Ruivice Dói?

E me fizeram essa pergunta ontem.

Considerando todo o misticismo que cerca um ser humano ruivo desde que nasce, a pergunta não é desprezível; do contrário, é inédito alguém pensar que o rutilismo seja uma condição que se possa sentir.

Só que não: a ruivice é uma condição completamente assintomática; tanto que eu só fui me dar conta dela no início da adolescência. Sempre teve comentários sobre minha aparência, mas e daí?

Quando veio a puberdade é que tais comentários começaram a fazer outro sentido; no meio de tanta descoberta sobre meu corpo, das mudanças angustiantes e dos sinais que ressignificariam minha existência, eu finalmente reparei o tom alaranjado nos meus cabelos e pelos, o mesmo tom das minhas poucas sardas sobre o nariz. O nariz! O tom alaranjado estava até naqueles pelinhos fininhos dentro do nariz. Achei engraçado.

E tipo assim... Eu não me senti nem feliz nem triste por causa disso.

Eu lembro que senti uma cosquinha esquisita na alma neste momento.

Eu devo ter ficado um bocado de tempo diante do espelho me analisando, me decifrando e tentando adivinhar se as pessoas me achavam bonita ou feia.

Eu, que quando criança me desenhava de cabelos amarelos, nem sabia que ruivice era uma raridade.

Dali em diante, eu descobriria que cabelos alaranjados, tão simplesmente aqueles ali de sempre, tinham um tanto de significados.

Tenho certeza de que todo mundo já teve um momento parecido, a auto estima começa a se construir assim.

De um jeito ou de outro, positiva ou negativamente, a gente calha de descobrir nossas cores e formatos. A gente sempre descobre na gente algo que significa alguma coisa. E de um jeito ou de outro, positiva ou negativamente, a gente acaba se acostumando com tudo.

Eu me esqueço da minha ruivice; tanto que eu me aborreço quando alguém me encara.

Além de tudo, os ruivos estão em toda parte. Já topei com vários por aí. Todo mundo sempre me diz que tem um parente ruivo, um colega ruivo, um crush ruivo, um inimigo ruivo, todo mundo já viu um ruivo. É normal ser ruivo. Eu sou ruiva, não sinto nada sendo e nem ligo de ser.

Se ruivice dói, ou se causa alguma coisa, deve ser nos outros, porque os outros é que nunca se acostumam.