30 | Photograph.

6.1K 760 95
                                    

A tarde foi chata. Eu tive de falar com muitas pessoas que perguntaram sobre o meu término com a Natalie que parece ter se espalhado para os sete mil seguidores dela no twitter e instagram e os cinco mil amigos dela no facebook (ela ficou um pouco famosa depois de postar vídeos dançando no YouTube e nessas outras redes sociais. Ela é uma dançarina incrível.) quando ela postou frases sobre fim de relacionamento, apagou todas as nossas fotos juntas e tirou o "relacionamento sério" do facebook. Além de agora há pouco, ter me bloqueado em tudo, além de ter mudado o número de celular. Só estou esperando ela começar a namorar outro cara e eles serem coroados O Rei e A Rainha dessa merda.
Amanhã é dia dos namorados. Eu tive de cancelar a nossa reserva e eu até tentei devolver o presente que eu comprei (Um vestido de uma loja aí, que foi a Tori quem comprou, porque eu não entendo bem de roupas. Não as que a Natalie usa, porque até as cores têm nomes complexos e difíceis demais). A loja não aceitou, então eu pedi para a Tori, sei lá, queimar. Não cabe nem nela e nem na Nina; fica apertado e ficaria largo em Anna e daria uma bela blusa em Margot, que é alta. Talvez eu devesse dar o vestido à Natalie, de qualquer forma. Não tenho amigas além dessas e se eu desse para qualquer garota nessa escola, seria estranho.
Eu comecei a receber algumas cartas de dia dos namorados, assim como nos anos anteriores. Eu acho legal; são cheias de poesia e as vezes são engraçadas. Eu mandei para a Natalie ano passado. Ela chorou, com o que eu escrevi. Eu devia parar de pensar na Natalie.
Agora, estou pegando meu carro e indo para casa. Recebo algumas mensagens de Chris enquanto dirijo e lembro de Nina; não a vi hoje além do café da manhã. Ela não parecia bem, mas fugiu de casa bem antes de eu poder perguntar o que estava havendo.
Pego meu celular para olhar as mensagens assim que chego em casa. Chris me pedindo desculpas pelo o que a Natalie fez e que ele não ficou com ela quando ela a foi procurar de novo. Acima de tudo, ele é um bom amigo, mesmo que meio idiota.


Chris:
E eu vou levar a Nina amanhã. Eu gostei dela de verdade.
[15:52, mon.]

Envio um "ok" de volta e suspiro. Não sei o que vou fazer e nem o que Nina fará.
Adentro à casa e pego as cartas jogadas no chão. A maioria são contas, mas há uma que não é. É uma carta de uma escola de ballet da cidade. Como sei que Nina já chegou, subo as escadas correndo e grito "oi" para Margot, que está sentada no sofá tricotando alguma coisa roxa.
A porta do quarto de Nina está estranhamente aberta. Ela está deitada de barriga para cima na cama, com aa pernas para o alto, apoiadas na parede. Ela não está lendo e nem ouvindo música, só está olhando para o teto. Seu semblante está triste e as suas bochechas estão molhadas. Ela estava chorando? Por que estava chorando?


"Ei, você está bem?" Eu me sento na ponta da cama e afago seu braço.


Ela vira o rosto para mim e me olha bem em meus olhos, com intensidade. Ela não tem nenhuma expressão de dor ou coisa parecida, só permanece inerte, olhando para mim. Eu estou preocupado. Acaricio seu rosto, tirando seu cabelo castanho do seu rosto que parece mais pálido que nunca. Isso não devia me incomodar como incomoda.


"Fala comigo." Eu sussurro. "O que você tem?"


Lágrimas ainda rolam e seu rosto ainda não tem expressão. Nina aparenta estudar os detalhes do meu rosto gradativamente, quando sua mão se ergue e cobre a minha.
Meu coração se desfaz a cada lágrima sua que cai, então eu olho ao redor do quarto para ver se acho algo que a tenha feito estar assim, e eu acho. Eu acho um porta-retrato que devia estar escondido aqui, espatifado no chão de madeira, com uma foto dela ao lado de Tori e de quem presumo ser seu pai. Eles não se parecem em nada. O homem é pardo e tem um sorriso branco e gentil. Ele segura Nina em seu colo, que, ali, devia ter uns sete anos e Tori parecia incondicionalmente feliz. Agora entendo por que Nina está chorando e é ainda pior.
Eu guardo a foto embaixo da sua máquina de escrever e junto os cacos de vidro com meu pé, para o canto do quarto, para varrer depois. Pego o cobertor largado no chão perto da janela e cubro seu corpo que treme um pouco.
Caminho até seu closet pequeno e procuro por um casaco quente, mas tudo o que eu acho, são casacos se malha fina. Por isso, vou ao meu quarto rapidamente e pego um meu.
Ajudo Nina a se sentar calmamente e ela não diz nada e nem reage de qualquer forma. Os dedos da sua mão direita sofrem com alguns espasmos momentâneos enquanto eu visto meu casaco cinza nela. Procuro meias e acho algumas que são cinza com bolinhas coloridas em seu closet. Pego seu all star velho e calço-os em cada pé, puxando o cadarço e dando seus devidos nós e laços.


"Eu posso te tirar daqui?" Eu pergunto.


Ela está sentada ao meu lado, ainda chorando e olhando para fora do quarto pela porta ainda aberta. Ela volta a olhar para mim. Nossos corpos estão perto, já que ela está bem ao meu lado e sua perna encosta na minha; meu braço está sobre o seu ombro, segurando-a para que ela não volte a se deitar involuntariamente. Nina assente passivamente e eu beijo a sua testa antes de me levantar e pensar em como a vou levar daqui. Mas ela se levanta e para bem na minha frente.


"Vai ficar tudo bem, ok? Eu prometo, Nina." Eu enxugo seu rosto com as mangas do meu casaco e ela respira bem fundo.


Ela caminha lentamente pelo corredor, ao meu lado. Vê-la dessa forma, tão fora dela mesma, é doloroso. Decido não entregar a carta agora; talvez mais tarde.
Descemos as escadas sem pressa, no tempo dela. Margot me olha como quem pergunta: "Aonde vão?", e eu só gesticulo para ela, para deixar para lá e sigo Nina até a saída de casa.


"Você nunca entrou? Sabe, na floresta?" Ela nega com a cabeça, ainda com o olhar e a cabeça distantes. "Vamos entrar hoje." Eu afirmo e paro à sua frente para fechar o casaco em seu corpo, que fica bem grande e adorável. Pego o prendedor que vejo em seu pulso e prendo o seu cabelo em um rabo de cavalo bem alto. Mesmo que seja desengonçado e péssimo da minha parte, ela ainda fica bonita. Não tenho dúvidas de que ela ficaria linda de qualquer forma.

O dia está fechado e só caminhamos por entre as árvores bonitas e altas da floresta; estas são diversas, na verdade, mas em sua maioria, são altas. Nina ainda não parou de chorar e ainda não demonstrou qualquer expressão facial além da de quem está sentindo tanto e tanto, que não consegue sentir nada.
Passo meu braço pelo seu ombro e beijo a sua têmpora enquanto andamos.
Quando chegamos à um ponto onde notamos uma cascata muito bonita, cercada por alguns penhascos não muito altos, sentamos em uma grande pedra à beira do lago. Daqui, dá para ver a nossa casa, e mesmo que não desse, para voltar, seria só seguir à beira do lago até o seu fim, que daria lá.


"É bonito, não é?" Eu pergunto, olhando para ela, esperando algo. Algum sinal; o menor que seja.


"Lindo." Ela finalmente responde eu sorrio. Ela comprime os lábios. Suas lágrimas secaram. Nina encolhe as pernas sobre a pedra e as agarra.


"Eu sinto falta da minha mãe." Confesso.


Não é um assunto do qual eu falo muito. Não gosto de falar e lembrar da morte da minha mãe, porque eu sinto tanta, mas tanta falta dela. O mundo perdeu uma mulher magnífica, que seria a pessoa que tentaria mudar as coisas pouco a pouco, como sempre fez e continuaria fazendo. Mas Nina precisa saber que está confortável comigo e que eu confio nela; confio mais que confio em qualquer pessoa. Não porque tenho certeza absoluta de que ela não vai contar a ninguém, mas porque mesmo que pudesse dizer ao mundo, ela não diria. E disso eu tenho certeza.


"Ela era uma mulher forte, gentil e amável." Eu digo, olhando para a água da cascata bater contra as pedras desgastadas. "Ela me ensinou tudo o que eu sei hoje; ela me fez ser uma pessoa boa, porque eu sempre quis ser como ela. Era uma artista; desenhava e pintava. E ela também tinha uma loja de bolos deliciosos." Eu sorrio, segurando as lágrimas em meus olhos. "Eu tive muita sorte ter tido a mãe que eu tive."


"Eu... eu sinto... falta." Ela diz com uma longa pausa entre as falas.


"Eu também sinto falta dela, mas eu sei que aconteceu porque tinha que acontecer. Porque talvez tenha algo que eu não saiba sobre a morte; algo bom." Eu dou os ombros.


"Na-na morte?" Nina diz, com um tom de gozo.


"As flores." Eu digo depois de alguns minutos. Ela olha para mim, sem entender. "As flores que arrancamos são a prova morta de que existe beleza na morte. As damos aos mortos igualar ambas as belezas que já se foram, àquelas que se acabaram de ir." Eu afirmo. "Existindo, ou não, algo depois disso, eu me contento com o que vivi com a minha mãe. Outras pessoas nunca chegaram a saber da existência dela, mas eu tive a honra de ser filho dela. Só eu tive esse honra. Fui beijado pela sorte." Eu sorrio e limpo uma lágrima relutante e descia pela minha bochecha.


"Como... consegue?" Ela olha para mim e eu sinto toda a sua dor quando ela diz. Eu senti-a antes, mas agora, não sei por quê, mas eu senti em mim.


"Eu só tento entender, que ela se foi, mas eu ainda estou aqui. Ela dizia que eu tinha que viver a vida da melhor forma, ajudar as pessoas, cuidar delas. O mundo tinha tanta gente ruim, e ela só queria que eu fosse alguém bom. Ela não se importava se eu fosse ser um morador de rua ou o presidente do país, contanto que eu fizesse isso sendo alguém bom e honesto." Eu balanço a cabeça. "Eu não sei se ela gostaria de me ver triste o tempo todo pela sua morte. Talvez ela fosse dizer coisas boas e beijar o topo da minha cabeça, mas não iria querer me ver chorando." Sorrio. "E seu pai? Ele iria?"


Nina não diz nada, só pensa um pouco e se mexe desconfortavelmente sobre a pedra. Ela deita a cabeça em meu ombro e eu afago seu braço, ainda com a mão sobre o seu ombro. Ela prossegue quieta, sem dizer nada. Olhando para a forma como alguns poucos peixes brancos bem pequenos nadavam em cardume à beira do lago, bem perto de nós.


"Eu não quero ter que te ver assim de novo." Eu sussurro. "Você não tem que deixar a dor ser mais forte que você."


"Não. Consigo." Sua voz é quase inaudível, mas eu tenho um bom ouvido.


"Consegue, Nina. Eu não posso te tirar disso e fazer com que você se cure, só posso te mostrar todas as coisas que você está perdendo, passando a sua vida deitada na cama, trancada em seu quarto. Só você pode se tirar disso e eu acredito que tudo vá melhorar em seu tempo, mas só se você quiser." Eu digo, olhando em seus olhos. "Não sou eu, ou sua mãe, ou Margot, ou meu pai, ou Anna, ou Emma quem pode sair dessa; é só você. E você tem toda a força do mundo para fazer isso."


"Quero." Ela diz, referindo-se a querer sair disso. E eu acredito nisso.


Ela assente e seu rosto se converte e uma expressão de mais pura angustia e suas lágrimas começam a rolar. Ela parece estar sentido uma dor, que consegue transparecer e eu acredito que isso seja um começo. A abraço forte, deixando-a chorar em meu peito enquanto acaricio seu cabelo e repito que tudo vai ficar bem. Não uma, não duas ou três vezes. Repito até ter certeza de que ela me ouviu e acredita em mim. E ficamos assim a tarde toda. E essa foi uma das melhores tardes da minha vida.







Postei esse capítulo, porque eu achei fofo e achei uma interação amável deles dois. Espero que gostem 💛

O Silêncio Entre Nós Onde histórias criam vida. Descubra agora