O Dedo de Deus (Obra não revisada)

Capítulo 6 - Uma nota fúnebre

Aos poucos eu fui me soltando mais , sem aquele total pavor de quando tinha chegado , também fui tendo certas regalias , o seu Gonçalo e a sinhá gostavam um pouco de mim , eu era muito calado e obediente , facilitava muito, e de quando em quando eu ia a cidade , sempre acompanhado de um ajudante de seu Germano , mas ia , e fui me familiarizando com esse mundo dos brancos , eu tinha um sonho de ser escravo de ganho , aqueles , que vendiam mercadoria , mas eu só sabia fazer as flores e as terra crescer , eu sabia que não ia ser tão fácil , eu só estava achando um meio de sobreviver, eu queria viver , sem a agonia dos que nem chegam a velhice, dos que não conhecem netos ...

Mas, outro fato muito estranho e triste eu presenciei, com um dos negros que chegou recentemente , ele tinha deixado mulher e filhos para trás , e não sabia onde foram parar, eles foram entregues a outro barão , a menina era uma mocinha e foi estuprada , quando ele foi trazido para cá , e não sabia se tinha morrido ou não , e o filho ainda pequeno de colo com a mulher ; ambos foram cada qual para um lado e eu um dia parei para ouvir a estória do negro Tião , ele chorava quando falava , mas ele não esquecia não , ele chorava toda vez que lembrava , e não havia maneira de fazer ele ficar bem , ele era um homem forte , e robusto , e tinha várias marcas pelo corpo , apanhou muito e suas cicatrizes eram enormes e feias , as costas era um redemoinho de calombos , e ele veio para trabalhar com a cana , mas ele não rendeu ele não queria render e apanhava muito ele sempre estava sendo premiado com o chicote .. , : pensa que ele ligava? ligava não , o negro Tião foi definhando , ficando cada vez mais acuado e triste , dava pena de ver, e eu até que puxava conversa com ele , ele era bom , inteligente , mas homem de poucas palavras , esquisito ; eu só não sabia que ele estava doente , doente de tanta melancolia , , a alma dele não prestava para mais nada , ele não comia, não bebia , fazia o que tinha que fazer e não dizia nada , nem um ai , Tião negro bom ... , ai se eu pudesse por fim em sua tristeza , mas quando negro está assim , tem jeito não , e um dia , quando eu vinha do plantio , já tarde , eu vi um burburinho vindo de dentro da senzala , ele , o negro Tião , estava em um canto , e nem respirava , seus olhos estavam abertos e parados , ele não se mexia , não falava mais , e foi retirado mortinho , sem vida , morreu por que não queria viver mais sem sua família, estava mais magro do que podia-se imaginar, ele não comia desde o dia que chegou a fazenda , já estava doente da alma , matou-se aos poucos , eu vi como Tião definhou , dia após dia , e eu sabia que se continuasse triste , sem se alimentar ia acabar com a sua vida , e foi o que se sucedeu , a melancolia bateu a sua alma e ele morreu , morreu sem sua mulher e seus filhos , para nunca mais ter que sofrer , a falta deles ele não suportou , ; Eu vi muitos companheiros morrer assim e ficava com medo ,( eu tinha muitos medos ,) medo , eu ficava de que a minha alma não fosse forte o suficiente para ver tantas injustiças e tantas dores , pois o vazio de nossas almas era enorme e não tinha fim.

Tião se foi , juntamente com tantos outros e outras , as negras também tinham esse mal , principalmente as mais jovens ,, então eu me sentia um sortudo , eu queria ver meus filhos crescerem se fosse me juntar com alguma negra boa , queria chegar a velhice e ver meus netos , eu rezava todo dia para que isto acontecesse e eu sonhava em ser um negro de ganho , queria mais , eu sonhava mais tinha medo da doença que comia a alma e levava embora , como foi com Tião e tantos outros , o dia terminou com essa tristeza , e nessa noite , todos rezaram em silêncio , não se viu nem um sopro ,; apenas a lembrança de uma dor que não se podia arrancar ,