Capítulo 2

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Tenho vontade de me levantar, espancar os dois guardas, pegar na mão de Thomas e correr para bem longe, mas sei que não me é permitido fazê-lo, seria automaticamente acusado de apoio a uma doença, que segundo o governo, ameaça a paz e a estabilidade mundial. Tretas. 

Mantenho-me sentado no lugar que há poucos minutos ocupei no centro do refeitório, o silêncio é o único som que se faz ouvir até que Thomas sai do liceu acompanhado dos dois guardas. Como é suposto curar uma doença que está interligada ao afeto que uma pessoa sente pela outra? Desvio o meu olhar para o meu tabuleiro iniciando a minha refeição. 

- Que cena. - constata Eva. - Sinceramente tenho muito medo no que o ser humano se está a tornar. 

O silêncio no refeitório acaba, o barulho da voz humana predomina novamente dentro das quatro paredes onde a cantina está inserida, excepto na nossa mesa. Todos se mantêm calados sem proclamar um único som ou ruído. 

                                                                                      **

Depois das aulas da parte da tarde terem terminado, chego a casa. São mais ou menos horas de jantar, geralmente é a estas horas que chego exceto quando algum professor falta e acabo por chegar mais cedo. 

- Olá Mãe. - cumprimento-a com um apertado abraço. 

- Olá Meu amor. - lança-me um olhar reconfortante.- Como correu a escola hoje? 

- Correu bem. - mas na verdade o dia de hoje foi tudo menos bom, primeiro o vídeo e logo a seguir o que aconteceu com o Thomas, foram muitos acontecimentos para um dia só. 

- Ainda bem, vamos meter a mesa que já estou cheia de fome. - diz ela com um falso sorriso. 

- Mãe... antes disso, está tudo bem?- questiono ao perceber que algo se passa. 

- Claro meu filho, porque não haveria de estar?-contrapõe. 

- Mãe... eu conheço-te, melhor do que pensas. - insisto. 

- É o teu pai. Quer acelerar o processo de divórcio. - rapidamente o pequeno sorriso que tinha desaparece-lhe do rosto.- E se eu não aceitar teremos de ir para tribunal. 

Os meus pais separaram-se há cerca de 4 meses. Foi o meu pai que quis terminar tudo justificando que encontrou outra mulher e que essa é verdadeiramente o amor da sua vida. Desde esse dia que a minha mãe nunca foi a mesma, anda triste mesmo que tente disfarçar, fragilizada e completamente arrasada. Todas as noites quando me vou deitar ao passar pelo quarto dela consigo ouvir o seu doloroso choro. 

- Mãe... ele está a seguir com a vida dele, tens de fazer o mesmo. - tento ajudá-la. 

- Eu sei meu amor. - responde-me. - Quando é que te tornas-te tão crescido e inteligente? O tempo passa sem piedade. 

Dou uma pequena gargalhada e abraço-a. Dirijo-me depois para a cozinha tirando os pratos de louça dos armários que ficam a poucos centímetros da bancada, tiro mais dois garfos e duas facas. A casa é rapidamente invadida pelo cheiro do estufado da minha mãe, é um cheiro completamente prazeroso. 

- Não sei como é que o pai vai fazer, mas certamente que em sítio algum ele irá encontrar pratos tão deliciosos como os teus. - digo lançando-lhe um sorriso. 

- Amo-te muito meu "pequeno grande" reguila. 

- Amo-te. -retribuo. 

Assim que todos os pratos e talheres estão posicionados em cima da mesa, sento-me e a minha mãe serve-me. Levo uma das minhas mãos à garrafa de água situada à minha frente e despejo o que ela contem para dentro do meu copo. Ligo a televisão. 

" Notícia de Última hora. Uma manifestação de um grupo de rebeldes compostos por 20 elementos,que protestavam contra o aprisionamento dos indivíduos portadores da síndrome de Homoslor,  resultou em 15 detenções, 2 mortos e os três indivíduos restantes encontram-se em fuga,  a polícia pede para quem souber do seu paradeiro que contacte a esquadra mais próxima de si... esta é uma notícia que iremos acompanhar ao longo deste jornal" 

Pego no comando com um gesto agressivo e rapidamente desligo a televisão. A minha respiração é perfeitamente audível, tornando-se cada vez mais ofegante. 

- Estás bem Peter? - pergunta-me a minha mãe. 

- NÃO MÃE! NADA DISTO ESTÁ BEM. - começo bastante exaltado- Porquê é que eles fazem isto? Porquê é que não podemos simplesmente amar quem queremos, não é uma doença, é amor, é o amor mais puro que pode existir. - a minha respiração fica cada vez mais acelerada. - CHEGA DISTO, CHEGA DESTA PERSEGUIÇÃO! - a minha frequência cardíaca torna-se cada vez maior. - Não podemos ficar aqui sentados a comer em paz enquanto os levam para os hospitais onde em vez de lhes darem o tratamento prometido os matam, NÃO PODEMOS! N..Ã..O PODEMOS!

A minha respiração é tão intensa que consigo sentir o ar que expiro nos meus ombros, o meu coração está tão acelerado como nunca esteve, uma elevada dose de adrenalina percorre o meu corpo e ao mesmo tempo sinto os meus dois olhos sincronizadamente a fecharem-se lentamente, a última coisa que os meus olhos conseguem enxergar é o rosto aterrorizado e assustado da minha mãe. 

                                                                                              **

Sinto uma dor de cabeça horrível, a adrenalina que há pouco percorrera o meu corpo tornou-se agora numa dor, não física mas psicológica. Assim que consigo abrir os olhos visualizo uma maquina onde os meus batimentos cardíacos estão a ser constantemente registados, viro a cabeça com alguma dificuldade e visualizo um homem que está posicionado de costas para mim. Tem uma bata branca que lhe vai até ao joelhos. Rapidamente me apercebo que estou num hospital. 


Lembro-me lentamente do que aconteceu em minha casa lembrando-me de que tinha defendido a comunidade lgbt à frente da minha mãe. Começo a juntar as peças, talvez a minha mãe me tenha denunciado e fui diretamente enviado para o hospital. 

Rapidamente a dor torna-se novamente em adrenalina, começo a agitar-me na cama de hospital onde estou deitado e começo a gritar de seguida. 

- VOCÊS NÃO PODEM FAZER-ME MAL! - grito o mais alto que posso. 

Rapidamente duas enfermeiras acompanhadas do médico, que apenas lhe via as costas, aproximam-se de mim com alguns instrumentos que não sei identificar o que são. 

"Doutor, o corpo do paciente está a entrar em choque." é a última coisa que ouço antes de perder todos os sentidos. 


Executado Por Ter NascidoOnde histórias criam vida. Descubra agora