P a r t e I | O Náufrago

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Estava naquele barco a cinco noites. Comida escassa e a água em suas ultimas gotas. O Sol alto indicava meio dia.

Eu iria morrer, tinha certeza. A fuga foi em vão. Deixei de morrer por uma espada atravessada no peito para apodrecer seco sob o Sol de verão no meio do nada.

Foi meu último pensamento antes de me entregar a exaustão.










Verde.

Tudo ao meu redor era um borrão verde até se focarem pequenas folhas.

Uma floresta. Com um riacho!

Era tudo o que pedi aos deuses. Água e comida. Mas quanto mais eu andava mais distante a água ficava. Começou a chover e tudo balançava, como em um barco. Ventos assopram violentamente. Continuo com sede e fome, mas agora, com medo e assustado.

Acordo atordoado com o pequeno barco de madeira balançando e a água da chuva açoitando o meu rosto. Fui jogado contra a borda quase caindo na água violenta e foi então que eu vi. Foi rápido. Tão rápido que duvidei de meus próprios olhos. Não poderia confiar em mim mesmo, afinal, sem ter comida e água por dias desestabiliza qualquer um. Poderia ser uma alucinação.

Tonto, volto a deitar no fundo do barco, deixando a água que caída do céu quase me afogar e tentar esquecer a minha visão. Era uma mulher. Eu tinha quase certeza. Vi apenas seu rosto embaçado pela profundidade água e por meus olhos fracos, mas ela brilhava a luz da lua e seus olhos... ah, seus olhos... isso jamais esquecerei. Eram grandes e muito azuis, como se toda a calmaria do mar tivesse sido roubada e depositada naquelas esferas...





Acordei no susto quando a lateral do barco foi puxada de maneira brusca, e por um milagre consegui ter forças para ir para a outra extremidade. Ali, na minha frente, estava a mulher de ontem. Não foi alucinação afinal. Mas à luz do dia ela era bem diferente. A pele tinha algumas pequenas saliências, mas de maneira uniforme e espalhada por todo o corpo a minha vista, a pele era um tanto esverdeada, e os olhos com os quais sonhei durante dias eram ainda maiores do que eu me lembrava. Do azul mais vibrante que vi em toda a minha vida. E o nariz era tão pequeno quanto o de um bebê

Ela inclinou e pescoço para o lado e vi cortes abaixo da mandíbula, pareciam guelras de peixe. Eles estavam se fecharam rápido deixando apenas umas linhas como prova de estavam ali e em seguida as narinas inflaram como se estivesse respirando pela primeira vez depois de ter prendido a respiração por muito tempo.

De repente ela se inclina, pondo força contra a madeira e o resto de seu corpo fica a mostra. O tronco liso e abaixo das ancas começava o que parecia ser um enorme rabo de baixe. Com escamas e tudo o mais! Seu rosto fica perto do meu. Percebo que seus olhos são diferentes. Parecem feitos do vidro mais grosso.

- O que você é? – Pergunto com a voz muito rouca.

Ela se afasta e solta o barco, mergulhando novamente na água. O banco sacode mais uma vez e nada.

Ela sumiu.

Como se nunca estivesse estado ali.

E talvez não estivesse. Talvez a escassez de água e comida e tempo demasiado no Sol estejam surtindo efeito e os delírios finalmente começaram.

Um homem à deriva no meio do nada, com fome e sede, apenas esperando a morte chegar alucinando com sereias.




Meu estomago doía. Minha pele descascava. Tenho bolhas de queimadura no braço.

Lembro da ultima vez em que estive assim. Eu tinha dez anos. Minha mãe tinha uma panela de água fervendo no fogo, esperando meus irmãos voltarem com alguma coisa para fazer a sopa. Mas meu pai chegou antes. Estava bêbado, irritado e com fome. Todos estávamos com fome. Quando viu que só tinha água, pegou a panela e jogou no chão, perto da minha mãe. O líquido fervente molhou suas pernas. Ainda consigo ouvir seus berros de dor e agonia.

Havia pegado um pouco no meu braço, doeu, eu gritei. Mas eu gritei por ela. Que estava sentido a mesma dor que a minha mil vezes mais. Não tínhamos dinheiro para pagar um médico. Ela faleceu alguns dias depois e isso desestabilizou nossa pobre família. Meu pai sumiu. Meus irmãos mais velhos também. O bebê morreu de descuido e eu resolvi partir também. Fiz de tudo que não presta em três anos, conseguia me sustentar porque não precisava dividir com ninguém. Entrei no navio de mercenários com treze anos e nunca mais saí.

Fui capitão. Fui preso, baleado, ameaçado, açoitado, mas nunca mais passei fome. Até agora.

Quando acordei da nuvem de lembranças, havia um amontoado verde no canto do barco. Era oleoso e fedia. Com muito esforço cheguei perto e pareciam algas. Não sei como isso foi parar ali e nem sei porque fiz o que fiz, mas eu comigo aquele negocio asqueroso e o gosto era ainda pior do que o cheiro. Me fez vomitar tudo o que não havia no meu estomago.

Mas no meio daquela enxurrada verde repulsiva havia peixe. Cinco peixes.

Quando terminei de comer já era noite, mas a Lua iluminava tudo. Ou nada, que era ande eu estava.

Estava encostado na borda olhando o reflexo da lua com a barriga cheia depois de mundo tempo quando o barco deu um solavanco de repente. A lua tremulava e fui jogado para o outro lado do barco. Me virei para ver o que tinha acontecido e a vi.

Ela voltou.

Estava sentada na proa puxando a calda para dentro do barco. Ela era linda a luz da lua. Excentricamente maravilhosa. Seus olhos me fitaram. Vidros grossos e frios. Ela viu as algas e foi até elas, não tive coragem de jogar fora e algumas estavam secas por causa da exposição ao Sol, ela pegou as mais molhadas, chegou bem perto de mim e as enrolou no meu braço.

Alivio, foi o que senti. Ela pegou mais e quando vi estava quase todo coberto pela aquela coisa fedida, mas se sentia estranhamente bem. Foi quando minha barriga começou a roncar de novo e ela a encarou. A criatura não tinha expressão alguma no rosto.

- É fome – eu disse. Ela só fazia me encarar. Não sei quanto tempo ficamos assim até ela tentar enfiar as algas, secas dessa vez, na minha boca. Era crocante, ruim, mas dava pra engolir.

A sereia ficou boa parte da noite trocando os a planta verde do meu corpo e só foi embora quando eu comi todas as secas. Ela não disse uma palavra e foi embora antes que o Sol aparecesse.

Eu vi uma sereia. E dessa vez eu tenho certeza de que não estou alucinando.

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⏰ Last updated: Jul 21, 2017 ⏰

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MaleahWhere stories live. Discover now