PARTE UM: A FAZENDA DAS ROMÃS
10 de Junho de 1940
Eu já imaginava que sua curiosidade falaria mais alto ao ponto de você querer ler isso. É impressionante como vocês, mortais, são tão descontrolados e impulsivos. O certo ao terminar de ler o título do capítulo seria não ler mais nenhuma palavra do que aqui escrevo, porém, ao serem proibidos de fazer algo, faz com que vocês queiram fazer esse algo. Mesmo sendo um deus, admito que também tenho esse problema de impulsividade. Acredito que a maioria dos deuses o tenham. Mas não vamos falar de mim, afinal, não é minha história, e sim, a das crianças Di Angelo.
Fiquei quase meia hora sentado numa cadeira, com minhas mãos apoiadas sobre a mesa, pensando em como começar a escrever essa trágica história, repleta de horror, monstros, mortes e desventuras inimagináveis. Ainda bem que as Parcas capricharam no destino dessas crianças, do contrário, eu não teria uma história interessante para contar.
Prestem atenção ao meu aviso: Não irei me responsabilizar pelas suas lágrimas, risos, medo, nervosismo, e outras emoções desconfortáveis ou não. Essa história pode até ter crianças como protagonistas, contudo, não é recomendada ao público infantil. Se eu fosse você, eu procuraria outra coisa mais prazerosa e divertida pra ler, porém, se quiser conhecer mais sobre a antiga vida das crianças Di Angelo, tudo bem. Continue lendo.
Meu nome é Tânatos, –mas podem me chamar de Tio Morte se assim preferirem – sou o deus primordial da morte (ah, não me diga!), tipo o carinha com capuz e foice que talvez vocês estejam, provavelmente, acostumados a ver nos filmes, livros, séries e tudo mais. Mas não costumo usar capuz e nem foice. Sou encarregado de levar as almas até o Mundo Inferior, onde elas são julgadas e mandadas á um sofrimento eterno, ou uma vida pós-morte normal, ou abençoada. Agora, sentam-se todos que irei contar uma história real. Para isso, teremos que visitar a Itália. Vocês já foram à Veneza? Se sim, podemos compartilhar nossas experiências. Se não...Bom, espero que um dia você consiga ir, até porque, você só tem uma vida, e eu não demoro muito para ir buscar as almas. Se você não tem vontade de conhecer a cidade, tudo bem. Veneza é famosa pela beleza de sua arquitetura e obras de arte. Tem certeza de que não tem vontade de conhecer esse belo lugar? Nem sei quantas vezes eu já visitei aquela linda cidade, e nunca me canso de dar uma passadinha por lá de vez em quando. Acredite em mim, vale à pena você gastar seu dinheiro conhecendo Veneza.
E, olha só que surpresa! (Nem tanto) Nossos protagonistas são italianos, nascidos e criados em Veneza. Tenho certeza de que conhece eles. Se não, caramba, como você é lerdo(a)! Vou dar uma dica: O sobrenome deles é relacionado com a palavra "anjo". Aham. Sim, são eles, Nico e Bianca Di Angelo. Você já deve estar farto de ouvir a história deles. Nico e Bianca ficaram confinados no Hotel Lótus, blá-blá-blá-blá, Bianca virou caçadora e morreu, blá-blá-blá-blá, Nico ficou de luto durante um tempo, mas depois de anos conseguiu superar a morte da irmã e blá-blá-blá-blá...
Sei que vocês conhecem essa história, que quando contada pela primeira vez, fora algo absurdamente incrível, mas depois, tornou-se algo enjoativo, como um filme assistido mais de uma vez. Contudo, vocês realmente não conhecem e nem sabem o que aconteceu antes do Hotel Lótus, na época em que Nico e Bianca viviam em Veneza. Até hoje, ainda não me decidi se a vida das crianças Di Angelo era mais interessante naquela época do que quando chegaram ao século XXI e enfrentaram mais monstros, portanto, cabe a você, leitor(a), a dar sua opinião no final dessa história.
Nós estamos em 1940, e a Segunda Guerra Mundial está fervendo. Não irei dar muitos detalhes, pois acredito que tenham estudado sobre isso na escola, ou pelo menos, tenham prestado atenção na aula. De qualquer forma, apenas saibam que graças ao ditador facista, Benito Mussolini, a Itália declarou guerra contra Inglaterra e França, que eram dois países opostos ao nazismo, e como todos vocês sabem, –ou espero que saibam – Mussolini era como o BFF de Hitler, e ambos tinham quase o mesmo pensamento. Mas chega de aula de história por agora. Acredito que você esteja se perguntando o porquê comentei isso. Bom, esse acontecimento será de extrema importância no desfecho do que aqui escrevo.
Além de estarmos na década de 40, nos encontramos em San Polo, um dos Sestieri de Veneza. Cada cidade italiana tem suas divisões que entendemos como bairros, mas para os italianos, essa divisão denomina-se "Sestiere", portanto, podemos dizer que San Polo era um bairro nobre de Veneza, e era lá onde ficava a mansão Di Angelo. Sim, eles eram ricos. O pai falecido de Maria foi diplomata em Washington, e ela havia herdado toda a sua fortuna.
Nem parecia que estava acontecendo uma guerra mundo afora, pois era só mais um dia normal em Veneza. Mesmo com o frio e o vento cortante, os raios de sol iluminavam os canais, as pessoas andavam agasalhadas pelas ruas estreitas, crianças corriam voltando da escola, os cafés, pizzarias, e outras lojas de conveniência estavam abertas, recebendo a todos com alegria. Não era verão e nem estava no meio da alta temporada, por isso que Veneza encontrava-se agradável, sem toda aquela terrível multidão de turistas.
O carro de Alessandro entrou em uma rua menor, passando por uma pequena praça cheia de crianças. Dentre elas, estava o melhor amigo de Nico segurando uma bola de futebol.
- Daniel! – Chamou Nico.
Daniel olhou em direção ao carro onde estavam as crianças Di Angelo e acenou com um sorriso travesso nos lábios. Eles retribuíram o gesto, ambos sorridentes. Nico ficou o observando com os olhos brilhando, e se perguntando o porquê Daniel tinha faltado aula. Então a praça se tornou um minúsculo ponto no final da rua. Ele se virou e se endireitou no banco de trás ao lado da irmã, chutando para o chão sua mochila de escola.
Como vocês sabem, ele era o irmão mais novo, e naquela época, tinha sete anos, enquanto Bianca tinha nove. Mesmo nessa idade, a menina entendia que o mundo estava em guerra e que as pessoas estavam lutando umas contra as outras, contudo, ela não compreendia o porquê de tudo aquilo e sempre se perguntava: "Por que as pessoas não podem resolver seus problemas conversando?" Nico era ainda mais ingênuo. Ele não sabia o que estava acontecendo mundo afora. Era óbvio que o mesmo não entendia o conceito de guerra, assim como Bianca, e não se importava em não saber.
Daniel Salvatore só recebeu esse nome por conta de que sua mãe acreditava que "Daniel" era nome de anjo, e perdoe a sinceridade, mas no caso daquele garoto, "Daniel" está mais pra demônio. Ele e Nico di Angelo eram como irmãos. Os dois cresciam juntos e eram melhores amigos desde a scuella dell' infanzia. (Jardim de Infância), ou seja, desde o ano passado. Mesmo Daniel sendo bagunceiro e irritante, os dois se davam muito bem, principalmente quando se metiam em confusões na escola, tais como no dia em que Daniel enfiou uma régua no nariz de um valentão e Nico levou a culpa. Daniel tinha olhos castanhos, cabelos lisos da mesma cor e pele pálida como giz. Ele nunca penteava os cabelos e nem usava o uniforme por dentro da calça, além de ser muito desleixado e preguiçoso. Era provável que aquilo iria afetar sua formação intelectual e humana. Daniel tinha apenas sete anos, mas carregava consigo uma maturidade imprópria para idade. Não contarei mais nada sobre sua personalidade, vocês irão entender no desfecho dos capítulos.
O carro entrou pelo jardim da mansão di Angelo, passando pelas lindas árvores frutíferas. Alguns dos jardineiros aparavam a grama, cortavam os arbustos, regavam as plantas e colhiam os frutos. As crianças observaram os empregados trabalhando pela janela do carro enquanto o motorista, Alessandro, começava a estacionar na entrada da casa.
Nico foi o primeiro a sair de dentro do carro. Ele correu, subindo os degraus da entrada de sua casa, e bateu freneticamente na porta, dando pulinhos animados. Bianca, ansiosa, saiu do carro levando consigo sua mochila e a mochila do irmão, que o mesmo havia deixado para trás de propósito. Alessandro, o motorista, saiu por último e parou ao lado das crianças. A porta da mansão se abriu, revelando a empregada da casa, Carlota. Pobre Carlota. Assim que abriu a porta, ela foi atropelada pelas crianças que entraram correndo.
- Oh. – Fez ela, ajeitando seu uniforme e recuperando o equilíbrio.
Alessandro ia dar um sermão nas crianças por terem feito aquilo, porém, Nico e Bianca já estavam longe o suficiente para não escutar. Os dois correram em direção à sala de estar, rindo e gritando.
- EU VOU CHEGAR PRIMEIRO QUE VOCÊ! –Exclamou Nico.
Infelizmente, ao chegarem ao cômodo desejado, nem um dos dois venceram a corrida apostada no carro. Era como se uma enorme parede invisível batesse contra Nico e Bianca, pois ambos pararam de correr na mesma hora ao verem quem estava na mansão. Além de estarem surpresos com a presença do pai, que raramente os visitavam, eles estavam confusos ao notarem a expressão da mãe deles. Maria aparentava estar irritada e as crianças tinham certeza de que não era porque haviam entrado correndo e gritando no cômodo. Hades encarou as crianças por alguns segundos com um pequeno sorriso nos lábios, que logo se desfez ao notar o olhar reprovador de Maria. Ele deu uma piscadela na direção das crianças, mas nem Nico e Bianca sorriram ao verem o pai os cumprimentando. Os dois não conseguiam se sentir bem na presença do ser repugnante que estava na sala, ao lado dos pais.
Se você acha que tem vizinhos fofoqueiros, chatos, mal-humorados e desagradáveis, é porque você nunca conheceu o Sr. Shievanno. Ele deveria ter uns setenta e poucos anos, tinha uma enorme e feia cicatriz na bochecha esquerda por cima da pele enrugada e gélidos olhos azuis. Sua esposa havia falecido a três anos, tinha um filho militar chamado Pietro, mas morava sozinho, se irritava fácil, gostava de assustar criançinhas, e ainda roubava seus brinquedos. Corriam boatos em todo San Polo que o Sr. Shievanno havia enterrado sua esposa no porão de sua casa, e que falava com velas. Todos o temiam, principalmente as crianças. O Sr. Shievanno não tinha compaixão nem amor ao próximo, nunca desejava o bem para as pessoas, pagava os empregados de sua mansão com cupons, e odiava quando questionavam seus atos cruéis.
Por incrível que pareça, Luigi Shievanno já fora muito feliz na época em que sua esposa estava viva, mas seu mundo todo desmoronou com a morte da amada, e ele tornou-se um senhor mesquinho. Seu único filho, Pietro, o abandonou se mudando para Florença. Ele nunca escrevera cartas ao pai antes, sempre fora ocupado demais no comitê de guerra. Os anos foram se passando e a infelicidade tomou conta do Sr. Shievanno até chegar ao ponto de ele afastar qualquer um que tentasse o ajudar. Ele não confiava mais em ninguém e descontava toda a sua tristeza nas pessoas, tratando-as mal. Por acaso, isso te faz lembrar de alguém?
Vou ser sincero com vocês. Se Nico di Angelo não tivesse feito amigos no Século XXI, pessoas com quem pudesse conversar além da irmã falecida, e um namoradinho que o tirasse das sombras...Era provável que poderia se tornar um ser ainda mais repugnante que o Sr. Shievanno quando fosse mais velho. Nico poderia ser um idoso mal-humorado, sozinho e que odiasse crianças assim como seu antigo vizinho. Ainda bem que isso não vai acontecer. De qualquer forma, as Parcas pegaram pesado com aquele pobre homem. Imagino que pensam que ele fora levado aos Campos de Punição depois que morreu, e eu digo que não. O destino do Sr. Shievanno fora ainda pior do que uma punição eterna no Érebo.
Mas enquanto estivera vivendo seus últimos dias, sua única alegria –ou possível alegria –era cera. Se alguém tivesse coragem de visitar a mansão de Shievanno um dia, veriam estátuas que pareciam serem reais feitas com cera, inúmeras velas espalhadas pela casa, e lindas corujinhas e outros enfeites em sua mesa feitos também com cera. (Além dos boatos das velas, corriam rumores de que ele conversava com as estátuas também e que algumas delas piscavam os olhos pintados para ele no meio da noite. Mas eram apenas boatos. Ninguém, de fato, sabia se isso era realmente verdade.)
De qualquer forma, lá estava Shievanno, na sala de estar da mansão Di Angelo, mandando um olhar assassino na direção das crianças. Ele era vizinho dos Di Angelo, e sua casa ficava atrás da mansão deles. Nico já perdera a conta de quantas vezes deixara, sem querer, sua bola de futebol cair no gramado de Shievanno, e Bianca já havia perdido várias de suas bonecas enquanto brincava em frente à casa do vizinho. Ou seja, se alguém chegasse perto, esquecesse ou deixasse algo no gramado da casa de Shievanno, já era. Pode chorar, espernear e gritar o quanto quiser. Shievanno nunca devolvia as coisas de ninguém.
- Aí está o pestinha. – Disse o velho com sua voz esganiçada.
Bianca estremeceu e Nico engoliu em seco, pois sabia que o vizinho estava se referindo a ele. Maria deu uma olhada em Shievanno, parecendo não gostar de ouvir da boca do velho aquela ofensa contra seu filho. Hades...Bom, Hades ficou apenas observando a cena com a expressão serena estampada em seu rosto.
- Eu poderia muito bem fazer você consertar minha janela quebrada. – Começou Shievanno apontando seu dedo magrelo na direção do menino. – Mas sua mamãe aqui discorda disso e já até deu entrada no pagamento adiantado da vidraça. Se os dois fossem criados por mim, já teriam aprendido boas maneiras com porradas!
Todos no cômodo arregalaram os olhos com o palavrão dito do velho, menos Hades, que permaneceu quieto, assistindo a cena, curioso, com seus olhos escuros semicerrados na direção do vizinho dos Di Angelo.
Nico e Bianca não conseguiam mover nem um músculo de tanto medo. As crianças continuavam encarando Shievanno, como se ele fosse um leão selvagem prestes a dar o bote. Por fim, Maria disse.
- Nico, peça desculpas pela vidraça quebrada.
Mais uma vez, Nico engoliu em seco. Ele olhou para a mãe com os olhos suplicantes, mas Maria o instruiu que fizesse o que mandava, e seu gesto rígido demonstrava que a mesma estava impaciente. Contra a vontade, Nico disse baixinho, parecendo estar interessado nos próprios pés.
- Desculpe pela vidraça, Sr. Shievanno. Juro de dedinho mindinho nunca mais jogar futebol perto de seu quintal.
- Juro de dedinho mindinho nunca mais jogar futebol perto do seu quintal. – Repetiu Shievanno em falsete e em tom de deboche. – Ora, fale igual homem, pestinha!
Nico se encolheu. Mesmo de cabeça baixa, dava para perceber que o menino estava vermelho. A expressão de Hades tornou-se dura e o deus pensou em transformar Shievanno em uma barata para pisotea-lá em seguida. Maria trincou os dentes e disse, com raiva.
- Sr. Shievanno... – Ela cuspiu as palavras como se tivessem com um gosto azedo. – O senhor insulta meu filho, fala palavrão perto das crianças, e ainda critica meu jeito de educá-los?!
Nico levantou a cabeça e trocou olhares com a irmã. Hades deu um passo à frente, disposto a segurar Maria caso a mulher decidisse estapear Shievanno.
- ...Mas que audácia! – Exclamou ela. – Reconheço que Nico não deveria jogar futebol perto de seu gramado, mas isso não justifica a forma em que trata meus filhos! Essa não foi a primeira vez que recebo reclamações estúpidas vindo do senhor! Aliás, gostaria muito de saber onde estão os brinquedos dos meus filhos que foram parar em seu gramado e até hoje o senhor não os devolveu!
Maria cruzou os braços, sem parar de falar.
- O senhor deveria ter, pelo menos o discernimento, de aceitar desculpas vindas de uma criança! Para que fazer todo esse escândalo por uma simples vidraça quebrada sendo que já paguei o concerto?!
Rangendo os dentes, Shievanno disse.
-Mantenha seus pestinhas longe do meu quintal.
As crianças prenderam a respiração. Hades franziu a testa, sem tirar os olhos do velho. Shievanno caminhou em direção a porta de saída e a empregada, Carlota – que ninguém a havia visto no cômodo até então – logo se apressou para ajudá-lo a pegar seu casaco e chapéu que estavam pendurados no cabideiro. Maria abriu a boca para falar mais alguma coisa, mas seu vizinho a interrompeu.
- Passar bem, Sra. di Angelo. – Rosnou botando seu chapéu na cabeça.
Era óbvio que ele disse aquilo apenas da boca pra fora. Ele não se importava com o bem de ninguém. Shievanno deu uma última olhada nas crianças Di Angelo, em seguida, encarou Maria e Hades por uns segundos. Carlota tentou acompanhá-lo a passos largos, seguindo-o pelo corredor quando o mesmo saiu. Com certeza, o vizinho não se contentara com as palavras vindas de Maria sobre os brinquedos perdidos, a vidraça quebrada, e a ofensa contra seu filho.
Timidamente, o pequeno Nico olhou para a mãe, e pela cara de Maria ele soube que estava encrencado.CURIOSIDADES
* O nome "Bianca" significa "Branco" em italiano, e seu sobrenome "Di Angelo", significa "Desde o anjo", portanto, podemos dizer que seu nome completo significa "Branco do Anjo", ou simplesmente "Anjo Branco."
* "Anormale" é uma palavra italiana que significa "Anormal".
* A Itália deixou de ser fascista em 1943, quando Benito Mussolini renunciou.
YOU ARE READING
Anormale
FanfictionCARO LEITOR, SE VOCÊ ABRIU ESSE LIVRO, ENTÃO SIGINIFICA QUE ESTÁ INTERESSADO NESSA HISTÓRIA DEPRIMENTE, PORTANTO, CONTINUE LENDO A SINOPSE. NICO E BIANCA DI ANGELO ERAM CRIANÇAS ENCANTADORAS. APRESENTAVAM CARACTERÍSTICAS FACIAIS AGRADÁVEIS, COM BE...