Sinto uma forte dor de cabeça que me paralisa o pensamento e que me impossibilita a realização de qualquer movimento. Abro lentamente os olhos e não me encontro na estação de autocarros mas sim num quarto todo ele pintado de branco, um tom tão claro apenas interrompido pela intensa cor de ferrugem presente na cama. Encontro-me deitado numa cama feita de molas cobrida apenas por um lençol. Sinto uma dor aguda nas costas provavelmente do facto de a cama ser bastante desconfortável.
A poucos passos de mim encontra-se uma janela estampada na parede. Exibe uma paisagem morta e neutra. Consigo avistar alguns pinheiros onde neles estão poisados pássaros que julgo serem corvos. Um cenário completamente avassalador.
Nada aqui me é familiar, por mais que tentasse fugir nunca saberia que trajetória tomar, que caminho seguir ou sequer para onde ir.
Deixo a cama onde me encontrava deitado e sento-me num dos quatro cantos do quarto onde estou inserido. Levo os meus braços aos meus joelhos apertando os mesmos conta o meu peito.
Sinto tantas saudades de Jhon e até mesmo de Evan e Eva. Lembro-me de uma vez quando tínhamos todos apenas seis anos e Peter tinha destruído o meu bolo de aniversário apenas pelo simples facto de não lhe ter emprestado o meu brinquedo favorito. Era compreensível, era o meu favorito.
Um breve sorriso se forma no meu rosto ao recordar este momento. Mesmo que tudo esteja mal à minha volta, mesmo que provavelmente esteja a viver as últimas horas da minha vida sinto paz por poder ficar aqui, sozinho, a pensar sobre o que eu quiser. Confesso que já me fazia falta estes momentos comigo mesmo.
O meu momento é interrompido pelo som da fechadura da porta a desenroscar.
Uma figura masculina caminha na minha direção, sem proferir qualquer palavra coloca um autocolante com um número "777" no meu peito.
- O que é isto? - questiono um pouco exitante.
- A partir de agora a sua identidade deixará de ser Peter Andrew. A partir deste momento a única designação a que terá direito será ao número que lhe foi atribuido.
O que estou a sentir parece-me absurdo, mas no fundo sinto-me bastante aliviado por ter perdido o meu nome. Nunca gostei muito do meu apelido, "Andrew", faz-me lembrar do meu pai e claramente que não me quero lembrar dele.
- Onde estamos? - atrevo-me a fazer mais uma pergunta.
- Não faça demasiadas perguntas. Pessoas como tu não sobrevivem aqui muito tempo.- diz rudemente. - Mas para matar a tua curiosidade, estamos num hospital especializado para erradicar a Sindrome de Homoslor. Agora acompanha-me por favor.
Fico confuso, mas não me atrevo a dizer nem mais uma palavra. Limito-me a segui-lo. Após sairmos do quarto onde me encontrava percorrermos um denso e comprido corredor. Ao longo do mesmo existem várias portas. Por algumas portas que passo ouvem-se do outro lado gritos intensos que me parecem vir de uma rapariga. Pela voz percebi que não era muito mais nova que eu.
O meu instinto diz me que a tenho de a salvar. E lá vou eu, novamente, a armar-me em herói tentando salvar alguém mas a verdade é que nem a mim próprio me posso salvar. Corro na direção da porta derrubando a mesma.
Assim que tenho a visualização total do compartimento por detrás da porta que deitei abaixo vejo o corpo da rapariga que gritou estendido no chão envolto numa densa mancha de sangue. Deslizo o meu olhar uns centímetros ao lado e vejo que tem uma bala penetrada na parte lateral esquerda da cabeça.
Engulo em seco. A pressão do meu corpo aumenta substancialmente fazendo com que os meus olhos queiram expelir água, mas na verdade é que não tenho mais força para deitar uma única lágrima. Mantenho-me imóvel. Não posso repudiar o ato do homem que matou a rapariga porque há horas atrás acabei por fazer o mesmo.
- Podias ter evitado ver aquilo. - diz-me o instrutor que me acompanhou até aqui.
- Onde vamos mesmo? - questiono.
- O diretor do hospital quer falar contigo.- remata. - E por favor, doente 777, não arranjes mais confusão. - finaliza.
Caminho mais uns metros e finalmente chego ao gabinete do tão aclamado diretor. Encontramos-nos no fim do corredor que até agora percorremos. Olho para cada porta presente na mesma e apenas consigo idealizar a dor que cada pessoa que ali se encontra estará a sentir.
- Doutor, o doente 777 está pronto para falar consigo. - transmite-lhe a informação um dos seguranças presentes à porta do escritório.
- Mande-o entrar e deixe-nos sozinhos por favor.
Assim que me é permitido entro no gabinete onde se encontra uma secretária e uma cadeira almofadada. Nela está sentada um homem que está de costas voltadas para mim. O compartimento onde nos localizamos encontra-se invadido pelo nevoeiro causado pelo fumo do cigarro que ele se encontra a fumar.
- Com que então és tu o tão famoso Peter, o fugitivo implacável. - gargalha.
- Julgo que agora me chamo 777. - profiro sem me rir.
- O que tens a perder por estar aqui? - pergunta-me.
- Talvez... a minha vida. - respondo-lhe.
- Peter, és um cobarde. Fugires por aí às forças policiais metendo a vida das outras pessoas em risco é infantil e completamente irresponsável. És doente. Tens a doença mais grave do planeta terra e já conseguimos provar que a doença é transmissível a partir da influência que tens sobre as outras pessoas.
A voz é a mesma que tinha ouvido no transmissor de um dos guardas que matei.
- É irónico referir-se a cobardia quando o senhor nem sequer mostra a cara. Porque se fosse tão corajoso enfrentava o meu olhar.
Engulo em seco. Provavelmente vou arrepender-me de ter dito o que disse.
Assim que termino de falar ouço um suspiro do outro lado da cadeira, a mesma vira-se. Encontro-me agora cara a cara com o homem que supostamente manda no hospital onde me encontro.
- Sou eu Peter. - diz-me.
Olho para ele confuso, mas há realmente traços no seu rosto que me são familiares. Observo atentamente o seu rosto, estatura e o resto do seu corpo. A voz não me é nada estranha, é de alguém que me é bastante próximo.
Assim que todos os pontos se ligam dentro da minha mente consigo identificar rapidamente de quem se trata.
- Não pode ser! - exclamo. - Pai?
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Executado Por Ter Nascido
Bilim KurguChamo-me Peter e estamos em 2060, o futuro tão imaginado por todos. O futuro era descrito como algo positivo, grandioso, descrito um futuro em que iria existir uma geração que iria aceitar toda a comunidade lgbt, todos teriam os mesmos direitos, to...