It's just a cigarette

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O grito interno e silencioso foi quase como uma ordem para que eu levantasse, mesmo eu e meu subconsciente sabendo que o astro rei mal teria surgido sobre as colinas, obriguei-me a abrir os olhos, vislumbrando o meu quarto cinzento e de áurea fumacenta, que por incrível que possa ser, não vinha do meu cinzeiro da cômoda ao meu lado, e sim de todas as fotos, quadros e livros que possuía aqui no cômodo. Jogado sobre a estante estava os livros velhos, sobre filosofia, história e até contos de fadas. E nas paredes pendurados estavam as inúmeras fotos reveladas e quadros pintados por mim próprio retratando a cotidiana vida de um garoto triste e solitário. Olhei pela janela, e pude ver o vidro impedindo que a brisa criticamente fria entrasse no quarto de forma ligeira, como um sopro, atrevido.

Ergui minimamente o tronco, o suficiente para que eu esticasse e a abrisse, ignorando a dor de cabeça, o frio, a saudade, por míseros segundos. Toquei o vidro, mas rapidamente senti o choque do frio. Nem a madeira bruta foi poupada da rigidez congelação. As não iria desistir, mais uma vez forcei o lado esquerdo da janela, e pude logo sentir o vento apressando-se a me provocar, do jeito travesso que ele sempre foi.

Com todo esse frio, apenas desejei uma coisa. Tabaco. Mas parece que nossas mentes continuavam sendo uma só, pois parece que nesse mesmo instante senti algo mais forte bagunçar meus fios castanhos. Tão protetor. Mesmo após me abandonar continuava enchendo-me o saco.

- É só um cigarro e não pode ser tão ruim!

-Você não me ama e sabe que me deixa triste?

- É só um cigarro como você sempre costumava fuma.

- Eu era diferente, eu não preciso deles para ser descolado.

Idiota. Estava tão certo e ao mesmo tempo tão errado. Meus belos pulmões continuam firmes e fortes eu acho. Mas como era de se esperar, deixou-lhe triste. Isso era motivo para você me abandonar? Nesse frio? Logo tu que sempre disseras que não se deve abandonar uma pessoa no inverno, foi justo o que você fez. Ainda posso sentir seus dedos fino e levemente calejados acariciando minhas bochechas que provavelmente estavam de cor rubra por causa da sua aproximação. E o cheiro do tabaco, delicioso tabaco, o calor seu e o dele se misturam e posso sentir o sufoco aconchegante que é.

É disso que eu preciso agora. Você dois.

Mas apenas o cigarro não me abandonou.

Sei que a caixa de Marlboro Light continua no fundo da sua gaveta. Só não a capturei ainda por medo. Medo do escudo de fotos e cartas suas que estão guardadas ali. Mas hoje não era dia para a falta de coragem. O céu permanecia infestado de estrelas, e você estava brilhante, mas agora já estava mais baixo, porque logo você iria dar lugar ao sol, lhe encarei, e você sabia o que eu iria fazer. Abri a gaveta, e a primeira coisa que vi foram polaroids nossas. Em cada canto desse quarto. Você era um fanático por fotografia. Eu sentado na poltrona, escorado na estante, deitado na cama pela manhã, e até depois de nossos momentos íntimos. Você precisava registrar tudo, para não se esquecer de nada, como você odiava esquecer as coisas...

Logo após vinham as cartas, que trocamos na época da faculdade. Contado histórias rotineiras, desabafos, até mesmo desenhos meus estavam em algumas. Era um ingênuo e puro amor jovem. Sem regras, e sem limites... ou não. Outra brisa fria fez-me acordar do transe e lembrar do que eu precisava. Cuidadosamente peguei a caixa, intacta ainda, a tradicional caixa de amigos. Eles sim não me abandonam e me aquecem, como você fazia todas as noites mesmo que fosse verão.

- É apenas um cigarro e machuca os seus belos pulmões

- Bem, é apenas duas vezes por semana, então não há muita chance

- É só um cigarro logo será só dez...

-Você não confia em mim? Quando eu quiser parar eu consigo.

Eu consigo. É claro que sim.

É apenas um cigarro, sempre foi só isso! Você que queria que eu ficasse sozinho certo?

Sinto as lágrimas vindo, e o nó na garganta formando-se e ele também era frio. Procurei o isqueiro ali também na gaveta. Levantei com minhas armas em mãos, me aproximando da janela. Iria fazer isso enquanto você me encarava. Abri a caixa, e meus olhos brilhavam com a quantidade que possuía ali. 0,6 de nicotina só para mim. Acendi-o, e logo já estavam pendendo par o lado direito dos meus lábios. Senti o calor descer por todo o meu corpo, o cheiro, enlouquecedor, lembra-me você. Soltei a fumaça que se fundia ao vento que passava.

Eu sentia falta dos cigarros, de você, da nossa vida que era um dueto harmonioso. Como eu sentia falta.

Como? Quer que eu vá até você? Como posso fazer isso?

Quer que eu te alcance? Mas Xing, você está tão longe. Posso ver suas covinhas brilharem para mim daí da lua. Eu lhe quero tanto.

Dei uma última baforada do cigarro, e quanto mais quente me sentia, mais inconsciente eu me sentia. Eu preciso de vocês dois para sempre. Olhei para trás uma última vez, o nosso quarto cinzento sempre foi e sempre será cinzento. Assim como nossos pulmões, nossas vidas, e nossos cigarros. Apaguei o cigarro no cinzeiro, e sentei-me na janela.

- Você confia em mim agora, certo?

Acho que sim, pois logo que me joguei, senti seus braços abraçarem minha cintura, e então mais uma vez a segurança que você me passava. Senti o calor dos cigarros, agora pelo meu corpo todo, por completo, sem nenhuma brecha, e também seu cheiro.. Como senti falta desse seu cheiro...

A morte tem cheiro de Malboro Light, de Zhang Yixing.



*história narrada por Kim Junmyeon

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⏰ Última atualização: Aug 17, 2017 ⏰

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