A vida lhe foi!
A vida lhe foi miserável!
Nem na hora fatal lhe aconteceu algo, ao menos, digno. Foi humilhante! Afogado num esgoto. A boca cheia de merdas e outros detritos. Fora parar ali fugindo de uns tantos que queriam esfolá-lo vivo. Seus perseguidores até que gostariam de ver seu corpo inanimado e todo imundo, só que não terão esse gosto. Ele ficou entalado, preso em qualquer coisa no fundo do esgoto... Desculpe leitor, mas meu estômago não aguentou ficar tanto tempo lá para ver o que o prendeu. Digo que vai apodrecer e se decompor lá. Por não ter o corpo encontrado, passará para a história como um ladrão, estuprador, medroso, eterno covarde, que preferiu fugir abandonando a mulher grávida e os três filhos; que só pensou em si e nunca mais voltou.
São dois tristes fins para qualquer pessoa. A história que fica, ser lembrado como covarde; e o que de fato aconteceu, apodrecer no fundo de um esgoto. Ele mesmo não teria sonhado com isso, é claro, mas se lhe contassem que esse seria seu fim, creio, não duvidaria. Vida toda errada, apesar de quase nunca ser culpado pelo seu fado e sempre ter boa intenção. O destino lhe foi ingrato demais!
A mãe era uma prostituta vulgar e sem sorte. Ela tentou mudar de vida e se esforçou pra isso. Mas quando chegou a ficar quase dois meses sem se deitar com amor ou cliente e tentava se firmar num emprego, menos rentável, mas mais aceito pela sociedade, foi violentada, dilacerada, estuprada por um grupo de não me lembro quantos, liderados por um filho de deputado. Resultado? Trauma, dor indignação, revolta com a vida, vergonha e uma gravidez indesejada. Fez de tudo para perder a criança, mas nada deu certo. Uma rara amiga, otimista, dizia que quando o bebê estivesse em seus braços ela ficaria como que encantada, o amor de mãe falaria mais alto e ela iria amar a criança. Pode até ser que tenha acontecido tudo isso, porém com outro filho. Esse, quando rebentou, foi colocado numa sacola plástica e jogado num rio poluído. Ela nunca soube do resto da história da criança!
Pensando que fosse algo de comer, uma dessas miseráveis que catam coisas no lixo, pegou a sacola e ficou visivelmente chateada quando percebeu que se tratava de uma criança. Ia devolver o bebê ao rio... Pensou melhor... Viu ali uma possibilidade de ganhar algum dinheiro com ele.
Chantageou uns amantes, dizendo que o filho era deles. Entretanto, não dá para tirar muito de quem bem pouco tem.
Ia para os portões de um bairro melhor pedir comida. Mostrava a criança magra e feia, parecia mesmo muito doente. Conseguia assim algumas coisas. Alimentava o achado (era assim que o chamava) com o mínimo alimento possível para mantê-lo vivo, porém não saudável. O ar cadavérico sempre rende mais piedade.
Foi crescendo sem nome, idade, documento, sem nada. Aprendeu primeiro a roubar e depois a andar; a pedir e depois a falar; a beber e depois a se alimentar; a temer e nunca a rezar. Deus era uma palavra que ele usava pra pedir e nunca entendeu o que significava. Não teve tempo para brincadeiras, futebol ou traquinagem. Sempre triste, porque não entendia quando deveria sorrir.
Crise adolescente não teve. Morava na rua. A mulher que o achou, já o havia abandonado quando cresceu demais e gerava medo nas pessoas, não piedade. Com uns quatorze anos foi preso por vagabundagem. Não tinha documentos para comprovar ser menor de idade. Fichado, violentado, tatuado e documentado saiu um tempo depois. Na cadeia aprendera mais que na rua. Poderia ter se formado em malandro, mas sua alma era íntegra (não sei se isso, no caso dele, era uma sorte ou azar).
Nem sobrenome tinha. Um dia alguém o chamou de Joaquim. E Joaquim ficou. Era só isso. Local de nascimento ignorado. Idade inventada, sem mesmo saber, com sete anos a mais que a verdade. Tentou procurar emprego.
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MISERÁVEL - Dourovale (Artesão da Literatura)
Short StoryQuando Joaquim morre, de forma vergonhosa, descobre que houve um erro divino na sua azarada história de vida! Como o "Céu" pretende recompensá-lo? Leia e descubra!