?

─ Vou fazer uma campanha amanhã e não decorei os diálogos...

Eu suspeitava de que havia algo mais ali, mas não quis entrar no mérito. Ela parecia esgotada. Resolvi parar o ensaio, nós já tínhamos feito muito progresso. E era domingo. E férias. Éramos os únicos na academia. Ninguém precisava ser tão exigente, mas nós combinamos de ensaiar todos os dias e era assim que estávamos fazendo debaixo de sol e chuva.

─ Quer ajuda? – Ofereci.

Ela me olhou de cima a baixo como quem está vendo um extraterrestre. Fechou o cenho. Essa garota muda de uma hora para outra. Sei que, em alguma proporção, todas as mulheres são assim, mas essa é demais.

─ O que você quer?

─ Ajudar? – Perguntei desconfiado. Não esperava aquela reação.

─ E por que você faria isso? Não tem mais nada para fazer...

─ Bruna, eu só quero ajudar, ok? – Aquela interrogação toda começou a me irritar. Alterei meu tom de voz. Ela não conseguia acreditar no que ouvia. Não costumo perder a paciência muito fácil, mas aquilo era ridículo. – Você nunca recebe ajuda? – Pelo jeito que me olhava, percebi que não.

***

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora