Capítulo 4

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Hian deu um passo para trás e curvou-se para o lado para se esquivar da lâmina afiada da espada. Passou a mão pela testa e limpou um pouco do suor que escorria.
- É escorregadio como um sapo, irmão.
Galer sacudiu a espada no ar e encarou Hian Parado poucos metros a sua frente. Com as botas enfiadas na terra, ele observava as colunas de pedra  atrás do irmão que delimitavam o fim do pátio de treinamento. Segurou o punho da espada no alto, apontando a lâmina para Hian e atacou outra vez.
Curvando o corpo um pouco para trás e dando um pulo para o lado, Hian se esquivou do golpe com destreza, para em seguida revidar. Girou a espada em sua mão direita e deferiu golpes que cortaramo ar indo na direção de Galer.
Esse se esquivou como pode. Era menor do que Hian e mais pesado, por consequência se movia com mais lentidão e não conseguia se esquivar tão bem, muito menos prever o próximo movimento do irmão.
Hian se deixou levar pela dança da batalha, girando o corpo em movimentos precisos, fazendo o irmão recuar a cada passo.
Ali se esqueceu do que o atormentara durante os dois últimos dias. Estava furioso com a forma como Rosslyn o tratara. Como ela se achava no direito de julgá-lo daquela forma? Cuidou dela por dias e não se aproveitou dá mulher inconsciente em sua cama, nem mesmo a tocou onde não deveria...
Um soco na boca do estômago o fez gritar com a dor que varreu todo o seu corpo e o deixou sem ar. Cuspiu um pouco de sangue no chão ao levar a mão a zona atingida na esperança de amenizar a dor.
Ergueu a cabeça e encontrou o irmão rindo. O sol que se punho atrás de Galer o forçou a desviar o olhar.
- Distraído, irmão?
- Só estava pensando. – Hian cuspiu as palavras com mais um bocado de sangue.
- Esse não é o momento para deixar que a camponesa lhe distraía. Apensar que ela sem roupa deve ser uma visão um tanto interessante.
- Nunca a vi nua. – Hian cerrou os dentes ao compreender o conteúdo das palavras do irmão.
- Não precisa esconder às coisas de mim. Ambos já somos velhos o bastante para isso. – Galer passou a mão direita pelo cabelo negro e curto, penteando-os com os dedos.
- Não estou escondendo nada. – Hian ergueu a espada e com a mão firme a girou no ar outra vez na direção do irmão.
Galer se protegeu atrás de uma pilastra, fazendo com que os golpes de Hian atingissem a pedra escura. Ainda rindo, encarou os olhos verdes e furiosos do irmão.
- Não precisa ficar bravo. Você é um príncipe, tem todo o direito de se divertir com quantas mulheres quiser. Faz ideia de quantas amantes nosso pai deve ter, sem contar as prostitutas e criadas com quem dorme.
Hian cerrou ainda mais os dentes e jogou a espada no chão.  O som do metal se chocando contra o degrau de pedra fez os ouvidos de Galer arderem. Hian não conteve toda a onda de raiva ao segurar o irmão pela gola da camisa e empurrá-lo contra a pilastra.
- E eu e Rosslyn não temos nada. NADA! Nunca a toquei. Não há motivos para você, nosso pai ou qualquer outro dizes bobagens que possam sujar a reputação da moça.
Galer ergueu as mãos em sinal de rendição até que o irmão o soltasse. Teve medo de olhar furioso que o fulminava, mas logo o devolveu uma expressão de deboche.
- Ela é uma mera camponesa, meu irmão. Não deveria se preocupar com reputação dela.
- Cale a boca, Galer. Não passa de um metido arrogante.
- Eu sou o futuro rei. Tenho esse direito.
- Um rei não é nada sem o povo que governa. Nunca se esqueça disso.
Hian deu as costas e deixou o irmão sozinho. Por mais que suas palavras duras ainda ecoassem no ar, Galer não as ouviu, tinha uma certeza tola de que não precisava delas.
Ele ajeitou o colarinho da camisa que havia sido amassado e tirado do lugar pelo irmão e começou a assobiar ao se curvar para pegar a espada caída ao chão. Que seja! Treinaria um pouco sozinho.

Hian ouviu o som da pedra batendo contra a superfície do lago repetidas vezes até afundar, antes de se curvar e jogar outra pedra.
Sentia calor pelo sol quente que batia em suas costas. A camisa branca de seda estava pregada ao corpo por causa do calor. Por sorte não vestia casacos adornados ou outras roupas ainda mais quentes.
Mas todo o incômodo não o fez arredar o pé das margens do lago aos fundos do castelo. Sentado junto a margem, com as calças enfiadas no chão de terra. Ele olhava para o horizonte e para lugar nenhum. Por mais que encarasse o lago com superfície cinzenta, ou mesmo as árvores coníferas que o circundavam, ele não via nada.
Com os braços cruzados, ele batia os dedos dá mão direita contra o joelho, inquieto. Estava furioso com o pai é o irmão. Sem contar a raiva por Rosslyn tê-lo tratado daquela forma. Ele NÃO QUERIA SE APROVEITAR DELA, ou mesmo manchar a honra de uma dama solteira.
Entretanto, no fundo o que mais o intrigava era a necessidade que sentia de estar perto dela. Não sabia se era o sentimento de cuidado que desenvolvera ao ficar dias tratando dos ferimentos ou algo mais...
Pegou uma pedra do monte ao seu lado  e a jogou no lago ao praguejar.
Já não era mais um garoto, nas próximas semanas faria vinte e três anos. Contudo, não se divertia com donzelas e prostitutas como seu irmão e muitos dos outros homens nobres. Havia assumido um compromisso com Deus e a igreja, um ao qual honraria: permaneceria puro até o casamento. Não que não sentisse desejos, era um homem como qualquer outro, ficava excitado, tinha sonhos cobertos de luxúria, mas evitava qualquer situação que pudesse despertar qualquer pensamento insensato. Ouvira Galer dizer intermináveis vezes o quanto aquilo era ridículo, mas Hian permanecera fiel ao seu propósito.
Ao longo de sua vida, vira muitas mulheres bonitas, outras tantas se atiraram aos seus pés. Mas nenhuma delas teve a audácia de roubar seus pensamentos com a misteriosa camponesa que vivia no meio do nada. Toda vez que se pegava divagando seus pensamentos tomavam um rumo até ela. Ainda podia sentir seus dedos sobre a pele macia todas as vezes que a ajeitou na cama para que pudesse alimentá-la. A pele dela era levemente queimada de sol como a de qualquer camponesa, mas tinha a maciez de uma pétala de rosa como as das damas nascidas em famílias abastadas. A imagem dos lábios delicados e dos grandes olhos dourados não saia de sua mente...
Balançou a cabeça. Precisava evitar aqueles pensamentos a todo custo, ou acabaria indo até ela outra vez. Não sabia do que tinha mais medo: ser enxotado outra vez ou, pior, que ela de alguma forma também compartilhasse desse estranho sentimento.
- Hian!
O príncipe ergueu a cabeça, girando-se na direção da voz e viu uma garota de uns dez anos correr em sua direção.
- Oi, Karla. – Ele sorriu e abriu os braços para ela.
A princesa parou poucos centímetros antes dele e revirou o rosto em uma careta.
- Eça! Está todo suado, precisa de um banho.
- Eu estava treinando com Galer. – Hian coçou a cabeça.
- Mamãe pediu para avisar que hoje a noite terá missa e ela o aguarda.
- Vá na frente. Peça aos criados que preparem um banho para mim.
Karla balançou a cabeça em afirmativa, mexendo os cachos de seus cabelos negros. Em seguida, virou as costas e saiu a passos rápidos.
Assim que ela sumiu de vista, Hian se deitou no chão e suspirou. Com os braços apoiados atrás da cabeça ele observava o céu azul com poucas nuvens.

Que Deus tenha piedade dá minha alma, Hian pensou ao acender uma vela e colocá-la no altar abaixo dá imagem da virgem Maria que ficava em uma das laterais da hora de igreja feita para os nobres e que ficava dentro dos limites da cidade murada.
Ajoelhou-se no oratório, apoiando seus joelhos sobre um degrau forrado com veludo. Observou a chama amarelada da vela diante de seus olhos verdes e respirou fundo antes de fechar os olhos.
Aos poucos o falatório que encheu a igreja após o término das missa, foi saindo junto com os fiéis. Algumas damas filhas de membros da alta nobreza olharam para o príncipe, acenaram e lhe deram sorrisos, porém, de olhos fechados, ele não percebeu nenhuma delas. Logo todos saíram, inclusive a rainha Alexandra e a princesa Karla, deixando que Hian ouvisse apenas o som dos próprios pensamentos.
Ele fez o sinal da cruz junto ao peito e se colocou a rezar. Talvez Deus lhe desse uma explicação para o que tanto o perturbava. Queria entender a inquietação em seu peito.
De olhos fechados, mal sentiu os minutos se passaram. Seus joelhos começaram a doer, porém não se importou, esperava por uma reposta que ainda não tinha vindo.
Quando sentiu uma mão tocar seu ombro ele ergueu o rosto e se virou, encontrando os olhos castanhos do padre. Atrás dele estavam belas pinturas da via sacra enfeitando a larga parede. A vagina do homem balançava um pouco com o vento frio que entrava pela porta lateral deixada entreaberta.
- Alteza, já está tarde, eu preciso fechar a igreja.
- Está bem. – Hian se levantou e massageou os joelhos que ardiam.
O príncipe deixou a igreja sem protestos, porém ainda não teve a resposta que precisava e estava aterrorizado por não estar conseguindo lidar com o estranho sentimento, mesmo que pudesse não passar de mais uma mera tentação.
A passos lentos caminhou até o castelo, observando de longe as várias janelas com o topo arredondado e moldura dourada. Aquele era apenas mais um dos luxos desnecessários que haviam naquele castelo. Pensou em como viveu toda a vida é na cabana em que Rosslyn morava. Como podia uns serem tão ricos, enquanto outros levavam vidas tão humildes.
O caminho estava na penumbra, muitas das tochas foram apagadas pelo vento do verão e ninguém se deu ao trabalho de reacendê-las. Entretanto o escuro era uma das coisas que menos incomodava Hian. Com os braços cruzados junto ao corpo quente pelas camadas de tecido da roupa sofisticada, não conseguia se livrar do frio que sentia na alma. Talvez pudesse fazer mais por Rosslyn, quem sabe dar a ela e a mãe um local para viverem dentro dos limites da cidade murada é um trabalho na corte. Não... Pelo pela personalidade da dama, ela não ficaria feliz e sim ofendida.
Céus! Não conseguia parar de pensar ou vascular a mente atrás de alguma forma de se aproximar dela sem que todos o vissem como um canalha e sobretudo que Rosslyn visse que suas intenções eram boas. Para Hian bastava que eles fossem amigos.

A misteriosa Lady Rosslyn (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora