Uma noite, antes de ir para cama, Brianna recebeu a desagradável visita de Samer em seu quarto. Brianna estremeceu.
— Você vai pagar pelo que fez, sua putinha. Meu pau não levanta mais por sua causa. A Coleen vai viajar pro povoado vizinho e eu vou ficar sozinho com você por uma semana. Adivinha só o que vou fazer com você... — o brilho maldoso no olhar de Samer deixou Brianna aterrorizada.
Naquela mesma noite, Brianna não conseguiu dormir. Ficou rezando várias vezes para que sua mãe a protegesse.
Ouviu o mesmo barulho estranho de móveis se movendo, como se algo estivesse passando por eles. Imaginou que fossem ratos, já que não havia como um gato entrar ali. Como estava na escuridão total, não conseguia distinguir a silhueta que subia pelas paredes e andava pelo teto de palha.
— Quem está aqui?
Não houve resposta, mas pôde jurar que ouvira um grunhido baixo vindo de cima. Embrulhou-se toda, numa tentativa tola de se proteger. Na manhã seguinte queixou-se à tia de que havia um bicho em seu quarto. A resposta foi direta:
— Pena ele não ter engolido você. Ia me poupar trabalho.
Coleen realmente odiava a garota, e a razão mais óbvia era o fato de ela ser filha de sua irmã. Odiava Aisling com todas as suas forças por ela ser mais bela e ter tido mais sorte na vida que ela. Coleen não conseguia engravidar e Aisling engravidara de Brianna. Outro motivo para o qual ela autojustificava seu ódio pela criança era o fato de Aisling ter se suicidado. Segundo a igreja, aquele que se suicida vai direto para o inferno, sem direito a julgamento. Brianna seria então filha de uma condenada, uma cria das trevas. Mas na verdade Coleen nunca entendera por que Aisling se decidira se matar. Ela tinha tudo, amava sua filha e mesmo assim a abandonou acabando com a própria vida, se enforcando em casa.
Coleen precisava ir ao povoado vizinho para visitar sua avó doente. Tinha que demonstrar interesse na velha, pois assim que ela morresse, sua imensa casa pertenceria a ela. Deixou Samer e Brianna na casa; sabia que ele procuraria se vingar dela por tê-lo ferido em uma parte tão delicada e, pelo fato de não fazerem sexo há semanas, nem mesmo ligava. Além do mais, sabia que Samer era um filho da puta que tentara aliciar sua sobrinha, mas nada fez nem faria a respeito. Não ligava para Brianna e precisava de Samer por perto. Pelo menos por enquanto; caso ele não se recuperasse, ela procuraria outro.
Assim que Coleen partiu, o terror tomou conta de Brianna. Mesmo que a tia fosse má, não permitiria que ele a molestasse ou a ferisse gravemente. Mas com ela longe, ele estaria livre para abusar de Brianna e se vingar.
Havia um porão na casa que servia de refúgio caso o povoado fosse atacado. Brianna morria de medo daquele lugar, mas era o único ambiente onde poderia se esconder. Camuflado entre as outras tábuas do assoalho da cozinha havia um alçapão sem alça para dificultar a localização. Brianna entrou nele por uma escada, carregando uma vela acesa. Samer estava no pomar e chegaria a qualquer momento. Encostou-se numa parede; a poeira era insuportável e as teias de aranha estavam por toda a parte. O porão devia ter cerca de sete metros quadrados e havia algumas caixas de madeira empilhadas.
Ficou escondida, esperando. Talvez ficasse ali para sempre, pensou. Mas Samer jamais poria as mãos nela.
Súbito, o movimento, de novo. Algo se movendo na escuridão, grande demais para serem ratos. Brianna movimentou a vela e iluminou algo andando pela parede para o lado oposto.
Seu coraçãozinho gelou.
Pôde ver uma calda e duas patas traseiras. Lembravam muito as de um macaco pequeno, se por acaso não houvesse nenhum pêlo, apenas uma pele de cor acinzentada e a calda não fosse repleta de protuberâncias enfileiradas que lembravam pequenos chifres. A coisa andava pela parede com a agilidade de uma aranha. Brianna tentou gritar, teve vontade de correr porão afora, mas ao ouvir os passos sobre ela, deteve-se.
— Vamos, menina! Apareça! Vamos brincar só nós dois agora.
De alguma maneira, Brianna se sentia mais segura com a estranha criaturinha ali dentro do que com o marido de sua tia lá fora. Resolveu ficar calada e esperar. Para isso, teve de tapar a boca para evitar um grito instintivo. Acima dela, os passos continuavam de um lado para o outro, e ela ouvia o barulho de coisas sendo arrastadas; ele provavelmente estava procurando-a atrás dos móveis. Finalmente os passos se afastaram; ele devia ter imaginado que ela fugira.
Só então voltou a se preocupar com a criatura presa ali com ela. Só de lembrar-se da calda e das patas traseiras, teve um arrepio. Esticou o bracinho trêmulo ao máximo, para que a vela iluminasse um pouco adiante. A coisa se movia pela parede no extremo oposto. Levou um tremendo susto quando num salto, a criatura caiu ao alcance da penumbra causada pela luz. Brianna pôde ver a silhueta assustadora da criatura. Tinha o tamanho de um gato e o formato de um pequeno macaco, levando em conta apenas a aparência humanóide encurvada. Suas patas dianteiras tinham garras e seu dorso tinha protuberâncias pontudas e repugnantes. O estranho ser deu alguns passos usando as quatro patas, emitindo um grunhido de fera. Quando ele alcançou a luz bruxuleante da vela, Brianna pôde ver o rosto da criatura.
†
VOCÊ ESTÁ LENDO
Brianna e o Demônio [completo]
FantasyBrianna é a personificação da inocência. Com apenas sete anos de idade, acredita que as pessoas boas quando morrem viram borboletas e vão para o céu, e as ruins viram mariposas e vão para o inferno. Foi sua mãe quem contou a história. Sua mãe que s...