Capítulo 3

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No dia seguinte, eu ainda estava sozinho no alojamento. Os rapazes chegavam mais tarde, pois passavam a noite perdidos pelo caminho. Era um costume que nosso patrão entendia. Em nenhum lugar, nem mesmo nas terras baixas, havia patrão melhor que o Seu Epaminondas. Ele media a honestidade do trabalhador, e não seus horários. Premiava os mais assíduos, mas nunca fazia demissões, tanto que nós, vaqueiros e pastores, éramos os menos miseráveis entre os trabalhadores da Montanha. Eu, sendo capataz, poderia ter me casado com uma viúva nova e de posses, se tivesse aceitado, algo impossível à maioria dos homens do lugar. Mas eu não tinha aceitado.

Depois de alimentar os animais, eu saí pelos arredores para ver se não tinha algum bicho perdido e para verificar meu pequeno esconderijo. Era menos engenhoso que o do Tito, mas era muito importante para mim. Se tratava de um buraco no chão, num local pedregoso e cheio de animais peçonhentos, onde eu vinha guardando a maior parte do dinheiro que eu ganhava.

Eu não gostava daquele lugar. Era muita pedra, muito frio, muito alto. Pouca civilização, poucos recursos. Eu queria poder comprar um rancho, de preferência na região de onde eu tinha vindo, ainda que isso fosse um sonho distante. Eu tinha muito trabalho pela frente. Por mais generoso que fosse Seu Epaminondas, meu salário de capataz demoraria a me dar uma vida melhor, e eu mantinha meus pés bem fincados no chão firme. Caçar pedras nos arredores das minas, como faziam alguns aventureiros, ou nas Terras Proibidas, pertencentes aos nativos, era algo que eu não estava disposto a fazer.

Durante vários dias, não ouvi aqueles passos sorrateiros nem avistei aquela capa escura, nem no beco, nem na única rua da vila. Fiquei tranquilo achando que o Tito tinha criado algum juízo e sossegado em sua padaria, embora a saudade tivesse me visitado naquelas noites solitárias, mudei de ideia antes do fim da semana. Meu pessoal e eu estávamos trabalhando quando ouvi o Nilo rindo e cochichando com outro peão.

— Qual é a graça aí, Nilo? — Chamei sua atenção. O Nilo não era de brincadeiras, mas naquele dia ele estava assim.

— Nada não, capataz! Só comentei do cabritinho bonito que passou ali em cima, com uma cesta na mão.

Respirei fundo. Eu bem sabia de quem ele estava falando. Procurei e vi perto de uma pequena árvore retorcida, o Tito sorrindo e segurando sua cesta de pão. Dessa vez ele estava usando roupas marrons e cobria a cabeça e os ombros com a capa preta. Parecia um anjo caído.

— Vá, que o tempo tá esfriando e tem muito para fazer. Se adiante! — disse ao Nilo. Nilo era pouco mais velho do que eu e o segundo mais responsável do alojamento. Seu Epaminondas tinha muita confiança nele.

Todos aceleraram o ritmo de suas foices e o monte de feno foi crescendo. O inverno estava chegando e não podíamos perder tempo. Algum tempo depois, desci por uma trilha de pedras, desviei do caminho e subi por outra trilha, escondido. Assim dei um jeito de subir até onde o Tito estava.

— O que você faz aqui? — perguntei chegando atrás dele para não ser visto lá de baixo. — Não diga que veio pegar amêndoas.

— Só vim ver o moço trabalhando — ele disse com um sorriso dengoso, segurando a cesta com as duas mãos.

— Não devia ter feito isso. Alguém pode querer te fazer mal, não sabe? — Puxei-o para fora da visão dos trabalhadores.

— O moço quer pão?

— Aaah, pão de novo?

— Achei que o moço tivesse gostado... — Tito arregalou seus olhos esverdeados como se não acreditasse que alguém pudesse desagradar de um pão.

— Claro que gosto, mas os peão... — Olhei para os lados, preocupado. — Me dá isso aí e trate de voltar para casa! Você se arrisca demais.

O Tesouro do Capataz (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora