Cap. 65: A Compra (Parte II: Condenação)

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- Sua vadi... - antes que terminasse de pronunciar o palavrão, Antonella bateu em meu rosto.

O som estalado de sua mão contra minha pele, foi um tanto revoltante. Tentei mordê-la, como vingança, mas a vigarista se afastou.

- Shh! Saiba que eu posso pôr aquela mordaça imunda de volta na sua boca a qualquer momento. - mordi minha língua com força, evitando pronunciar os "elogios" que tinha em mente. Com isso, Antonella sorriu - bem melhor. Se quiser ouvir algo de mim, tem que me respeitar.

Continuei em silêncio, fuzilando-a com os olhos. Assim que me contasse o que eu queria saber, daria um jeito de espancá-la.

- Ok. Vou começar dizendo que, se Datha resolveu partilhar informações com você, é porque ela sabe que vão te fazer sofrer muito mais. Vão te torturar e... bem, quem sou eu para dizer não? - ela deu sua risada diabólica, da qual eu me lembrava inteiramente - Vou contribuir com isso.

Em minha imaginação, Antonella estava queimando em uma fogueira, gritando até que seu coração parasse de bater. Mas, na vida real, a única condenada era eu.

- Primeiramente, Babi Olivetto tem uma história complicada. Nem ela, nem seu namorado, Dickens, faziam parte da Sociedade. - arregalei os olhos - eles eram, realmente, de um bairro pobre em Veneza. Babi estava grávida e, por isso, os dois haviam sido expulsos de suas respectivas casas. Estavam vagando como mendigos, quando os encontraram.

Eles não faziam parte da Sociedade? E tinham sido sequestrados também? Os monstros que nos enjaulavam não estavam satisfeitos apenas com destruir a vida dos membros?

- Eles foram trocados pela liberdade do filho de um Frequentador. - Antonella pausou, fazendo uma explicação extra - Pois, sim, existe um jeito de liberar seu filho da condenação eterna. Para isso, você tem que trazer 3 pessoas no lugar. E, claro, muito dinheiro.

O sorriso de escárnio dela se transformou em uma careta, assim que minha ânsia de vômito retornou. Só que, daquela vez, não era culpa de algo entalado na minha garganta. Era culpa do nojo extremo que sentia da Sociedade. Eles mentiam, e isso eu já sabia. Mas não respeitavam nem sequer as próprias regras? Por dinheiro?

- Monstros, nojentos, descarados... - Antonella, como havia prometido, enfiou a mordaça em minha boca.

Tentei cuspi-la de todo jeito, mas parecia presa entre meus dentes.

- Bem melhor agora. Doce silêncio. - ela sorriu, batendo palmas para si mesma - como eu ia dizendo... já que a garota estava grávida, eles tecnicamente eram três. Trouxeram-nos para cá e, sem explicar o que estava acontecendo, forçaram-nos a trabalhar. Os jovens não sabiam que tudo por aqui era muito... rígido. Por isso, desrespeitaram a regra de nunca mais se comunicarem, foram descobertos dormindo juntos e... o resto você já sabe. Ao contrário do que todos pensavam - ela deu uma risadinha, demonstrando novamente o quão cruel e insensível era - nossa cara Datha não é a manda-chuva daqui. Ela apenas denunciou os infratores para a diretoria. As punições foram determinadas por outros.

Meus olhos ardiam, tanto de ódio quanto de tristeza. Três inocentes, sendo um deles nem nascido, haviam sido condenados injustamente. Eles não sabiam para onde estavam sendo arrastados, motivo que os levou aos atos de rebeldia.

Eu tinha certeza de que Babi jamais desrespeitaria a Sociedade novamente. Ela teria medo demais para fazer isso.

- Quanto a Sarah, ela não tinha nada a ver com sua mãe. Era apenas enfermeira da Sociedade, no mesmo período de tempo em que Graziela foi iniciada como bambola. - Antonella deu de ombros, como se não fosse importante - não tenho permissão para dar detalhes, mas... a pessoa que deveria ter assassinado você e sua mãe, cumpriu apenas metade do trabalho. O carrasco retornou e, com medo de ser castigado, disse que tinha acabado com as duas.

Parei de me contorcer, ficando imóvel.

- Alguns anos depois, desconfiando do silêncio de seu pai, a Sociedade quis revistá-lo. Enviaram-me para esta tarefa. - ela me encarou, de maneira séria - quando vi você... bem, tive quase certeza de que era filha de minha antiga colega. Mas, como os Frequentadores não são conhecidos por sua fidelidade, precisei investigar. Quando seu pai confirmou minhas suspeitas, em uma noite de bebedeira, liguei imediatamente para a diretoria. E, claro, contei para ele quem eu era. O bobão acabou por me ajudar, desmaiando!

Com sua última frase, a expressão humana de Antonella se desfez. Ela começou a gargalhar, como se tivesse ouvido uma piada.

- Fui eu quem deu o "número de emergência" para o seu pai. Sabia que, caso meus planos falhassem, você acabaria ligando alguma hora. E, deu certo! - ela secou uma lágrima falsa - quando você telefonou para cá, apenas conseguiu um número maior de caçadores na sua cola. Sarah foi junto, porque é meiga demais para deixar os brutos funcionários trazerem alguém sem supervisão.

Ela precisou segurar a própria barriga, de tanto que riu. Tudo o que pude fazer foi arregalar os olhos, horrorizada, e tentar gritar. Acabei por me engasgar outra vez, o que fez Antonella rir ainda mais.

- Antes que se pergunte "por que ela está sendo tão má?", saiba que sou uma bambola também. - ela parou de sorrir subitamente, queimando-me com o olhar - Só que eu fui devolvida, rejeitada. Ao contrário de idiotas como você, precisei ficar aqui a vida inteira.

Então era esse o problema. Rancor. Inveja. Vingança. Antonella havia sido devolvida, e não conseguia lidar com isso.

O fedor da mordaça era intenso, o que me fez imaginar se ela já não havia estado em outras bocas. Em outros ferimentos. Em outros... cadáveres. Com o último pensamento, a bile subiu até minha garganta. Precisei me esforçar para engoli-la, e para evitar que lágrimas escorressem pelo meu rosto (devido a ardência em meus olhos).

- Bem... - Antonella prosseguiu, saindo de seus devaneios - acredito já ter lhe explicado tudo o que me ordenaram. Diga, você sofreu o suficiente?

Quando encarei-a com ódio, Antonella pareceu satisfeita. Tive vontade de cuspir em sua cara mas, provavelmente, me engasgaria mais se tentasse.

- Parece que sim. - batendo palmas sarcásticas, puxou a manga de seu vestido para cima. Ali, em seu pulso, um pequeno relógio prateado reluzia - E... está na hora!

De repente, a víbora pulou do banquinho de metal onde estava sentada. Andou até a porta, socando-a de leve.

- O tempo passou rápido, não? - quando ela disse isso, a porta se abriu, e dois homens entraram - já está na hora de nos arrumarmos, querida. Afinal, uma bela compra nos aguarda!

Sua risada endiabrada foi a última coisa que ouvi, antes de ser arrastada para o inferno.

Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora