Interlúdio 03

2.2K 350 291
                                    


Gabe me emprestou uma prancha e protetor solar. Tudo o que eu não queria era ficar sozinho com Alisson, mas o irmão mais novo parecia determinado em me avacalhar.

Eu adentrei as ondas cristalinas até a água alcançar meu peito, assistindo Alisson escalar uma grande onda, tão ágil que nem precisava ter se aposentado. Consegui surfar uma onda menor logo depois, tentando desviar meus pensamentos daqueles músculos molhados.

Após a brincadeirinha do Gabe, Alisson decidiu nem me olhar nos olhos, então eu só podia rezar que o churrasco ficasse pronto logo, e eu pudesse voltar à praia sem me constranger ainda mais.

Distraído com meus milhões de pensamentos, não percebi a onda acabar mais cedo. Eu caí de mal jeito na água e a prancha empinou e acertou minha testa.

Quando eu emergi alguém tirou a prancha de cima de mim, e eu quase tive um ataque do coração.

"Você se machucou?" Alisson segurou minha prancha e estendeu a outra mão para me ajudar, mas logo mudou de idéia e a recolheu.

"Que tipo de filhos você quer ter?"

Opa. Ai, socorro, que pergunta eu fui fazer??

Alisson abriu a boca em surpresa, seu corpo de deus grego subindo e descendo no ritmo das ondas.

"Quê?" Ele enfim conseguiu perguntar, enquanto verificava minha cabeça. Devia pensar que a prancha bateu muito forte.

Meu rosto ardeu de vergonha, e eu considerei bater a cabeça de novo, e tentar entrar em coma dessa vez.

"Supondo que... ahm... não houvesse outra mulher... você ainda teria seis filhos?" Perguntei, tão envergonhado que nem a quebra das ondas conseguia me esfriar.

Infelizmente Alisson não era burro. Pelo choque em seu rosto, ele entendeu muito bem a minha pergunta. Eu começava a me questionar que tipo de masoquista eu era, porque atravessei o mundo apenas para passar ridículo.

"Michel, eu destruí a sua vida." Ele disse.

Meu peito apertou, e eu lutei para manter as memórias bem lá no fundo, onde era o lugar delas.

"Tenho dois PHDs, Alis. Não estou exatamente me embebedando numa sarjeta."

Alisson abriu seus lábios carnudos para me responder, e fechou a boca de novo. Mesmo sob o bronzeado eu o notava corar. Nunca na minha vida Alisson reagiu assim comigo, e aquela já era a segunda vez naquele dia.

"Você nunca vai desistir." Ele desviou o rosto para as ondas adiante. Pelo tom de voz não era uma pergunta, mas uma constatação.

O que eu podia dizer? Se eu falasse que nunca tentei desistir, estaria mentindo. Minha jura de amor se mantinha tão forte naquele momento quanto naquele dia horrível, em que eu era um simples adolescente assustado perdendo o último chão sob meus pés. Nós seguimos em frente, cada um do seu jeito, e nos tornamos pessoas tão diferentes. Um campeão mundial de surfe e um médico obstetra.

E ainda assim, mesmo após tanto tempo, Alisson era... Alisson.

Nós dois nos fitamos, sozinhos entre as ondas e sob o azul do céu. Eu deveria dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas quando abri a boca, uma névoa preta ondulou entre nós dois, erguendo-se da água.

Alisson deu um grito assustado, mas eu logo reconheci o que era aquilo. Dylan emergiu e me fuzilou com seus olhos verdes, quase ocultos sob o cabelo preto encharcado. Parecia um personagem de filme de terror.

"O almoço está posto. Façam companhia ao meu predestinado." Falou Dylan, pouco se importando com o clima esquisito.

Na praia distante, Gabe sinalizava um óbvio não com os braços, tentando ser avistado pelo Dylan e falhando.

Ondas em Rebentação (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora