"Eu nunca deveria ter concordado com aquela ideia que obviamente iria acabar mal.
Mas eu fui. Porque quando você me pedia qualquer coisa, eu era incapaz de negar.
Jamais admiti, mas eu iria até o inferno por você. Céus, eu iria. E odiava isso. Odiava o fato de eu fazer qualquer coisa por você. Por nós.
Eu lembro o dia. E acredite ou não, o horário também.
Era julho, e estava tão frio quanto se podia imaginar. E pior, estava de noite. Ou seja, mais frio do que o normal.
Tinha me esquecido que para você, qualquer hora era conveniente. E certamente não pensaria duas vezes de bater na minha porta às duas da manhã.
- Só podem estar brincando. - resmunguei, levantando da cama de jogando mil pragas em quem quer que estivesse batendo na minha porta no meio da madrugada.
Assim que abri a porta e dei de cara com você, minha raiva se dissipou um pouco.
- Vai se foder, Nick. São duas da manhã. - murmurei e quase fechei a porta, mas você colocou o pé para impedir e entrou.
- Você fica maravilhosa brava. - você falou e deu uma gargalhada. - Vim te chamar para sair, linda.
- Não podia esperar o sol aparecer? - perguntei e me joguei no sofá. Você se sentou ao meu lado e tirou um maço de cigarros do bolso.
- Qual seria a graça? Seria totalmente normal e nada divertido.
- Divertida vai ser minha mão na sua cara. - falei, pegando um cigarro também. Você sacou um isqueiro e acendeu para nós dois.
Eu amava esses momentos, só que jamais admitiria em voz alta. Eramos só nós dois. Um maço de cigarros. E alguma ideia louca. Algo nisso era extremamente viciante. Talvez por esse motivo, eu disse sim.
Eu concordei, porra.
Não tem um dia que eu não me arrependa disso.
Quando eu disse sim, você só sorriu e se levantou. Fui ao quarto trocar de roupa e saimos pela porta. Sem absolutamente nada.
- Onde vamos? - perguntei, entrando no carro.
- Não faço ideia. - você respondeu, dando partida no carro.
Eu já tinha te dito que você fica incrível enquanto dirige?
Você foi devagar até uma área mais vazia da cidade. Eu ainda tragava meu cigarro e mudava as estações da rádio, dando risada. Assim que viu uma estrada de terra vazia, olhou para mim, questionando com os olhos.
Dei de ombros.
Por quê?
Você pisou no acelerador.
E foi incrível.
Os ponteiros do velocímetro só subiam. E subiam e subiam, e eu ria como uma alucinada, tomando whisky em uma garrafa que tinha achado no carro.
Você riu e desacelerou. Me virei com rapidez, questionando o porquê da interrupção.
- Continue. - dando um pouco de whisky para ele.
O que diabos eu estava pensando?
Estava quase bêbada. E exausta. Mas a adrenalina gritava por mais e meu lado são foi ignorado.
Você pegou outro cigarro e acendeu.
E voltou a pisar no acelerador.
Corremos tanto que achei que fosse morrer várias vezes. Até que você saiu da estradinha e voltou para a cidade.
- Nick! Nick, porra, volte!
Fui ignorada. E comecei a te olhar, admirando seu perfil.
Você estava especialmente bonito naquela madrugada. Parecia aqueles clichês ambulantes nos filmes da década de 90.
Eu amava clichês.
E amei o fato de você não ter me dado ouvidos e continuado a dirigir. Mesmo que na hora tivesse odiado.
Alguma música tocava no rádio, embora eu não soubesse identificar o nome nem o artista. Só comecei a brincar com seu cabelo preto e a roubar seu cigarro para dar uma tragada de vez em quando.
- Char, estou cansado.
- Não, não. - minhas palavras sairam emboladas depois da garrafa já terminada. Eu ficava bêbada com facilidade demais. - Só mais um pouquinho, Nick. Por favor.
Meu erro foi exatamente aí.
Você deu um sorrisinho.
- Se segure. - murmurou.
E eu odeio admitir, mas foi sensacional, Nick.
Foi a coisa mais incrível e mais insana que eu fiz em 17 anos.
Quando você pisou no acelerador de novo, eu só sabia olhar pela janela e ver os prédios ficando para trás. E alguns universitários olhando, curiosos. E o ponteiro vermelho indicava números maiores a cada segundo.
200. 220. 240.
280.
Eu já não sabia mais o que fazer. Só sorria, boba, e via você concentrado.
Por que estava tão sério?
- Char. - você chamou, baixinho.
- O que? - respondi com uma pergunta.
- Eu amo você. - disse.
Na hora eu estava muito ocupada olhando para você para prestar atenção em qualquer outra coisa.
Eu não entendi.
- Eu te amo também, Nick. - falei, confusa.
Não vi quando o muro veio bem em nosso encontro.
Não gritei. Eu nem sabia o que estava acontecendo. Como poderia gritar?
Eu só fechei os olhos. E escutei tantos barulhos ao mesmo tempo que não consegui assimilar direito.
Acordei três dias depois. Olhando para o branco.
Não me deram detalhes. Não me falaram de você, embora fossem bombardeados com perguntas minhas a cada cinco segundos.
Não me deram chance de ver você de novo.
Eu não me dei a chance.
Me contaram um dia depois do meu despertar. E só porque eu entrei em uma histeria tão profunda que só sabia chorar.
E doeu. Doeu tanto que parecia que tinham tirado um pedaço de mim.
Você queria usar suas últimas palavras para algo importante. E entretanto, as usou comigo.
Comigo. Charlotte.
Desculpe por ter te levado a isso. Eu não queria. Estava tão extesiada que não pensei.
Desculpe.
Eu amo você."
Dobrei a carta e coloquei no bolso do moletom. Tirei os remédios da cartelinha. E coloquei todos na boca, empurrando com água.
Deitei na cama e fechei os olhos. Pronta para pedir desculpas de novo.
Pessoalmente, dessa vez.
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Short StoryCharlotte sabia bem que nunca deveria ter entrado naquele carro. Nem deixado Nick entrar.