Cap. 57: Fundadores

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Meu rosto estava inexpressivo, ainda espantado diante do espelho. Bia, pesarosa, terminava de espalhar o brilho em minhas pálpebras. E eu não conseguia acreditar no que havia acabado de ouvir.

Bianca iria embora. Ela fora comprada, mesmo sendo funcionária, por um garoto aparentemente gentil. O mesmo, querendo a herança do pai, combinara casar-se com uma mulher da Sociedade, sem especificações quanto ao seu papel dentro dela. É minha amiga, presa durante toda a sua vida, aceitara. O mais incrível de tudo, Datha também.

- Ale... se você não quiser... eu... - enrolou-se, largando a maquiagem na penteadeira.

- Pare. - falei, encarando-a - Eu quero que você seja livre. Quero que seja feliz, e se acha que esta é a melhor maneira, então, concordo com você. Eu só... - respirei fundo, tocando de leve o ombro de Bia. Ela fora minha amiga por um curto tempo, mas era, sem dúvidas, a melhor que já tivera - me preocupo com você.

Os olhos dela começaram a lacrimejar, e dois segundos depois já estava chorando. Comovida, Bianca ajeitou meus cabelos, secando o próprio rosto em seguida. O silêncio entre nossas frases não era desconfortável, pois era a única forma que tínhamos de pensar melhor. De entender melhor o que estava acontecendo em nossas vidas.

Bia, quando terminou o rabo de cavalo invertido em meu cabelo, andou até a cômoda do quarto, retirando de lá uma pequena taça. Puxou, do bolso rendado do avental, um pequeno comprimido rosado, que eu tanto conhecia. Observei enquanto o mesmo se diluía, transformando a cor da água. Os utensílios foram guardados, e em pouco tempo o líquido estranho estava em minhas mãos. Daquela vez, porém, analisei o que estava fazendo.

Na primeira vez em que ingerira o remédio, eu estava assustada como uma criança. Tomara tremendo de medo, mas não apenas por mim. Eu não resistira, porque... naquela época, mesmo sem saber o que estava acontecendo, tinha medo que fizessem algum mal ao meu pai. Inconscientemente, eu pensara nele (minha única família), durante todas as vezes em que fora obrigada a consumir o comprimido. Devia ser assim com todos os membros da Sociedade. Tomávamos e obedeciamos sem resistir, temendo pelas pessoas que amávamos. Então, talvez, não fôssemos bonecos por completo. O amor continuava ali, só que coberto pelas cicatrizes do tempo. Jamais deixaríamos de senti-lo.

- Ale... - Bianca sussurrou, em prantos. Percebi que estava parada, encarando a taça - Você precisa tomar, já disse que existem câmeras por todos os lados...

Assenti, bebendo o líquido obscuro de uma vez. Durante a tontura habitual, imaginei o caso que Bia uma vez me contara. O caso de uma bambola que, apenas por jogar fora o remédio, tivera seus tornozelos amarrados no corrimão de uma das passarelas. Eles, os Frequentadores, esperaram até que morresse de fome. Dali em diante, ninguém nunca mais ousou repetir o erro.

- Eu... obrigada. - Bianca murmurou, terminando enfim de me arrumar.

Franzi as sobrancelhas, levantando-me e acompanhando-a até a porta.

- Pelo quê? - perguntei, antes de girar a maçaneta.

- Por ter sido minha amiga. E por ter me ajudado, quando... minha mãe não ajudou.

Parei. Mãe?

×××

Meu vestido, vermelho brilhante, cintilava pela escuridão das passarelas. O brilho em meu rosto, igual ao de uma boneca, também parecia realçar a multidão de jovens cinzentos. A única coisa que me manteve calma foi avistar Ônix. Ele está bem, graças a Deus... pensei. Porém, a sensação de calma passou, assim que vi Rubi.

Ela estava tremendo, suas bochechas estavam vermelhas, e chegava a estar enrolada em um cobertor. Devia estar ardendo em febre, pela maneira que suas pernas fraquejavam. Meu queixo caiu, logo que percebi que obrigariam-na a trabalhar. Cerrei os punhos, brava, e começei a atravessar entre os outros. Empurrei quem quer que fosse, até estar ao lado dos dois irmãos.

- Rubi? O que aconteceu? - sussurrei, percebendo que nos aproximávamos cada vez mais do salão dos Frequentadores.

Ela me encarou, trêmula, e precisou se apoiar em Ônix. Ele ainda parecia furioso, mas não com ela. Seu exterior frio, escondia a tristeza gigantesca em seu interior.

- Calma. Respire fundo. - ele murmurou, preocupado. Apertou a mão de Rubi, até que ela mesma se afastasse.

- E-eu estou com um pouco de febre. Deve ser por causa da mistura entre o remédio da Sociedade e o que tomo para o coração. Mas... eu preciso ver meu comprador. São regras.

Calei-me, assentindo. Antes que as cortinas escuras nos alcançassem, segurei a mão de Rubi, dando-lhe forças. E segurei a mão de Ônix também, pois ele precisava do dobro da coragem. Sua irmã podia parecer fraca, mas, eu sabia, era mais forte do que qualquer um de nós.

Entramos no salão e fui obrigada a me afastar.

×××

Mal havíamos nos enfileirado, quando uma voz distante chamou. E percebi que drigia-se a mim.

- Posso perguntar seu nome? - cantarolou, fazendo-me encará-lo.

Engasguei ao avistar os cachos vermelhos e os olhos dourados. A voz fina e a cara de anjinho, que escondiam uma tremenda falta de educação. Luigi Mangini sorriu, acenando para que me aproximasse.

- Boa noite, perfeição. - exclamou, antes que eu tivesse chance de responder. Levantou-se e garantiu que me sentasse em sua frente, provavelmente com medo de que eu fugisse.

- Boa noite. - respondi, tendo certeza de que aquela era a pior noite possível.

Ele, do nada, riu. Curvou-se sobre a mesa, finalmente pronto para começar nossa conversa.

- Sabe, eu já tinha ouvido falar de você. É filha de Graziela Modd Fragnello, algo que sua supervisora fez questão de espalhar. - tal supervisora devia ser Datha - quando cheguei aqui, repito, me surpreendi com sua beleza. E com sua... careta de raiva. A cerimônia da Sociedade se aproxima, e garanto que sua cara ficará parecida.

E ele riu. Simplesmente riu, fazendo algo se contorcer dentro de mim.

Então, lembrei das palavras de Bianca. A Sociedade passaria por uma cerimônia. Mas... minha amiga não explicara o que significava.

- Bem... continuando... - Luigi recapitulou, finalmente retornando de um de seus devaneios - essa comemoração é para os principais Frequentadores do mundo. Os Fundadores.

O medo foi imediato. Se os Frequentadores comuns já pareciam monstros, então os principais Frequentadores do mundo deviam ser reais demônios.

- Eu não deveria estar te dando esse spoiler, mas preciso contar com a sua companhia... - aproximou-se subitamente, quase tocando meu nariz com o seu - eu sou um Fundador. E quero você como minha bambola.



Oi gente!!! Eu sei que prometi não fazer mais notas no final dos capítulos, mas esta é necessária:

Se alguém que faz trailers quiser me apoiar, estou precisando de ajuda no trailer do segundo livro de Porcelana. Sim, falta muito pouco agora. :)

Bjsss, bom mistério!!!

Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora