Condenados e abençoados.

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Annabeth apreciava o rosto de Percy, apoiada pelo cotovelo. A luz do Sol iluminava o quarto, enquanto a respiração pesada do marido era o único som no ambiente. Os lençóis da cama protegiam ambos. Observando Percy dormindo, uma chuva de histórias correu por sua mente.
Ambos atravessando o Mar de Monstros, enquanto ela, no fundo, ainda amava Luke. Percy conquistando um espaço no seu coração ao longo da aventura, provando sua bravura e determinação a fazer o impossível para salvar Grover.
Também lembrou dele começando a entender como era o fardo de herói, sentindo a culpa pela morte de Bianca e dor pela perda de Zoë. Ainda tinha aquele frio na espinha pelo peso do Céu em seus ombros, quando as trevas começaram a intensificar nela mesma. Suportar aquela dor... foi o seu limite físico naquela época.
Mas o emocional, obviamente, foi a aventura no Labirinto. O gélido pavor de correr aquele lugar claustrofóbico e perigoso, o fato de poder falhar com sua família e a pressão em perder um amor para algo pior que a morte... tudo aquilo partiu seu coração.
E então, quando ela testemunhou Percy liderando os semideuses na batalha de Nova York - sinceramente, Annabeth pensou que ela teria que fazer todo o trabalho sozinha -, ver o garoto que há uns anos não sabia nada do mundo se tornar a personificação de um herói, toda aquela coragem e responsabilidade que ele assumiu realmente a impressionou. Mas o ápice foi quando ele desistiu do Divino por amor. Por ela.

Então os piores problemas vieram. Quando ambos estavam felizes, enfim conhecendo o Paraíso na Terra, ele foi arrancado dela e jogado num acampamento diferente. O pânico de não ter Percy ao seu lado foi o suficiente para fazê-la quase enlouquecer. Porém, Annabeth o encontrou, eles tiveram seu momento novamente e ela foi para aquela maldita jornada atrás da Atena Paternos, a qual estava tão confiante e tão preparada para representar sua mãe.
E o inferno chegou.
Aquele calor insuportável, aquele ar sulfúrico, aquela fadiga dolorosamente imensurável, a perdição inevitável... tremores ainda viam quando Annabeth lembrava do Tártaro.
Maldição, com exceção de Nico e de Percy, ninguém entendia o quão traumatizante aquilo se tornou. Eles caminharam praticamente sem esperança pelo Abismo eterno, sofreram mais que tudo e perderam seu maior amigo e aliado. O coração de Annabeth berrava em tormento ao lembrar de Bob.
Ainda podia sentir o sofrimento e pesar que era estar naquele lugar, o quão escura e sombria havia se tornado sua alma ao sair de lá. E ainda testemunhar Percy sucumbindo a um instinto monstruoso de pura maldade... as cicatrizes não sumiriam. Nunca. Nem a dor.
De qualquer maneira, eles conseguiram derrotar Gaia e, apesar dos eternos machucados, eles haviam alcançado a paz, mesmo Leo, após ela o socar consecutivas vezes.
Conseguiu encontrar seu primo distante e até mesmo se aventurou ao lado dele, com Percy.
Depois veio a faculdade, o casamento e a verdadeira sensação de serenidade. Como se o peso do mundo houvesse a abandonado.
A salvação da perdição em que ela se encontrava partiu ao ver o sorriso de Annabelle pela primeira vez. Annabeth se perguntou se ela já havia acordado para ir à escola.

Na penumbra do quarto, os momentos de dor e alegria se dissiparam ao perceber que Percy estava se espreguiçando.
Ele abriu os olhos lentamente e sorriu pra ela.
- Bom dia - anunciou, olhando para Annabeth. - O quê? Tem algo no meu rosto? - Perguntou, alisando a face.
A semideusa não pode deixar de sorrir. Apesar de todo o fardo divino, toda a luta gigante e interminável, mesmo depois de cada monstro - humano ou não - conhecido por eles, apesar do inferno de vida que haviam escrito juntos, ele ainda tinha aquela essência. Percy ainda era aquele jovem garoto hiperativo e bobo que se importava com todo mundo.
- Não, nada, é só que... você baba enquanto dorme.

Pretérito ImperfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora