Ouço os gritos e vejo as chamas subindo, consumindo a casa que um dia chamei de lar. Tento avançar, mas meus pés não se movem, tento gritar por ajuda, mas a minha voz não sai. Vejo o sangue banhar o chão do outro quarto e os gritos finalmente cessam e então aquela criatura de olhos vermelhos e caninos pontudos aparece. Me escondo para que ele não me veja e rezo para que a fumaça encubra meu cheiro. Meu coração está disparado como nunca antes e só me resta ficar escondida e assumir todo o peso de minha covardia. Ouço os passos se aproximando e assim que ele abre a porta...
Naquela noite acordei gritando com a cama lavada de suor, como de costume. Sento-me agarrada ao colar que pendia em meu pescoço e se acomodava entre meus seios, tentando respirar e esperando o meu pulso normalizar, lágrimas quentes rolam por meu rosto e eu volto a deitar enterrando a cabeça no travesseiro e rezando para que aquele tormento passasse. Morava em um dos apartamentos do prédio que pertencia a escola, o qual as irmãs tão gentilmente me ofereceram logo depois do assassinato de meus pais. Contar a polícia o que os matou havia me rendido anos de consulta com um psiquiatra e muitos medicamentos que me deixavam aérea, o que ensinou que eu deveria me manter quieta e mentir sobre aquela noite da melhor maneira possível.
Desisti de dormir e pus uma roupa qualquer, descendo para pegar ar fresco e sentando em um banco com as mãos cobrindo o rosto. Fiquei naquela posição até sentir um toque reconfortante e quente em meu ombro e voltar o olhar para cima vendo a pessoa que eu mais amava no planeta naquela época. James era meu melhor amigo. Assim como eu, ele estava sozinho. Havia perdido a memória a alguns anos atrás e desde então não conseguia se lembrar de seu passado. Levantei-me passando os braços em volta da cintura do rapaz de 1,85m, fazendo o corpo musculoso e muito bem definido de barreira contra o mundo. O cheiro dele, uma mistura de terra, madeira e perfume masculino me fazendo esquecer por um instante todos os meus problemas. Senti uma mão calejada e forte, mas extremamente gentil levantar meu rosto para que eu encarasse o rosto de traços aristocráticos e masculos. Os olhos daquela cor incomum de dourado brilhando em minha direção.-Outro pesadelo?
Apenas concordei com a cabeça e voltei a enterrar o rosto em seu peito, deixando que ele me confortasse. Palavras incompreensíveis saem de seus lábios e eu apenas me concentrei na voz grave, porém extremamente doce do meu amigo. Depois de alguns momentos o ouvi xingar sua incapacidade em me ajudar e acabo dando risada com a quebra do clima.
-Por que está rindo?
-Por nada específico, só que as vezes você quebra o clima e não percebe, James.
-Bom, senhorita Sakura, minha pequena flor de cerejeira, você deveria estar agradecida de eu estar aqui.
-E estou...a propósito, como sabia que eu estava aqui?
-Eu...-Lembro-me de ver aquela pequena hesitação tomar seu rosto e ele morder o lábio inferior que era extremamente sensual -Eu ouvi -Ele disse por fim -Ouvi você chorando do meu apartamento e depois reconheci seu perfume aqui no jardim.
James tinha aquelas habilidades especiais desde que eu o conhecera. Mesmo que meu apartamento fosse no prédio oposto ao dele, ele conseguia me ouvir e mesmo que o vento estivesse soprando para o outro lado, ele sentia meu cheiro. Gostava de imaginar -na minha inocência- que aquilo era por algum tipo de ligação esquisita que nós tínhamos, o que de certa maneira tornava aquilo tudo ainda mais especial. Por algum motivo bobo, talvez paixão, eu nunca me perguntei o porquê exatamente James tinha aquelas habilidades, para mim nunca importou.
-O que seria de mim sem você?
-Bom, não faço idéia. Mas você é louca por não me achar estranho ou não ter sequer um pingo de receio do que isso significa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sakura
RomanceViver sozinha sempre foi difícil. Se não fossem as irmãs que comandavam a escola aonde eu estudei, não sei o que seria de mim. Achei que ele estivesse no "mesmo barco", achei que seríamos nós dois contra o mundo, mas aí ela apareceu e ele assumiu su...