Capítulo 1 - A chegada na fazenda

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Eu me chamo Inácio e esta é uma história de amor e fé pois sou um sobrevivente, e se não fosse o amor não teria forças para suportar, entender e aceitar quem eu era e quem sou agora. Tudo aconteceu há muito tempo, mas as lembranças são marcas que ficam travadas no coração e nos segue aonde vamos, atravessam rios e dimensões, atravessam vidas e mais vidas.

Eu cheguei em uma carroça, fui comprado para ser escravo em uma fazenda da qual trabalharia. Era um bom negro, alto, dentes brancos, bonito para a minha raça, forte e cheio de vigor. Minha vida agora pertencia a seu Gonçalo, dono da fazenda onde trabalharia. Fui arrastado junto com outros companheiros para dentro da fazenda, nossas mãos unidas por uma corda grossa que fazia minhas mãos sangrarem, bem como a dos meus companheiros. Meus pés descalços, sujos de poeira e feridos pelas várias topadas pareciam mais cascos de cavalos e eu não podia mais andar de tanto que a sola ardia, o sol estava escaldante e como estávamos em fila um atrás do outro era normal que tropeçássemos, o que irritava meu subordinado, o capataz da Fazenda Germano, que nos gritava a cada instante, ameaçando-nos com a chibata.

Feita a nossa avaliação, fomos designados para nossas funções. Eu era um dos mais altos, meu suor escorria junto com a minha tristeza mas meus sentimentos não estavam em destaque neste momento, sai então para dentro onde me foi dada uma roupa, um trapo para melhor dizer, esta seria a minha roupa de trabalho, não preciso dizer quão grande era a fazenda. Fui encaminhado para os canaviais, iria cortar a cana, tinha muito o que fazer.

Seu Germano sempre atrás com o chicote, a cada uma hora nos era permitido um gole de água que eu engolia para continuar cortando a cana. As duas horas, com o sol já alto, tínhamos que nos abastecer com a comida que nos era ofertada para nos manter em pé, um feijão aguado e bichado, caldo ralo e mal temperado, mas era melhor do que nada. Parecíamos adorar a comida, tal a fome. A refeição era feita em silêncio, cabisbaixos, não ousávamos conversar, principalmente porque era o primeiro dia na lavoura de cana de açúcar. Eu tinha deixado para trás meus amigos e uma velha tia que estava enferma em outra fazenda e que não fora vendida, estava só, assim como meu destino. Tratei de comer rápido pois queria que o dia findasse logo, meu sofrimento era grande, minha solidão era da mesma forma, era um homem sem palavras neste momento, minhas mãos estavam adormecidas e eu tinha que me acostumar, não tinha forças mas era preciso continuar, mostrar um bom serviço para não apanhar.

O barão, seu Gonçalo andava de um lado a outro bem lá na frente da casa grande da fazenda, de vez em quando gesticulava e fazia movimentos com as mãos, procurava não olhar muito pois ouvi o som do chicote sendo estalado em meu parceiro. Tratei logo de agilizar mais ainda o meu serviço, não queria apanhar logo no primeiro dia, mas nada que fizéssemos parecia ser certo, era tudo uma questão de visão, do ponto de vista do feitor. O dia foi dando lugar à noite e finalmente podíamos ir para a dormida, confesso que estava exausto tanto da longa viagem quanto do árduo trabalho a que fomos submetidos assim que chegamos. De tão cansado custei a dormir, ainda pude ouvir choros espalhados ao meu redor, eram gemidos de dor, eram corpos suados, fechei meus olhos enfim, esperando atravessar a noite.

Ao romper o sol éramos acordados, o sino dava as suas primeiras badaladas, e nós nos apressávamos para o grande pátio pois antes de começar a labuta uma fila era formada e o seu Germano começava a verificar um a um, esta contagem era feita por um de seus ajudantes que na maioria das vezes eram escravos de sua mais alta confiança, ninguém se mexia. Todos sérios e cansados ainda do dia anterior, porém o dia raiou e tínhamos muito o que fazer, e sem falar que nós tínhamos que fazer uma oração lá, que eu acabei decorando de tanto que rezava, pedindo clemência em meus desesperos. O meu café e o de meus companheiros era tomado em poucos minutos. Era pouca coisa e consistia em um gole de cachaça e mais um café que não dava para nada, nem de longe me fortalecia, contudo bebíamos tudo sem reclamar. Apenas após engolirmos, deixávamos a senzala e partíamos para a roça e os canaviais. Era tudo muito triste e penoso, mas era o que era.

Seu Germano falou em voz alta que um de nós em breve seria escolhido para ficar fazendo trabalhos na casa, mas ele não sabia quem, e que diante disso, iria nos observar e que o melhor negro iria para o interior da casa, mas que por ora, era o canavial. Eu queria trabalhar na casa, acho que todo negro queria porque íamos ter vida melhor, ter um dormida mais sossegada, ter uma comida a mais e poder andar mais limpo. Eu até hoje não consigo entender por que achavam que nós não gostávamos de nos limpar, nós éramos limpos, gostávamos de limpeza, porém as condições que nos era imposta fazia crer o contrário .

Eu caminhei junto com os outros e pude apreciar o ar fresco de toda aquela fazenda, e era um belo pedaço de terra, campo verde, era maior do que a que eu outrora estava, e pensei que se tia Binda estivesse comigo ela havia de gostar desse lugar, mas um grito de seu Germano me fez sair de meus devaneios e me concentrar na minha realidade. - ANDA SEUS PREGUIÇOSOS! ANDEM SE NÃO QUISEREM LEVAR O CHICOTE NO LOMBO. Nós íamos em fila cabisbaixos, a tristeza fazia parte de nossa alma porque nós tínhamos uma, embora eles achavam que negro não era nada além do que eles pensavam, que éramos frutos do mal.

O Dedo de Deus (Obra não revisada)Onde histórias criam vida. Descubra agora