Bruna - Deitei na minha cama e chorei

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Deitei na minha cama e chorei. Chorei muito. Chorei de vergonha. Chorei de medo. Chorei porque entendi que por mais que eu brinque de Cinderela, eu pertenço a outro mundo. Carlos Eduardo é um príncipe e eu sou uma borralheira que finge bem ter mudado num passe de mágica. A noite foi péssima e, na vida real, a carruagem não vira abóbora, ela é roubada.

Carlos Eduardo ficou maluco. Até palavrão disse. Nunca imaginei que ele sequer soubesse uma expressão dessas. Fiquei com o coração na mão por ter causado tamanho desgosto. Fiz o que pude para diminuir o impacto da primeira impressão da minha antiga vizinhança. Apelei para a melhor pessoa que já conheci.

Minha madrinha tomou um susto quando me viu na porta, mas me recebeu tão bem quanto sempre fez. Tentei não parecer chateada, conversar e até cachorro-quente eu comi, mesmo contando as calorias.

Ele foi atencioso com ela. Mas não foi muito simpático. Demorou para se sentir seguro. Eu realmente não queria que Kadu achasse que todo pobre é ladrão, traficante ou maconheiro. Tem muita gente de bem ali, apesar do roubo do carro e do tironeio no baile.

─ Menina, quanto mais você foge, mais você percebe que não pertence a esse mundo de fantasia, não é? – Minha madrinha me disse. Ela não gostou de Kadu. – Não vê que esse garoto não é para você? Quantas vezes ele pegou um ônibus na vida?

Aquilo me arrasou porque era verdade. Kadu nunca pegou um ônibus. Nunca subiu um morro. Nunca dançou funk. Nunca contou moedas para pagar alguma coisa. Acho que nunca desobedeceu aos pais. E eu faço tudo isso desde que me entendo por gente. Mesmo debaixo dessas roupas de grife que uso hoje, é isso que eu sou.

Depois, ainda teve a carona para casa. O irmão dele insinuando que contou para a mãe deles que o carro do Kadu tinha quebrado no estacionamento de um motel. Mal me cumprimentou, foi tirando uma com a cara dele até me deixar em casa. Acredito que as brincadeiras continuaram, provavelmente mais pesadas, quando eu saí do carro. Quase entendi porque Carlos Eduardo estava tão chateado. Ele só faltava sumir no banco do passageiro.

E a culpa era minha. Fui imprudente. Admito. Mas eu não poderia saber. E ele foi muito grosseiro. O que nos deixa empatados.

Se ele me pedir desculpas, eu também peço.

Esse pensamento me fez chorar mais. A verdade é que ele estava certo. Foi um erro terrível ter levado um garoto da sociedade para uma comunidade. Comunidade e sociedade não se misturam. Como água e óleo que até se tocam, mas jamais serão uma coisa só, sou a prova viva disso.

Posso insistir o quanto quiser. Posso provar do seu perfume. Posso desfilar na sua boate e estudar no seu colégio. Mas ele é um vinho caro e eu sou um café pingado. Nunca vai dar certo. Nós dois só vamos nos machucar.

Preciso cair na real. Procurar alguém que me entenda. Acalmei a respiração. Enxuguei as lágrimas, anotei na agenda as providências que tomaria amanhã para resolver parte do problema e liguei para Altair.

─ Alô, princesinha. Pensei que não ia ligar mais para o seu nego. – Ele me atendeu com a solicitude de sempre. – Como foi seu dia? Brilhou como a estrela mais linda do céu?

A gentileza de Altair acalmou meu coração. Para onde estou fugindo com tanto empenho? Fico pensando nisso direto agora. Tem esse cara maravilhoso, bem sucedido, com uma história de vida tão parecida com a minha atrás de mim e eu nem sequer dou uma chance para ver se dá certo?

─ Meu amor, você está me ouvindo?

─ Claro. – Sorri. Era exatamente isso que eu ia fazer. Dar uma chance para esse cara.

─ E aí, você pensou sobre a viagem para Arraial d'Ajuda?

─ Ah! A campanha... Você já tinha me dito.

─ Sim, princesa. Faço a publicidade, mas passo três dias lá. Quero que você vá comigo. Que tal?

***

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora