Eu já estava no aeroporto, sentada na sala de espera e tremendo de ansiedade. Quer dizer, eu já havia viajado pro exterior antes, mas apenas uma vez, com 12 anos, para Buenos Aires com a minha família. Mas Londres era diferente, era o meu sonho desde criança. Comecei com isso porque lá haviam princesas, príncipes, reis e rainhas de verdade. É engraçado pensar nisso. Nossa, como eu mudei!
- Passageiros do vôo 6754, destino Londres, ir para a sala de embarque. - orienta a voz que sai pelos alto- falantes, me despertando de meu devaneio.
- Tá na hora. - Diz Jade com lágrimas nos olhos. - É pra me ligar pelo Skype todos os dias, ouviu?! Eu sei que com o fuso é difícil, mas se você não me ligar um só dia, eu vôo pra Londres só pra puxar sua orelha!
- Depois de uma ameaça dessas eu nem ousaria não ligar! - Digo rindo porém chorando ao mesmo tempo. Só agora a ficha de que eu realmente estou indo embora e deixando a minha vida inteira para trás está caindo. - Eu te amo com todo o amor do mundo.
- Eu te amo com todo o amor do mundo. - Ela diz, dessa vez se entregando totalmente às lágrimas e me puxando para o que provavelmente foi o abraço mais apertado e caloroso que eu já recebi na minha vida inteira. Um daqueles raros e valiosos abraços nos quais nos sentimos completamente amados. Em casa.
Nós ficamos nos abraçando por longos segundos enquanto eu tentava gravar o cheiro de seu perfume em minha mente. Jade e eu somos irmãs gêmeas bivitelinas, o que significa que não somos idênticas. Nós sempre tivemos uma conexão quase telepática uma com a outra; meus pais brincam que nós deveríamos ter sido gêmeas siamesas já que nunca nos desgrudamos. Somos o porto-seguro uma da outra, por isso esta despedida está sendo muito mais difícil do que qualquer outra coisa que eu já tenha feito na vida. Quando finalmente nos separamos, eu a olho com uma cara dengosa:
- Você ainda vai pra lá em agosto pra passar um mês, não vai? - Pergunto.
- É óbvio que sim! - Ela exclama como se eu tivesse acabado de fazer a pergunta mais idiota do mundo.
- Sem o Vinícius?! - Pergunto ainda com a mesma expressão dengosa no rosto, me referindo a seu namorado que está ao seu lado.
- Com certeza! - Ela responde dando um sorriso divertido enquanto batemos a palma de nossas mãos em um high-five.
- Ei! Eu ainda tô aqui! - Vinícius diz, fingindo indignação. - E infelizmente ainda com ouvidos!
Nós três rimos.
Eu vou sentir falta de ficar de vela desses dois. Eles são aquele tipo de casal que se você ficar observando vai ter vontade de ter um relacionamento igual. Dá pra notar que eles são perfeitos um pro outro só de perceber o jeito que ele olha pra ela ou vice-versa. Eu espero encontrar um amor assim algum dia.
- Eu poderia ser super clichê e pedir pra você cuidar bem dela enquanto eu não estou aqui, mas nós três sabemos que vai ser ao contrário, não é?
- Você não tá errada. - Vinícius encolhe os ombros e minha irmã dá um sorriso convencido.
Olho pro lado para encontrar meus pais olhando para nós três. Os dois já estavam em prantos, o que me fez chorar ainda mais.
Eu abraço os dois ao mesmo tempo, enterrando meu rosto em seus ombros e provavelmente enxarcando e sujando suas roupas com lágrimas e rímel.
- Tire muitas fotos, ouviu?! Eu quero fotos todos os dias! - Diz minha mãe, que está fazendo um leve esforço para não chorar e falhando miseravelmente.
A minha mãe é uma pessoa viciada em fotos e viagens, e tem um instablog sobre isso. Ela não tem muitos seguidores, mas isso é apenas um mero detalhe pra ela. É o que ela ama, e isso é tudo o que importa. Ela também é a pessoa mais estilosa que eu conheço e está sempre na moda. Eu e a minha irmã sempre pedimos ajuda a ela para nos vestirmos para qualquer ocasião. O que às vezes é estranho, mas já estamos acostumadas.
- Pode deixar, mas não sei se vão ficar tão boas quanto as suas. - Digo rindo, tirando meu rosto de seu ombro e olhando para ela. Eu com certeza estou parecendo um projeto de Coringa com a cara toda borrada por causa de todo o chororô, mas eu não me importo. Tudo que eu quero nesse momento é gravar o rosto de cada ente querido que veio se despedir de mim nesse aeroporto. Talvez eu esteja sendo dramática, mas na minha cabeça um ano é muita coisa. 365 dias. Tudo e qualquer coisa pode acontecer em 365 dias. E se o avião cair? E se eu for sequestrada e levada pra um lugar que nem existe no Mapa Mundi? E se eu, sei lá, infartar no caminho dessa sala de espera até a porta do avião?!
- Espera, você me elogiando do nada? O que tá acontecendo? - Minha mãe diz fingindo surpresa. Esqueci de dizer que pode ser meio debochada às vezes...
Reviro os olhos e começo a rir. Vou sentir falta das chatices da minha mãe.
Olho pro meu pai, que tem os olhos brilhando, o nariz vermelho e um sorriso triste. Acabo de me dar conta que nunca o vi chorando. Eu o abraço com toda a força que consigo reunir, sem conseguir conter as lágrimas que insistem em escorrer pelo meu rosto.
- Se em qualquer momento você quiser voltar por qualquer motivo é só voltar, tá bom? - Ele diz no meu ouvido, colocando uma quantia em dinheiro suficiente para uma passagem de ida para o Brasil no bolso da minha calça de moletom.
Meu pai nunca foi a favor da ideia de eu ficar longe dele, sozinha, por muito tempo. Nem eu e nem a minha irmã. Ele só cedeu porque eu sempre pedi isso como presente no meu aniversário de 18 anos. Por isso e também porque minha mãe e a minha irmã me ajudaram a convencê-lo. Quando nós três nos juntamos para fazer alguma coisa, nada fica no nosso caminho.
Coitado do meu pai.
- Obrigada pai, eu amo você. - Digo, achando seu gesto protetor algo fofo. Mesmo que eu não ache que algo que me faça querer desistir do meu sonho e voltar possa acontecer, eu pretendo guardar o dinheiro para uma possível emergência do gênero. Só por precaução.
Eu estou indo para Londres para fazer um intercâmbio de artes. Seria uma espécie de "ano sabático" para eu me encontrar. Eu não quero simplesmente ir para uma faculdade apenas por ir e acabar fazendo um curso monótono que vai me prender numa cadeira de escritório de frente para um computador pelo resto da minha vida. Eu quero mais que isso. Eu quero fazer algo que me faça levantar da cama todos os dias com vontade de viver. Algo que faça a minha alma pegar fogo. E é isso que eu sinto quando estou cantando, escrevendo, dançando, atuando ou fazendo qualquer outra coisa relacionada ao meio artístico: eu sinto que poderia entrar em combustão de tanto que minha alma queima ao fazer aquilo. De tanto que ela anseia por aquilo.
Isso fez algum sentido?
- Eu também te amo, filha.
Quando nos soltamos do abraço, meu pai me dá um beijo na testa.
Me afasto dos quatro, olhando-os sorrindo.
- Tentem não sentir muito a minha falta! - digo brincando e todos riem. Ando mais alguns passos de costas, olhando para aquelas pessoas com quem já estou acostumada a dividir a minha vida todos os dias e sem conseguir me imaginar sem elas. Meu Deus, isso vai ser tão difícil! Mas vai valer a pena.
Ainda com os olhos marejados, levo a mão até a boca e mando um beijo para todos. Dou um último sorriso triste e um aceno final, finalmente me virando e andando até o local do embarque com a minha pequena mala prateada balançando atrás de mim. Sem olhar pra trás.