Eu trabalhava e ouvia as poucas conversas de meus companheiros, mas de quando em quando, porque sempre estávamos sendo vigiados e se nos pegássemos de conversa no serviço o chicote ia ruir e nem sei do que era capaz de acontecer, então só consegui ouvir pouca coisa. Era o negro Severo, ele estava revoltado, queria porque queria fugir, não aguentava mais tanta humilhação, ele só tinha em mente fugir para o quilombo,mas tinha que ser tudo muito bem estudado. Eu na minha verdade, do meu coração também queria desde muito a liberdade, é um sonho precioso, mas como fugir sem a certeza de que estaremos são e salvos? Eu queria, porém nem coragem eu tinha nem tão pouco forças pois desde que cheguei a fazenda minha alimentação era muito ruim, eu não conseguia me controlar.
Na outra fazenda a comida era melhor havia mais carne seca e farinha. Pensei estar doente, mas logo percebi que era por conta da fome que eu estava assim e então eu vi o Severo, esse mesmo da fuga pegando um punhado de terra e colocando na boca, me deu vontade de experimentar mas o medo de ser pego povoava a minha mente, então resolvi esperar e foi a minha sorte pois Severo fora pego por Seu Germano na hora que colocava um outro punhado de terra na boca, eu me tremi todo diante do grito dos dois de Seu Germano e de Severo que quase engasgou com o susto por ter sido flagrado.
Vimos quando ele foi arrastado e chicoteado pelo canavial afora o seu castigo seria duro, mas ele era um negro ousado daqueles que sequer leva desaforo, todavia ali naquela hora, o pavor de morrer sem a tão sonhada liberdade fez com que aguentasse o que podia. Eu que ia fazer o mesmo, engoli em seco pois minha boca estava por demais seca. Severo e os demais já sabiam qual seria a sua pena, já tinha sido pego com um pedaço de rapadura na mão. Coitado!
Mais tarde eu soube que lhe foi colocado de novo a máscara que lhe cobria quase todo o rosto e ele ficou sem poder comer e beber e somente Seu Germano poderia aliviar o seu castigo. Falaram que ele deu sorte pois podia ser pior, era pego de novo, agora era a terra e eu que queria provar se era bom e se ia satisfazer o buraco que estava a minha barriga. Eu estava sentindo muita fome e estava com dores, eu era muito alto para pouca comida, mas o feitor e os demais empregados não estavam nem aí com o que nos acontecia, éramos tratados como bichos, e por conta do que Severo fez todos nós naqueles dias fomos castigados. Éramos surrados por nada, mas agora o motivo foi porque Severo comeu a terra e a gente também era castigado mesmo que estivesse fazendo tudo direito. Eu e os outros pouco soube do que mais aconteceu com o Severo, mas coisa boa não era e ninguém ousava perguntar. Quem poderia nos dar notícia era a negra Maria Crioula, ela vivia de chamego com Seu Germano, mas para aquela ali dar uma informação era ruim, tinha que ter alguma coisa em troca e ninguém queria ficar devendo favor a ela, e Maria Crioula se deitava com todo mundo por causa de qualquer coisa. Ô negra fogosa! Ela andou se engaçando até com o pai Tonho, mesmo velho ela queria deitar com ele só para o pai colocar o jogo de búzios para ela. Dizem que quer se amigar com Seu Germano, garantir um pedaço de terra, ser moça sinhá, mas o pai Tonho nada respondeu e só ficou rindo. Ele sempre diz: - Ah, crioula sem juízo!
Pai Tonho era quando jovem um reprodutor, tinha filho em tudo quanto era fazenda, ele já perdeu as contas de quantos filhos largou nesse mundo de meu Deus. Diz ele , que as vezes ficava meses na fazenda dos amigos dos patrões só para fazer filho, e podem acreditar, ele fazia! Era raro ele não conseguir e assim como eles, tinha muitos mas quando era mais jovem, o barão só confiava nele. E depois que os filhos nasciam, eram criados e posteriormente vendidos para outras fazendas para serem os melhores escravos, e quando acontecia de ele ser emprestado pelo barão, seu dono, sempre havia dinheiro envolvido no meio. O Barão Seu Gonçalo sempre foi um excelente negociante e não era a toa que ele tinha muito dinheiro, era dinheiro que não contava mais .
Pois é , pai Tonho agora vive em uma casinha ofertada pelo Barão em gratidão. O Barão queria lhe dar a alforria mas ele disse que não se importava com isso mais não, que não carecia e que já bastava chegar vivo até aquela data, pois muitos dos seus companheiros morreram cedo devido aos castigos brabos e muitos não resistiam, tiveram outros que fugiram e morreram quando capturados. Mas pai Tonho se orgulhava de estar vivo e foi salvo por conta de que ele sabia como fazer filho numa nega, e agora ele vive do que a fazenda dá pois além de sua choupana, ele tinha um pedacinho de terra ali mesmo nos arredores do chão da fazenda onde ele plantava o que podia para sobreviver e estava bom, ia vivendo e vendo a sorte nos búzios, que era um dom que Deus e os Orixás lhe deram, e também a herança da escrava Etelvina, sua mãe. Ele endeusava o Barão, dizia que ele só era bicho ruim com escravo que não sabia o seu lugar.
Mas o diacho era que eu estava morrendo de vontade de comer a terra? Eu já vi os outros comerem, mesmo depois do que aconteceu ao Severo, mais eu tinha um medo danado, eu era frouxo e é por isso que sofro mais que os outros. O pai Tonho acha que eu sofro menos porque eu sou obediente e é tudo por causa do meu medo, mas eu hei de comer a terra, eu tenho fome e a comida é pouca, assim como vou aguentar mais trabalho? Porém quando eu pensava no que aconteceu com Severo, ah, aí eu aquietava de vez.
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O Dedo de Deus (Obra não revisada)
RomansEsta obra retrata a vida do escravo Inácio que superou todas as suas provações, na dura vida da senzala, seus medos e tormentos a que a escravidão lhe submetia. Em meio a todas essas injustiças, apaixonou-se por uma mulher branca que vinha ser sua s...