Tenho vontade de me levantar, espancar os dois guardas, pegar na mão de Thomas e correr para bem longe, mas sei que não me é permitido fazê-lo, seria automaticamente acusado de apoio a uma doença, que segundo o governo, ameaça a paz e a estabilidade mundial. Tretas.
Mantenho-me sentado no lugar que há poucos minutos ocupei no centro do refeitório, o silêncio é o único som que se faz ouvir até que Thomas sai do liceu acompanhado dos dois guardas. Como é suposto curar uma doença que está interligada ao afeto que uma pessoa sente pela outra? Desvio o meu olhar para o meu tabuleiro iniciando a minha refeição.
- Que cena. - constata Eva. - Sinceramente tenho muito medo no que o ser humano se está a tornar.
O silêncio no refeitório acaba, o barulho da voz humana predomina novamente dentro das quatro paredes onde a cantina está inserida, excepto na nossa mesa. Todos se mantêm calados sem proclamar um único som ou ruído.
**
Depois das aulas da parte da tarde terem terminado, chego a casa. São mais ou menos horas de jantar, geralmente é a estas horas que chego exceto quando algum professor falta e acabo por chegar mais cedo.
- Olá Mãe. - cumprimento-a com um apertado abraço.
- Olá Meu amor. - lança-me um olhar reconfortante.- Como correu a escola hoje?
- Correu bem. - mas na verdade o dia de hoje foi tudo menos bom, primeiro o vídeo e logo a seguir o que aconteceu com o Thomas, foram muitos acontecimentos para um dia só.
- Ainda bem, vamos meter a mesa que já estou cheia de fome. - diz ela com um falso sorriso.
- Mãe... antes disso, está tudo bem?- questiono ao perceber que algo se passa.
- Claro meu filho, porque não haveria de estar?-contrapõe.
- Mãe... eu conheço-te, melhor do que pensas. - insisto.
- É o teu pai. Quer acelerar o processo de divórcio. - rapidamente o pequeno sorriso que tinha desaparece-lhe do rosto.- E se eu não aceitar teremos de ir para tribunal.
Os meus pais separaram-se há cerca de 4 meses. Foi o meu pai que quis terminar tudo justificando que encontrou outra mulher e que essa é verdadeiramente o amor da sua vida. Desde esse dia que a minha mãe nunca foi a mesma, anda triste mesmo que tente disfarçar, fragilizada e completamente arrasada. Todas as noites quando me vou deitar ao passar pelo quarto dela consigo ouvir o seu doloroso choro.
- Mãe... ele está a seguir com a vida dele, tens de fazer o mesmo. - tento ajudá-la.
- Eu sei meu amor. - responde-me. - Quando é que te tornas-te tão crescido e inteligente? O tempo passa sem piedade.
Dou uma pequena gargalhada e abraço-a. Dirijo-me depois para a cozinha tirando os pratos de louça dos armários que ficam a poucos centímetros da bancada, tiro mais dois garfos e duas facas. A casa é rapidamente invadida pelo cheiro do estufado da minha mãe, é um cheiro completamente prazeroso.
- Não sei como é que o pai vai fazer, mas certamente que em sítio algum ele irá encontrar pratos tão deliciosos como os teus. - digo lançando-lhe um sorriso.
- Amo-te muito meu "pequeno grande" reguila.
- Amo-te. -retribuo.
Assim que todos os pratos e talheres estão posicionados em cima da mesa, sento-me e a minha mãe serve-me. Levo uma das minhas mãos à garrafa de água situada à minha frente e despejo o que ela contem para dentro do meu copo. Ligo a televisão.
" Notícia de Última hora. Uma manifestação de um grupo de rebeldes compostos por 20 elementos,que protestavam contra o aprisionamento dos indivíduos portadores da síndrome de Homoslor, resultou em 15 detenções, 2 mortos e os três indivíduos restantes encontram-se em fuga, a polícia pede para quem souber do seu paradeiro que contacte a esquadra mais próxima de si... esta é uma notícia que iremos acompanhar ao longo deste jornal"
Pego no comando com um gesto agressivo e rapidamente desligo a televisão. A minha respiração é perfeitamente audível, tornando-se cada vez mais ofegante.
- Estás bem Peter? - pergunta-me a minha mãe.
- NÃO MÃE! NADA DISTO ESTÁ BEM. - começo bastante exaltado- Porquê é que eles fazem isto? Porquê é que não podemos simplesmente amar quem queremos, não é uma doença, é amor, é o amor mais puro que pode existir. - a minha respiração fica cada vez mais acelerada. - CHEGA DISTO, CHEGA DESTA PERSEGUIÇÃO! - a minha frequência cardíaca torna-se cada vez maior. - Não podemos ficar aqui sentados a comer em paz enquanto os levam para os hospitais onde em vez de lhes darem o tratamento prometido os matam, NÃO PODEMOS! N..Ã..O PODEMOS!
A minha respiração é tão intensa que consigo sentir o ar que expiro nos meus ombros, o meu coração está tão acelerado como nunca esteve, uma elevada dose de adrenalina percorre o meu corpo e ao mesmo tempo sinto os meus dois olhos sincronizadamente a fecharem-se lentamente, a última coisa que os meus olhos conseguem enxergar é o rosto aterrorizado e assustado da minha mãe.
**
Sinto uma dor de cabeça horrível, a adrenalina que há pouco percorrera o meu corpo tornou-se agora numa dor, não física mas psicológica. Assim que consigo abrir os olhos visualizo uma maquina onde os meus batimentos cardíacos estão a ser constantemente registados, viro a cabeça com alguma dificuldade e visualizo um homem que está posicionado de costas para mim. Tem uma bata branca que lhe vai até ao joelhos. Rapidamente me apercebo que estou num hospital.
Lembro-me lentamente do que aconteceu em minha casa lembrando-me de que tinha defendido a comunidade lgbt à frente da minha mãe. Começo a juntar as peças, talvez a minha mãe me tenha denunciado e fui diretamente enviado para o hospital.
Rapidamente a dor torna-se novamente em adrenalina, começo a agitar-me na cama de hospital onde estou deitado e começo a gritar de seguida.
- VOCÊS NÃO PODEM FAZER-ME MAL! - grito o mais alto que posso.
Rapidamente duas enfermeiras acompanhadas do médico, que apenas lhe via as costas, aproximam-se de mim com alguns instrumentos que não sei identificar o que são.
"Doutor, o corpo do paciente está a entrar em choque." é a última coisa que ouço antes de perder todos os sentidos.
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Executado Por Ter Nascido
Science FictionChamo-me Peter e estamos em 2060, o futuro tão imaginado por todos. O futuro era descrito como algo positivo, grandioso, descrito um futuro em que iria existir uma geração que iria aceitar toda a comunidade lgbt, todos teriam os mesmos direitos, to...