Uma história do Holocausto

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      Meu corpo todo dói. Cada nervo do meu corpo é misto de dor e cansaço. Estou faminta, tão faminta que comeria até mesmo os insetos e ratos do dormitório. É hora de acordar, não que realmente tenhamos dormido. Nos dias bons, choro até dormir e consigo pelo menos ter um pouco de paz. Nos dias ruins, a dor, a fome, o frio e medo me mantém acordada, e tudo que consigo fazer é chorar baixinho para não acordar nossos companheiros. Mas é hora de trabalhar. O sol não nasceu ainda, mas os crematórios, chuveiros e campos de trabalho já estão a todo o vapor, como sempre.

      Mas uma vez por semana, uma única e maravilhosa vez por semana, eu consigo escapar dos campos de trabalho e ir até a grade que nos isola dentro do campo. É algo que anseio com todas as minhas forças, e finalmente chegou. Uma vez por semana eu consigo observar o que costumava ser minha realidade, mas agora, não é sem sequer um sonho distante. É algo mais que impossível. Apesar de saber que não me juntarei a eles de novo, gosto de imaginar o futuro. O futuro que sei que nem sequer terei a chance de ter. Gosto de imaginar como poderia ser minha vida....

        Filhos, marido, uma casa e um bom emprego. Não seria qualquer emprego. Eu seria uma jornalista, ou uma escritora. Mostraria o outro lado dessa atrocidade quem chamam de guerra. Mostraria ao mundo todas as injustiças que acontecem diariamente e lutaria por aqueles que não podem se defender sozinhos. Como nós. Desde que fomos expulsos de casa e forçados a vir para esse inferno na Terra me pergunto: " Por quê? ".

        Eu não entendo. Eu oro todo dia e toda noite para que Deus me faça entender o porquê, mas não obtive resposta. Eu não entendo como ele pode deixar tantos dos que O amam nessas carnificinas inumanas! Somos mortos, escravizados, torturados e humilhados! Nos tratam piores do que aos criminosos. Nos tratam piores do que aos animais! Nosso crime? Ser judeu. Vi uma frase em uma das paredes dos dormitórios que me deixou perplexa. "Se Deus existe, ele terá de implorar meu perdão."

      De primeira, eu concordei. Mas agora, ao observar o mundo pelas grades, percebo que estava errada. Deus nunca disse que seria fácil ser fiel à Ele e a seus mandamentos. Ele nos disse que aqueles que são fiéis à Ele teriam a força necessária para passar por esses momentos. Percebo agora também, que tenho falhado com Ele. Deixei que minha fé enfraquecesse. Duvidei dEle. Questionei-O. Quem sou eu para fazer isso? Se isso está acontecendo, é por que tem que acontecer. Aquelas pessoas do outro lado, vivendo suas vidas livremente não tem fé nenhuma e nunca terão de lutar para tê-la. Muito provavelmente, não serão salvas por Ele. Por outro lado, no futuro, isso pode servir como exemplo de fé para os outros. Quem sabe nossas mortes não causem o salvamento de milhares de vidas?

      Minha visão esta embaçada. Minhas forças se esgotaram, não consigo mais me mover. Agora, torno-me mais uma. Mais uma criança sem rosto. Mais uma pessoa sem identidade. Mais uma vida que se vai despercebida. Mais uma pessoa que se encontram orando. Sou apenas mais uma entre as milhões que morrerão sem identidade. Mais uma apenas.

        A luz está chegando perto. Não mais sinto dor ou cansaço. O medo se esvaiu do meu corpo. Anjos descem e pegam em seus braços quentes e amorosos. A única coisa que sinto é um aconchegante calor, o calor do seu amor. Consigo sentir o amor ao meu redor. Estou finalmente livre e longe desse buraco do inferno. Eu nunca imaginei que fosse sequer possível existir uma sensação tão boa e gratificante como essa. Finalmente, estou livre. Finalmente, estou em paz.

Apenas mais uma história sobre o HolocaustoWhere stories live. Discover now