Rio Grande do sul, Brasil – 1898.
Era uma noite fria, a neve cobria grande parte das ruas de Porto Alegre e por conta do tempo, era difícil se mover. Uma jovem garotinha com sandalhas vermelhas andava sobre a neve, seus lábios tremiam, seu nariz sangrava e existiam leves hematomas pelo seu corpo. Suas feições eram inexpressivas, ela andara tanto que nem mais sentia seus pés. Suas sandalhas estavam vermelhas não pela sua própria cor, mas sim, pelo sangue que saia dos pés machucados da menina.
Ela não se importava, nada mais importava.
Não mais importava pois estava prestes a morrer, o frio já congelava todos os seus órgãos lentamente. Mesmo assim, jamais parou de andar, queria morrer do modo mais doloroso e nefasto possível. Estava cansada de viver, sentia grande desgosto por sua vida e tinha nojo de si mesma. Então ela caiu na neve e qualquer um que olhasse, poderia dizer a causa; hipotermia. Seus olhos abertos e opacos encaravam o gelo, podia-se ver a tristeza e ao mesmo tempo o ódio em seu olhar. Sua desgraça ficou conhecia por seus familiares como a morte branca, pois a menina morreu congelada na neve.
Pouco tempo depois um por um, seus parentes e amigos, todos que conheciam a menina foram morrendo misteriosamente.
Nem a polícia, nem as autoridades conseguiram identificar a causa das mortes.
(...)
São Paulo, Brasil – 2017.
"Toc"
"Toc"
"Toc"
Toda a madrugada é a mesma coisa, as batidas na porta do meu quarto, mesmo que não tenha ninguém em casa. Ás vezes elas são tão baixas que quase não percebo... quase. Todas as noites antes de dormir, consigo ouvir alguém batendo na porta e quase sempre me levanto para abrir mas fico com medo, então acabo voltando para a cama. É assustador escutar as batidas e sempre que não consigo dormir, elas vão ficando cada vez mais altas e pesadas, ocasionalmente não consigo escutar nada mais além delas, tampouco minha própria voz pedindo um basta para tudo.
Isso começou semana passada com uma postagem na internet, alguém escreveu a história de uma menina que se matou por desgosto a sua vida. Não terminei de lê-la pois estava sem tempo e eu havia esquecido, então deixei para ler esta noite. Enquanto leio, as batidas na porta vão ficando cada vez mais fortes e insuportáveis.
Não aguentando mais, me levanto e vou em direção a porta. Consigo sentir o suor escorrer pela minha testa. Quando chego em frente a maçaneta, a giro e abro a porta lentamente, fazendo-a ranger pelo atrito. Então fito a escuridão do corredor e não encontro ninguém.
Senti uma leve pontada no peito e o meu corpo inteiro arrepiou-se por algum motivo, não consigo entender o que está acontecendo. Incomodado, me retirei da entrada do quarto e deixei a porta aberta para não fazer mais barulhos estranhos, apaguei a luz e me deitei na cama novamente, para voltar a ler a história.
Conforme fui acabando a história, o pavor foi crescendo gradativamente e já consigo sentir algo gélido e metálico subir lentamente pela minha perna, ela começou a formigar, porém está escuro e não consigo ver nada. Um vento gélido atravessou o meu quarto, fazendo-me ter frio, logo em seguida levantei o meu olhar e encarei a figura que está ao meu lado, consegui ver jogando a luz do celular. Meus olhos foram tomados por horror ao ver uma menina, não uma menina qualquer, ela está completamente desfigurada. O objeto metálico que ela segura, é como se estivesse lenta e dolorosamente cortando a minha perna. Eu nunca havia sentido algo assim em toda a minha vida. Consigo ver o sangue escorrer de encontro aos lençóis mas não sei dizer se é real ou não, é amedrontador.
— Você que descobriu a minha história, não mais é digno de viver. – Escutei a menina sussurrar e congelei, não consigo me mover.
Seus olhos vermelhos estão esbugalhados, ela está me encarando fixamente em meio à escuridão e confirme vou sentindo o objeto metálico subir pelo meu corpo, minha visão vai escurecendo. Sinto dor, muita dor, parece que ela faz de propósito para ser o mais doloroso possível e meus gritos estridentes, parecem não ser ouvidos por ninguém. Logo, a escuridão tomou os meus sentidos, tudo escureceu e sinto um odor pútrido.
Meu fim está próximo.
Tudo porque li a história de uma menina que se matou por desgosto a sua vida, seu desgosto era tão grande que ela virou um espírito maligno e a sua única função na terra é matar lenta, e dolorosamente a todos que tomam conhecimento de sua história. "Prometi matar a todos que de alguma forma, saibam que um dia vivi; estes não são mais dignos de viver pois descobriram o meu mais profano e vergonhoso segredo sombrio. Maldito é aquele que conhece a minha história e ainda vive!" - Ela sussurra com aversão, as palavras que escuto em meus últimos momentos de vida ecoam por todo o ambiente nefasto em que me encontro, isto junto aos meus gritos que vão morrendo aos poucos, até não mais existir voz alguma saindo de minha boca.
(...)
Provavelmente, após acabar de ler estas linhas alguém baterá em sua porta. Uma batida mais alta do que a outra, isso vai piorando com o passar dos dias... é o sinal de que ela encontrou você e está a sua espera ansiosamente.
Não abra!
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A morte branca
Short StoryUma história destinada ao concurso terrorBrasil, sobre uma menina que sentia grande desgosto por sua vida. Lenda: A morte branca. Você será capaz de dormir a noite?