Capítulo 12

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A primeira coisa que escutei quando consegui ouvir de novo foram risos. O branco desapareceu e vi que estávamos todos posicionados ao redor de Adam do modo em que nos encontrávamos antes, mas agora a bomba tinha desaparecido e a noite estava silenciosa, sendo a única luz no céu sem nuvens a de uma lua cheia. Percebi que estava agarrada em Enoch que estava me abraçando também.

—Viu, já acabou. Foi lindo não foi?

-- Bom, foi um pouco assustador pra mim sabe. – respondi me soltando dele.

Eu tinha quase certeza de que haviam feito uma brincadeira conosco, pois percebi que Jake estava sendo levantado do chão pela Sta. Peregrine.

— Provavelmente está na hora de ir para casa dormir — disse Jake à sta. Peregrine. — Nosso pai vai ficar preocupado. — Então acrescentou rapidamente: — Podemos ir para casa, certo?

— Claro que podem — respondeu ela, e em voz alta pediu um voluntário para nos acompanhar de volta ao cairn. Para minha surpresa, foi Emma quem levantou o braço e se ofereceu. Enoch disse que ia me acompanhar também. A srta. Peregrine pareceu satisfeita.

— A senhora tem certeza sobre isso? — murmurei para a diretora. — Há poucas horas ela queria cortar meu pescoço.

— A senhorita Bloom pode ter a cabeça quente, mas é uma de nossas vigilantes mais confiáveis. E acho que vocês devem ter algumas coisas para discutir longe de ouvidos curiosos.

Cinco minutos depois, nós dois estávamos a caminho, só que dessa vez minhas mãos não estavam amarradas nem ela me espetava as costas com a ponta de uma faca. Algumas das crianças menores nos seguiram até o limiar do jardim. Queriam saber se nós voltaríamos no dia seguinte. Garanti que sim, pois não pretendia deixar o lugar muito cedo.

Passamos sozinhos pela floresta escura, Emma e Jake na frente e eu e Enoch de mão dadas um pouco atrás, quando a casa desapareceu às nossas costas Emma ergueu a palma da mão e girou o pulso, e uma pequenina bola de fogo acendeu-se para pouco acima de seus dedos. Ela a conduzia à frente, como um garçom levando uma bandeja, iluminando o caminho e projetando nossas sombras sobre as árvores.

— Eai, gostou de hoje? — Enoch me perguntou.

— Você não tem ideia do quanto eu gostei, menos a parte da bomba e tals.

— Ah, quer dizer então que não gostou nem um pouquinho de ficar agarrada em mim?

— Não é isso – respondi rido – eu só fiquei meio assustada com isso, ainda bem que você estava lá pra eu poder agarrar, se não eu teria me jogado no chão igual Jake. — Rimos e continuamos o caminho todo em silencio, apenas escutando a conversa de Jake e Emma, e de mãos dadas. Aqueles foram os melhores momentos que eu tinha em meses.

Quando chegamos ao pântano, Emma disse.

— Só pise onde eu pisar. — E foi o que fizemos, vendo os gases da terra pantanosa queimar em piras verdes ao longe enquanto passávamos, como se simpatizassem com a luz de Emma. Quando chegamos ao cairn, entramos agachados e rastejamos um atrás do outro até a câmara dos fundos, depois saímos em um mundo envolto em neblina. Ela nos guiou de volta à trilha e, quando chegamos lá, estava na hora de nos despedirmos.

-- Bom, acho que é isso, tchau. Até amanhã? – disse Enoch com um pouco de receio.

-- Tchau, com certeza até amanhã! – disse com um sorriso. Antes que ele se virasse pra ir, o puxei em minha direção e dei um selinho nele. Então ele se virou e foi embora com Emma, engolidos pela névoa tão rapidamente que por um instante eu me perguntei se eles tinham realmente estado ali.

Subi e encontrei meu pai dormindo à mesa, debruçado em cima do laptop. Quando fechei a porta, ele acordou assustado.

— Oi! Ei? Vocês chegaram tarde, não? Que horas são?

— Não sei — respondi. — Antes das nove, acho. Os geradores ainda estão ligados. -- Ele se espreguiçou e esfregou os olhos.

— O que vocês fizeram hoje? Achei que íamos jantar juntos.

— Exploramos umas casas antigas e outros lugares.

— Encontrou alguma coisa legal?

— Ah, na verdade, não — respondi, percebendo que devia ter pensado em uma história mais elaborada para despistar. Ele me olhou de modo estranho.

— Onde arranjaram isso?

— Isso o quê?

— Essas roupas — disse ele. Olhei para mim mesma e para Jake e me dei conta de que tinha me esquecido completamente das roupas emprestadas que estávamos vestindo.

— Encontramos na casa — disse eu, porque não tive tempo de pensar em uma resposta menos estranha. — Não são legais?

Ele fez uma careta. — Vocês vestiram roupas que acharam por aí? Garotos, isso não é higiênico. E o que aconteceu com suas roupas? -- Eu precisava mudar de assunto. — Eles estavam super sujos, então eu, ah... — deixei a frase morrer e Jake me salvou observando o documento em Word aberto na tela do computador do meu pai.

— Ei? É seu livro? Como está indo? -- Ele fechou rapidamente o laptop.

— Meu livro não está em discussão agora — resmungou. — O importante é que as horas que você passe aqui sejam terapêuticas. E não estou certo de que passar os dias sozinho, com a sua irmã naquela casa velha sejam exatamente o que doutor Golan tinha em mente quando deu sinal verde para esta viagem.

-- Não dá pra estar sozinho em duas pessoas – resmunguei baixinho sem que ele escutasse.

— Ei, você quase bateu o recorde — disse Jake.

— O quê?

— O intervalo mais longo sem mencionar meu psiquiatra. — Fingiu olhar para um relógio de pulso inexistente. — Quatro dias, cinco horas e 26 minutos — suspirei. — Foi bom enquanto durou.

— Esse homem tem ajudado muito — disse ele seriamente. — Só Deus sabe o estado em que você estaria agora se nós não o tivéssemos encontrado.

— Você tem razão, pai. Doutor Golan me ajudou. Mas isso não significa que ele tem de controlar todos os aspectos da minha vida. Quero dizer, nossa, você e a mamãe também podiam me comprar uma dessas pulseirinhas que dizem O que Golan faria? Assim eu posso perguntar a mim mesmo antes de fazer qualquer coisa. Antes de ir ao banheiro. Como doutor Golan gostaria que eu cagasse desta vez? Qual a maneira mais psicologicamente benéfica de fazer cocô? Quero dizer, fala sério! Entendeu?

Ele ficou quieto por alguns segundos. Quando falou, sua voz saiu muito estranha, muito baixa e grave, e ele nos disse que no dia seguinte nós íamos sair com ele para observar pássaros, quisesse ou não, ao que respondi que ele estava totalmente enganado e, sem dizer mais nada, ele se levantou e desceu para o pub. Achei que ia beber alguma coisa, por isso fomos trocar de roupa, mas alguns minutos depois ele bateu à porta do quarto e disse que havia alguém ao telefone que precisava falar com Jake. Achei que fosse minha mãe, mas quando espiei lá em baixo vi que Jake ainda estava no telefone, devia ser o psiquiatra. Meu pai estava do outro lado do salão, parado em frente a um copo de cerveja.

Eu o deixei no bar e fui para a cama. Ao dormir, meus pensamentos viajaram até Enoch, e a primeira pergunta que elas fizeram quando a srta. Peregrine nos apresentou, "Eles vão ficar conosco? " Eu não tinha ideia, mas por que não? Se eu nunca voltasse para casa, o que ficaria faltando? Pensei em minha casa escura e cavernosa, em minha cidade hostil e cheia de lembranças ruins, na vida absolutamente sem graça que seria ter que esconder meus poderes, eu não teria ninguém que pudesse falar sobre isso, e em Enoch, eu não sei se poderia deixa-lo, eu o amava, mas amava meus pais e meu irmão também. E me dei conta de que nunca passara por minha cabeça que eu pudesse abrir mão de tudo isso.

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