Oi, família! (ou parte dela)
Por onde se começa a escrever esse tipo de coisa? Eu achei que essa fosse ser mais uma das cartas que vocês nunca leriam - sim, eu escrevo cartas a vocês desde os 13 anos de idade, destruo-as logo após escrever e não estou acreditando que estou contando isso a vocês, mas isso é só o começo.
Poxa, eu realmente não sei por onde começar. Achei que fosse fácil fazer isso. Para começo de história: essa é a milésima tentativa de escrever uma carta decente. Venho tentando fazer isso há cerca de duas semanas. Agora, com um pouquinho mais de coragem, estou tentando outra vez, mesmo que haja um choro entalado na minha garganta, secando a minha boca e fazendo meu coração saltar para fora de mim. É, estou muito nervosa a respeito disso. Estou em agonia. (é com isso que a pré-liberdade se parece?)
Há alguns dias, inspirada por um amigo e encorajada por muitos outros, tomei uma decisão muito impactante na minha vida, e uma vez que eu vá fundo com ela, não há como voltar atrás. Mas, sinceramente, não quero voltar atrás, e nem acho que vá mudar de ideia no meio do caminho, ou daqui pra frente. E essa decisão é bastante simples: me assumir pra vocês.
Quando eu era pequena e as meninas conversavam sobre os meninos, sempre chegávamos ao assunto do “de quem você gosta” e tal. Até aí tudo bem, eu gostava de muitos garotos e até obrigava eles a sentar comigo – namoro de 1ª série, vai entender. Ok, tudo normal. A coisa ficou estranha quando eu cresci um pouquinho mais e percebi que sentia a mesma coisa em relação às meninas. Acho que foi mais ou menos na entrada da adolescência que eu me dei conta de que eu não sou como as meninas que gostam de meninos e sim como as meninas que gostam de meninos e meninas!
Pois bem, eu fui crescendo, mantendo isso em segredo e me relacionando com o menor número de garotas possível para não correr o risco de… Enfim, isso sempre ficava na minha cabeça. No fundo, eu sempre soube que sou bissexual. O que ocorre comigo é que eu gosto e me relaciono com quem me faz bem, não me importa o que há entre as pernas da pessoa. Mas eu não tinha maturidade suficiente pra ME aceitar, e ficava omitindo pra mim mesmo quem/como eu realmente sou.
Era ruim não poder conversar sobre isso com ninguém. Não foi fácil eu aceitar que sou assim e, a bem da verdade, se eu pudesse escolher, seria heterossexual para não ter que passar por essa angústia toda de entender que não é apenas uma fase, que eu não sou uma aberração, que eu posso morrer sem ter que ir para o inferno só porque eu posso gostar de qualquer pessoa, que eu sou livre, que meu coração é livre e que eu posso me aceitar e me respeitar sendo como sou. Eu me sentia meio perdida e sozinha nesse sentido, tive muito medo e muita vergonha de contar para alguém, até que, há mais ou menos um ano atrás, eu vim, aos pouquinhos, me assumindo para amigos próximos a mim (tenho algumas historias bem engraçadas quanto a isso, mas elas vão ficar pra outro momento), pessoas a quem eu devo agradecer muito por me incentivarem a acabar com essa pequena tortura particular que é/era o medo de contar a vocês por não saber qual será a reação.
Ainda não sei se temo ou não a reação de vocês. Por um lado eu penso que vocês já deviam ter suspeitado porque durante toda a minha vida eu nunca fui uma garota padrão, vocês sabem, mas também penso que vocês talvez não tenham deixado as suspeitas atingirem o aspecto sexualidade (isso me lembrou do dia em que minha mãe perguntou sobre minha opção sexual. Tive medo de responder que sou bi. Agora não mais!). Vocês podem simplesmente não reagir, essa carta pode não significar nada para vocês (embora signifique um mundo inteiro para mim).
Eu também penso em mim. Eu que também não sei como estou reagindo a tudo isso. Eu, que tenho tantas coisas que eu quis ser e não fui, que eu quis fazer e não fiz… Tudo por puro medo da reação de vocês. Não os culpo e nunca os culparei por isso, eu sei muito bem que posso fazer o que quiser, mas sei também que tenho muito medo de desapontá-los. É engraçado porque eu acho que tudo o que eu faço é desapontar. Deve ser por culpa da busca incessante pela “perfeição” que eu sou cheia de falhas. Passei tanto tempo tentando construir uma imagem vendável para vocês que me esqueci de ser eu mesma. Tem sido assim há tanto tempo que eu me perdi tentando descobrir que tipo de garota eu realmente sou. É, eu queria ser uma filha, neta, irmã, prima, sobrinha, garota perfeita, mas eu me encontrei nesse caminho louco e descobri que eu sou eu e ponto final. E quer saber? Eu posso ficar bem sendo assim!
Mas eu quero acabar com esse medo de ser julgada, por isso decidi dar esse grande passo de dizer-lhes sobre o que eu gosto, o que eu quero, o que eu sinto. Não quero nunca mais sentir medo de não ser boa o suficiente. Não vou pedir que me aceitem ou me respeitem, isso fica a critério de vocês. Podem até me julgar se quiserem, tudo bem, vocês só estão sendo humanos.
Talvez estejam se perguntando por que eu resolvi fazer isso do nada. Primeiro, vamos estabelecer que eu me assumir não vai mudar em nada o meu modo de pensar sobre as coisas, não vou começar a cantar meninas na rua, me relacionar com três pessoas ao mesmo tempo, não significa que eu seja uma falsa gay, ou sei lá o que mais costumam pensar que bissexuais fazem. Segundo, ocorreu um caso muito próximo a mim em que um amigo se viu obrigado a se assumir bissexual porque o pai descobriu que ele estava ficando com um rapaz. Eu me coloquei no lugar dele e definitivamente não quero passar pelo enorme constrangimento de ter que me assumir obrigatoriamente ou por pressão. Só para você saberem: não, eu não estou me relacionando com absolutamente ninguém no presente momento e não há ninguém em vista. Estou fazendo isso por mim, porque preciso ser livre em relação a isso, porque eu confio em vocês o suficiente e porque temos que colocar em perspectiva que, dadas as circunstancias, há a possibilidade real de eu me relacionar seriamente com uma garota no futuro e todos os lados envolvidos nesse fato, inclusive a minha pessoa, terão de se adaptar a isso. Logo, estou criando espaço e tirando um peso gigantesco do meu coração (porque nas costas é fichinha, a parada aqui é barra pesada).
No fim, ser bissexual não define meu caráter, não me faz melhor ou pior do que ninguém, não me torna especial, e não me dá direitos que as outras pessoas não têm. Ser bi não é motivo pra ser tratado diferente, assim como não é motivo pra tratar os outros como não gostaria que fosse tratado. Ser bi é, por definição, sentir atração por pessoas do mesmo gênero e gêneros diferentes, apenas. Continuo sendo a mesma Luiza maluca, lerda e esquisita de sempre, só que agora vocês sabem mais uma verdade sobre mim. Espero que continuem gostando de mim, porque eu vou continuar gostando de todos vocês.
Eu amo vocês mais do que tudo nesse mundo. Eu sei que eu não demonstro muito bem isso, que mais parece que eu nem sinto nada, mas eu sinto sim e sinto um amor enorme por vocês!
Ah, e me desculpem o transtorno, estou em reforma.