Interrogatório

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Naquela noite, o investigador Nunes entrou na delegacia como um conquistador espanhol invadindo Eldorado: vigoroso, intrépido, decidido; porém, o cabelo desgrenhado e os olhos arregalados e avermelhados o deixavam mais parecido com um explorador que havia a muito se perdido no novo mundo, e agora encontrara uma esperança de se salvar. Ignorou os olhares dos colegas pelo caminho, esquivou-se habilmente dos jornalistas, não respondeu ao delegado Coutinho, que tentou detê-lo quando os dois se cruzaram. Passou pela recepção como um furacão e seguiu por um grande corredor, onde, lá na frente, viu Fabiana parada na porta da sala de interrogatório. Correu até ela:

 Quem o pegou? Onde o filho da puta estava escondido?    bradou Nunes com fogo nos olhos.

Em total contraste, Fabiana parecia uma monja tibetana. Ela não moveu um músculo, apenas deu uma boa olhada no homem, notando o nó da gravata desalinhado e frouxo, o casaco amassado e o suor escorrendo-lhe pela testa; Nunes estava um farrapo.

 Cara, a quanto tempo você não dorme? — respondeu ela como se os dois estivessem em um bar, relaxando após o trabalho. 

Ele a encarou, bufando. Não entendia como Fabiana conseguia  manter-se tão calma nas situações mais estressantes, chegava a ser irritante. Um pequeno grupo de policiais entrou apressadamente pelo corredor, à frente deles, o delegado Coutinho com uma expressão enfezada. Percebendo a situação, dois jornalistas seguiram os agentes. Na porta da sala de interrogatório, Fabiana esperou alguns segundos até o parceiro tomar fôlego, então o encarou com seus grandes olhos:

 Foi um telefonema. Uma denúncia anônima — ela parou, esperando pela reação dele, que como presumiu foi explosiva:

 O quê? Não acredito! O infeliz nunca deixou um rastro, nunca foi visto por ninguém!

 Pois é... mas alguém deve ter achado o cara suspeito, um vizinho, talvez. Enfim, acho que você pode se acalmar um pouco, na verdade, você precisa, Breno. O caso tá quase encerrado, mas...

 Recebemos o telefonema às três da manhã — disse o delegado, chegando de supetão e interrompendo Fabiana. — Pensei em chamá-los, daí lembrei o quanto vocês trabalharam nessa merda de caso, mereciam um descanso.

Nunes voltou-se para o chefe, tentou segurar os nervos, mas eles explodiram como uma manad de touros:

 Porra! Você deveria ter nos chamado para fazer a prisão! Era o mínimo! Se fosse eu, já teria dado uma surra no miserável!

Coutinho franziu o cenho. De repente, seu rosto cansado pareceu revigorar-se. Encarou Nunes, pronto para revidar, mas, talvez pela sabedoria que a idade lhe deu, conteve-se. Foi a deixa para um dos jornalistas se aproximar passando pelo meio dos policiais:

 Delegado! Delegado! Por favor, é verdade que vocês conseguiram capturar o Açougueiro do Planalto? Conseguiram encontrar o corpo do deputado sequestrado?

Coutinho desarmou-se. Esfregou a testa e então deu as costas para Nunes e Fabiana, apontando o indicador para o repórter:

 Você e seu colega, queiram fazer a gentileza de se retirarem. Esta área é só para o pessoal autorizado.

Os jornalistas protestaram, mas não tiveram opção, sendo escoltados para fora pelos policiais. Assim que a mídia sumiu de vista, o delegado voltou-se para a dupla de investigadores e afrontou Nunes com uma voz de trovão:

 Presta atenção, Breno. Vou dar um desconto para você dessa vez, mas só dessa vez, em respeito ao trabalho que fizeram esses meses todos. E outra: não tenho tempo e nem idade para discutir com marmanjo, pombas! O governador tá na minha cola, o ministro da justiça tá na minha cola, e amanhã esse país inteiro, quiçá o mundo, vai querer saber tudo, tin tin por tin tin, cê tá entendendo?

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