Ao olhar para trás, percebo que fiquei um pouco atordoada nos primeiros nove meses após a morte de Will. Fui direto para Paris e simplesmente não voltei para casa, eufórica com a liberdade, com os desejos que Will despertara em mim. Arranjei um emprego num dos bares preferidos dos imigrantes, onde ninguém se incomodava com meu francês horrível, que no final acabou melhorando. Aluguei um quartinho num sótão, no décimo sexto arrondissement, em cima de um restaurante de comida do Oriente Médio, e ficava acordada na cama ouvindo o barulho dos beberrões notívagos e as entregas matinais. Todo dia eu tinha a impressão de estar levando a vida de outra pessoa.
Naqueles primeiros meses, parecia que eu estava em carne viva: eu sentia tudo com mais intensidade. Acordava rindo ou chorando, enxergava todas as coisas como se um filtro tivesse sido removido. Experimentava comidas novas, andava por ruas desconhecidas, falava com as pessoas numa língua que não era a minha. De vez em quando eu me sentia assombrada por Will, como se estivesse vendo tudo pelos olhos dele, como se escutasse a voz dele no meu ouvido.
E, então, o que acha disso, Clark?
Eu disse que você ia adorar.
Coma! Prove! Vá em frente!
Eu estava perdida sem nossa rotina. Minhas mãos demoraram semanas para não se sentir inúteis sem o contato diário com o corpo dele: a camisa macia que eu abotoava, as mãos quentes e imóveis que eu lavava com delicadeza, o cabelo sedoso que eu ainda conseguia sentir entre meus dedos. A voz dele e a risada abrupta conquistada a duras penas faziam falta, assim como o toque dos seus lábios nos meus dedos, o jeito que suas pálpebras baixavam quando ele estava quase pegando no sono. Minha mãe, ainda horrorizada com a minha participação naquilo, me dissera que, embora me amasse, não era capaz de conciliar essa Louisa com a filha que ela criara. Assim, tendo perdido minha família e o homem que eu amava, todos os vínculos que eu possuía com quem eu era foram cortados. Tinha a sensação de que eu simplesmente saíra voando, sem amarras, para algum universo desconhecido.
Então encenei uma vida nova. Fiz amizades casuais com outros turistas, sempre mantendo certa distância: jovens estudantes ingleses em anos sabáticos, americanos refazendo os passos de heróis literários, convencidos de que nunca voltariam ao Meio-Oeste, jovens banqueiros ricos, gente visitando a cidade inteira em um único dia, um conjunto de pessoas sempre diferente que chegava e ia embora, como fugitivos de outras vidas. Eu sorria, conversava e trabalhava, e dizia a mim mesma que estava fazendo o que ele queria. E, pelo menos nisso, tinha que haver algum consolo.
O inverno passou e a primavera foi linda. Mas de repente acordei certa manhã e percebi que tinha me desapaixonado por Paris. Ou pelo menos não me sentia parisiense o bastante para continuar ali. As histórias dos imigrantes começaram a soar enfadonhamente parecidas, os parisienses, a parecer antipáticos, e no mínimo eu notava várias vezes por dia, de inúmeras maneiras, que nunca me integraria completamente. A cidade, fascinante como era, passava a impressão de ser um glamoroso vestido de alta-costura que eu comprara às pressas, mas que, no final das contas, não caía bem em mim. Pedi demissão e fui viajar pela Europa.
Nunca passei dois meses me sentindo tão inadequada. Eu ficava quase o tempo todo sozinha. Odiava não saber onde ia dormir a cada noite, estava sempre ansiosa com os horários dos trens e com a moeda corrente, além de ter dificuldade para fazer amigos por não confiar em ninguém que eu conhecia. E o que eu podia dizer sobre mim mesma, afinal? Quando as pessoas me perguntavam, eu só mencionava os detalhes mais superficiais.
Não podia compartilhar nada que era importante ou interessante a meu respeito. Sem ter alguém com quem conversar, toda paisagem que eu via - fosse a Fontana di Trevi ou um canal em Amsterdã - parecia apenas mais um lugar para riscar da lista. Passei a última semana numa praia na Grécia que me lembrou demais de outra que eu tinha visitado com Will pouco tempo antes. Por fim, após passar uma semana sentada na areia dando fora em homens bronzeados - sendo que todos pareciam se chamar Dmitri - e tentando me convencer de que estava realmente me divertindo, desisti e voltei para Paris. Foi a primeira vez que me dei conta de que não tinha outro lugar para ir.
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Como eu era depois de você
RomanceQuando uma história termina, outra tem que começar. Lou ainda não superou a perda que enfrentou em Como eu era antes de você. Morando em um flat em Londres, ela trabalha como garçonete em um pub no aeroporto. Certo dia, após beber muito, Lou cai do...