Capítulo 12

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Mais alguns entalhes sombreando o pescoço, e concluí minha nova obra: meu Maikon, enlouquecido por mim sob as luzes piscantes do show. Com aquele desenho, dois terços do S.S. Liberty estava preenchido, pelo menos daquele lado do casco.

Eu agitei minha cauda azul, dando piruetas na água até tomar distância, e então admirei o conjunto completo. Tantas etapas da minha vida se entrelaçavam uma na outra, desde meus garranchos de criança até meus esboços mais recentes, tudo cuidadosamente gravado com meu canivete. Como será que ficaria, após concluído? Haviam anos de trabalho pela frente.

Um tremor distante chamou minha atenção, e eu me afastei do navio em direção às fendas abissais. Talvez fosse impressão minha, minha cabeça ainda doía pela bebedeira da noite anterior, mas tive a impressão de que veria algo interessante.

Diante de mim, na escuridão profunda, o colchão de algas e areia se estendia até o fim do horizonte, desaparecendo entre fendas na rocha. Um segundo tremor ondulou meus cabelos, e então as fendas se iluminaram.

Gases vulcânicos. Milhões e milhões de bolhas subiram em uma cortina dourada, iluminadas pelo ardor da lava. As bolhas mornas me cercaram e seguiram na direção dos céus, tão infinitamente lindas que foi impossível não lembrar do Maikon.

Eu preparei meu celular de pulso e tentei tirar uma foto, mas no último instante mudei de idéia. Meus desenhos nunca capturavam toda a beleza do Maikon, e não seria uma foto de celular a conseguir isso, com as bolhas douradas. Maikon merecia ver pessoalmente.

Algum dia eu lhe apresentaria a cortina de bolhas, e também minha arte no casco do S.S. Liberty. Por enquanto eu me contentaria em encontrá-lo na escola e jogar videogame com ele, sem tentar provocá-lo com o meu corpo.

Ai, seria tão difícil.

Meu celular de pulso iluminou, indicando uma chamada. Eu disparei de volta à superfície e atendi. Havia me esquecido totalmente da minha terapia.

"Doutor Michel. Oi." Falei, ofegante.

"Hian, meu afilhado favorito." O sorriso implicante do doutor apareceu na telinha em meu pulso. "Você estava nadando? Esqueceu de mim?"

"Ahm, mais ou menos... sim." Eu corei, alisando o cabelo molhado para trás. "Desculpe."

"E então... ouvi dizer que foi no seu primeiro show. Foi divertido?"

"Divertido? Foi demais!" Eu boiei sobre as ondas salgadas do alto-mar, deixando o sol aquecer minha barriga. "Teve umas músicas muito loucas. Eu preferi o funk, mas o Maikon disse que furaria os ouvidos se eu falasse isso de novo. É ruim eu gostar de rebolar?"

Doutor Michel riu muito alto. Ele precisou tirar os óculos de tanto que embaçaram.

"Não vejo problemas nisso, e fico feliz que tenham se divertido. Como voltou pra casa?"

"Ah..." Eu mordi o lábio. "Papai Gabe me buscou, duas da manhã. Perdi o meu sobretudo, mas o papai Dylan não disse nada das minhas roupas. Só comentou que eu cheirava à cerveja, mas bebi tão pouquinho."

"Ele está menos implicante, então?"

Eu me indignei de repente.

"Papai Dylan não é implicante. Ele só está me educando a ser um grande tritão, como ele."

Doutor Michel não respondeu, só ficou me olhando com uma expressão impossível de ler. Ele ajeitou um cacho solto para trás da orelha e continuou quieto, me esperando falar mais.

Eu não queria me manter nesse assunto, e foi fácil encontrar outro tópico.

"Ei, doutor, você tem um núcleo? Digo, uma família. Você tem parentes?"

Ondas em Rebentação (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora