Prólogo - Carolina Sanchez

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Mais uma vez eu tive que aguentar socos atrás de socos, chutes atrás de chutes e tapas atrás de tapas.

Eu só passava por tudo isso porque temia a vida de Vinicius, e a minha também.

Ele me cercou e eu não tenho para onde ir.

" - Eu te amo. - Ele me beija com vontade e eu correspondo totalmente iludida com a ideia de namorar o dono do Morro.

- Eu te amo, Wesley."

Na minha cabeça, esse seria o começo do nosso conto de fadas. Mas na verdade, era o começo do meu inferno na terra.

Um mês depois de Wesley ter me assumido como fiel, eu descobri a gravidez. Não foi indesejada por nenhum de nós dois. Wesley fez questão de eu ter a melhor gestação possível. Pagou um dos melhores obstetras do Rio de Janeiro, me dava tudo que eu queria e na hora que eu queria, compramos um enxoval completo para o meu pequeno e ele nunca deixou faltar nada em casa.

O marido dos sonhos.

Só que esse conto de fadas fajuto se desfez quando Vinicius completou 5 anos.

Wesley começou a chegar drogado e bêbado em casa, me proibia de sair enquanto ele chegava de madrugada quase todo dia, e por fim, começou a me espancar por qualquer motivo, por qualquer coisinha que eu discordasse dele, qualquer discussão.

Sem contar, a pressão psicológica. Por que ele sempre fazia com que eu me sentisse culpada de tudo que acontecia e também por ele ter que me espancar. Fazia eu me sentir culpada e insuficiente por ele ter que procurar vadia na rua.

Foi quando tudo começou a  desmoronar na minha vida.

E eu perdi meu apoio quando Milena se mudou para a Rocinha com a mãe e eu fiquei aqui no Morro do Chapadão. Presa a ele. A única coisa, a única vida que ainda mantém a minha, é meu filho, meu Vinicius.

Graças a Deus, Vinicius não puxou nada do pai. Ele é muito parecido comigo em tudo, desde a aparência até a personalidade. E isso irrita Wesley profundamente. Ele já chegou a dizer que Vinicius não era seu filho e que eu o trai. Sendo que o único traído, ou melhor traída, sou eu.

Vinicius já tem seus sete anos. Quando eu engravidei dele eu só tinha quatorze anos e Wesley tinha dezoito. Duas crianças irresponsáveis. Hoje com vinte e um anos percebo a enorme burrada que fiz em me entregar ao primeiro que apareceu. Não que eu não queira o Vini, longe disso. Eu o amo com todas as minhas forças. Só que eu podia ter tido ele um pouco mais tarde, com mais responsabilidade. E com um pai melhor para ele.

Suspiro em desgosto.

Odeio ficar pensando na tragédia que vivo.

Levanto do sofá e vou até a cozinha para começar o almoço. Logo Vini chegará da escola cheio de fome.

Wesley às vezes vem almoçar, às vezes não. Quando ele não vem, eu sei o porque. Isso já me feriu tanto que hoje nem me importo mais. Não fazemos sexo a mais de um ano e não ligo mais se ele come qualquer uma por aí.

O amor acabou.

Logo sinto os braços de Vinicius rodeando minha cintura e me apertando. Tá aí, Vinicius é alto como Wesley, única coisa que puxou dele.

Me viro e o abraço de volta.

Eu queria nunca mais soltar ele. Nos levar para bem longe daqui. Sei que ele já viu Wesley me batendo. Eu só desejo que ele esqueça isso, que não tenha que conviver com essa lembrança o resto da vida.

Vini leva sua mochila para o quarto e eu termino o almoço. Hoje fiz sua comida favorita. Lasanha quatro queijos ao molho branco.

Ele se senta à mesa e abre um enorme sorriso quando me vê retirando a lasanha do forno e colocando à mesa. Sirvo nós dois e comemos enquanto meu pequeno tagarela sobre suas aulas, seus amiguinhos e seus professores favoritos.

Desde cedo ensinei ao Vinicius que os estudos tem que vir em primeiro lugar acima de tudo. Acima até mesmo da família, que nós não temos de verdade, mas que eu ainda consigo fingir que temos, por ele. Enquanto ele me conta tudo, eu me delicio com a lasanha e sorrio a cada fato que ele considera emocionante na matéria de história. Meu pequeno será alguém na vida, alguém que me proibiram ser. Alguém com cultura e estudado, como eu não pude ser.

Terminamos o almoço, eu tiro a mesa e lavo a louça. Vinicius vai para o quarto fazer tarefa e eu começo a limpar a casa. E assim fico até às cinco da tarde.

Minha rotina é essa a dois anos. Acordar tarde para não ver Wesley de manhã, fazer almoço e limpar a casa.

Não tenho redes sociais, Wesley me proibiu de ter. Quando preciso ou quero falar com minha mãe ou com Milena, eu tenho que fazer a boa e tradicional ligação. Mas se ele souber que falo com outras pessoas além das duas, me mata ou me tira Vinicius.

Eu tenho plena consciência de que se eu fizer algo assim ou trair ele, eu morro. Por isso não bato de frente, até mesmo, pelo meu filho. Sei que já disse muito isso, mas realmente, minha maior preocupação é meu anjinho dos cabelos e olhos castanhos escuros. Puxou a mim.

Sorrio verdadeiramente feliz pensando que, apesar de tudo que eu sofro, tenho um filho maravilhoso ao meu lado.

Ouço a porta se abrir e no mesmo instante em quem vejo aquele demônio, meu coração dispara com medo. Wesley fecha a porta, joga a fuzil no canto, ele me olha compenetrado e eu fico parada esperando pelo pior. Ele apenas suspira, me olha dos pés à cabeça e caminha até o sofá. Se senta e volta a me olhar.

- Precisamo bate um lero. - Ele tem a voz grave embargada por um choro e nesse momento eu penso em minha mãe.

Mais que depressa me sento ao seu lado no sofá, com certa distância. Ele me encara e eu o encaro de volta.

- Pode falar. - Digo sem emoção alguma.

- Eu... - Ele para, seus olhos se enchem de lágrimas e meu coração acelera mais - A Kleyty tá grávida. Eu sou o pai, tá ligada. - Eu viro meu rosto para o lado e fecho meus olhos.

Volto a olhar para ele que me encara firme.

- Como eu e o Vinicius ficamos ? - Aperto meus lábios.

- Comigo, Carolina. Tu continua sendo minha fiel. - Uma vontade de vomitar me sobe no momento em que escuto "minha fiel."

- Tudo bem, então. - Saio da sala e vou para o meu quarto.

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⏰ Última atualização: Feb 19, 2019 ⏰

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