Roxanne deslizou pelo salão entoando uma melodia antiga que reverberava por entre sua coleção de obras de arte da China antiga. Seu batom vermelho combinado com seu longo vestido faziam dela uma atração a mais entre os vasos Ming e esculturas em Jade.
Ouviu um ruído ao longe, e seus olhos amendoados logo se viraram para contemplar a origem do som.
Caminhou levemente até a sacada de sua cobertura em Manhattan, de onde podia contemplar boa parte de seus domínios, e notou uma manifestação modesta referindo-se a algo sobre noventa e nove por cento. Esta cena a fez lembrar-se da história de Sir William Wallace, apesar de serem os contemporâneos estupidamente desorganizados em comparação ao valente escocês que inspirou diversas vitórias em seu país. Não havia mais glória, os tempos de vitórias e honra já passara e restava apenas uma leve sombra destes tempos nos livros de história que os pobres de espírito, 99% em uma breve alusão ao momento, teimavam em não conhecer ou reconhecer como exemplo para os momentos atuais.
Sentiu a brisa da tarde que movia seus cabelos ruivos e trazia um aroma amadeirado consigo - este aroma jamais seria apreciado se não fosse pela natureza intrínseca de Roxanne. Sua vontade naquele momento era subir até as nuvens e derramar fogo sobre aqueles que não a permitiam apreciar o passar do tempo e o fluir do vento como devido. Deteve seu ímpeto apesar de sentir as chamas em seus pulmões pulsarem, vale lembrar que os dragões não apenas cospem fogo, mas têm uma personalidade igualmente quente quando se sentem incomodados em seus domínios.
Quando se sentou para apreciar um faisão recheado com uma taça de vinho chileno, o odor das chamas na lareira a fizeram acalmar-se. Sentia-se pronta para repousar. O próximo dia seria grandioso, veria novamente as terras da Noruega, que havia deixado há tantos anos. Lá poderia ouvir novamente a língua norueguesa, advinda diretamente do original dracônico, como poucos sabiam estes dias.
Conhecimento sempre foi poder, e um dos maiores tesouros dos dragões, conhecidos por apreciarem tesouros, é sua sabedoria milenar. Qualquer dragão defenderia seus tesouros com a vida, mas quem poderia alcançar o conhecimento existente em seus séculos de existência?
Quando se aproximava de seu antigo covil (apesar de se sentir compelida a chamar desta forma sua residência atual, fazê-lo seria praticamente uma heresia), sentiu a vibração constante das cachoeiras próximas em que tanto se esbaldara em seus tempos de juventude. Era ainda hoje uma área pouco conhecida ou explorada, a própria configuração do local desencorajaria a maioria daqueles que ousassem se aventurar por ali. Roxanne chegara de helicóptero desta vez, mas se não fosse possível, usaria suas próprias asas para fazê-lo. Não se sentia exatamente ansiosa pelo momento, mas não poderia fingir não sentir qualquer excitação.
Deixara este tesouro aquecendo dentro do covil em que nascera, e o momento de recuperá-lo havia chegado finalmente. Seus serviçais a aguardariam enquanto ela se encarregaria pessoalmente desta tarefa.
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