Prólogo

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     Conforme os últimos raios solares abandonavam o horizonte, a cidade parecia enfim despertar. As pessoas deixavam o conforto de suas casas para perderem-se no espetáculo de cores e luzes que se tornaram as ruas. Músicos se posicionavam nas calçadas, com seus instrumentos prontos para serem tocados noite adentro, os bailarinos reuniam-se nas praças performando coreografias cuidadosamente ensaiadas.

     Todos os tipos de pessoas caminhavam juntos, desde mercadores e serviçais até a própria realeza. Assim era Rêve, a cidade dos sonhos, a capital de um país completamente dominado pelas artes. Um lugar onde havia, sim, infelicidade, desigualdade, mas onde todos possuíam a habilidade de perder-se admirando a beleza das expressões artísticas, de colocar a arte acima de suas origens. Lá, os mais diferentes tipos poderiam entrar em sintonia.

     E, embora fosse de se esperar que todos os habitantes de Rêve estivessem imersos no caos animado das ruas, em um prediozinho, dentro de um pequeno quarto, escondiam-se dois amantes. Jean e Antonieta. Um pouco irônico pensar que há poucas semanas eles eram parte daquela multidão energizada, rostos anônimos festejando. Até que seus olhos se encontraram. E agora estavam tão imersos em seu próprio mundo, criado por amor e promessas, que todo o resto parecia simplesmente não existir.

     Jean era um homem de poucas paixões. Uma delas, é claro, era a arte. Ele era um pintor de rua que passava todas as suas manhãs na praça principal da cidade, com seu cavalete e persistência, em uma busca infindável pela fama. Sua outra paixão deitava-se diante dele, adormecida em um divã. Antonieta. Havia algo inexplicável sobre ela, algum tipo de magnetismo, puxando Jean sempre para perto. Ele adorava como ela o fazia se sentir. Adorava o som de sua voz, a forma como ela se movia. Adorava ainda mais sua aparência.

     Já havia colocado a beleza de Antonieta no papel tantas vezes que não era mais necessário olhá-la para fazer seus retratos. Ainda assim, não conseguia parar de desenhá-la e, mesmo naquele momento íntimo, o grafite sussurrava em suas mãos.

     Jean mal percebeu que Antonieta havia acordado, tão concentrado estava em seus rascunhos, até que olhou para sua modelo e encontrou-a sorrindo, observando-o com seus brilhantes olhos azuis. Para pintá-los, Jean notou, teria que utilizar o mesmo tom de tinta dos oceanos que retratava em suas paisagens. Antonieta estendeu-lhe a mão e ele agarrou-a, subitamente ansioso pelo toque da amante. Deixou de lado os papéis e o lápis, juntando-se a ela no divã.

— Eu te amo tanto — ela sussurrou — Sempre vou amar.

— Sempre?

— Sempre.

     E eles de fato se amaram naquela noite, na seguinte e nas inúmeras outras que vieram depois. Poucas coisas, entretanto, eram eternas. E Jean e Antonieta não eram uma delas.


Palavras: 454

Boulevard de Sonhos PerdidosWhere stories live. Discover now