O seu passado te condena

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-Sra. Nattzel, o seu marido teve um acidente vascular cerebral encefálico,  quando abrimos o tecido cerebral conseguimos constatar que ele estava muito danificado, fizemos tudo possível mas, ele não resistiu. _ Dr. Ramirez diz e minha mãe fica boquiaberta e logo em seguida se senta e sua expressão de tristeza. Me aproximo dela e me sento.
-Ele morreu, Beatriz. Seu pai está morto. _ ela diz olhando fixamente para o chão.
Durante toda minha vida eu ouvir diversas definições para o luto, mas nada consegue se enquadrar no que está acontecendo diante dos meus olhos. Agora, dentro de um caixão está meu progenitor, o homem que me ensinou o que era amar alguém verdadeiramente. Lembro das minhas aventuras na adolescência com meu pai, ele me levava à exposições de carros antigos todo final de ano, eu ficava ansiosa durante meses esperando até o tão esperado dia. Ele me ensinou a andar de bicicleta, mas antes disso ele teve que aprender, tenho diversas recordações dele caindo tentando domar o "tal demônio de rodas". Minha noção de amor foi espelhada na relação dos meus pais, eles se conheceram na adolescência e permaneceram unidos.
-Beatriz, você quer dizer alguma coisa? _ minha mãe pergunta e eu saio do transe.
-Não, mãe. Eu não ... Consigo. _ digo e minha voz sai trêmula.
Algumas pessoas próximas​ da família
se aproximam do caixão com uma rosa vermelha na mão e em seguida o padre libera para que as pessoas pudessem se despedir. Depois de todos jogarem uma rosa em cima do caixão eu me aproximo e sussurro baixinho: - Pai, me olhe daí de cima. Beijo a rosa e logo após a jogo.

    1 mês depois...

O despertador me acordar e eu o desligo e levo minhas mãos até meu rosto e esfrego. Droga! Minha cabeça está estourando. Que ressaca maldita! Minha boca tem um gosto amargo, meu corpo está totalmente dolorido.  Jogo meus braços para o lado e sinto algo molhado, levanto meu tronco assustada e me deparo com uma figura masculina.
-Bom dia, espero que não se importe, mas eu tomei um banho hoje mais cedo. _ escuto sua voz rouca.
Esfrego meu rosto e o encaro.
-Bom dia, o que houve ontem a noite? _ pergunto com a voz um pouco ébria.
-Você não se lembra de nada? _ ele pergunta e olha para o outro lado da cama.
- Bom dia, amores. _ uma mulher diz saindo debaixo da coberta.
-Ah! Eu acho que não me lembro. _ digo e noto que estamos sem roupas. 
- Acho que nós três transamos né? _ pergunto já sabendo da resposta.
- Sim, e você foi incrível com suas habilidades sexuais. _ a moça diz e coloca sua mão no meu rosto.
- Ah! _ me levanto da cama e vou até o banheiro. - Vocês já podem ir. _ digo do banheiro e escuto eles sussurrando.
-Beatriz, podemos repetir isso novamente? _ o homem agora nú no meu banheiro me pergunta.
- Uau, você tem uma ferramenta bem avantajada hein. _ digo olhando fixamente para seu pau. - Mas não, eu não contaria com isso.
- Sério? Eu achei que você tinha curtido o que rolou ontem à noite.
- Olha, sinceramente, eu nem me lembro o que aconteceu ontem. Mas, eu não costumo sair mais de uma vez com um casal. _ digo e pego minha escova de dentes.
- Tudo bem, mas se mudar de ideia, iremos deixar nossos números anotados na sua cabeceira. _ ele diz e escuto ele sussurra novamente com a moça no quarto e em seguida eles batem a porta.
Vou até o chuveiro e ligo na água quente, sinto meu corpo se adaptar com a temperatura lentamente e depois começo a relaxar. Saio do box e me desloco até o quarto, fico diante do guarda roupa e pego uma blusa social cinza e uma calça jeans azul escura, prendo meu cabelo em um rabo de cavalo e escolho um salto alto  preto.
Meu celular começa a tocar:
- Bom dia, Srta. Nattzel. Eu gostaria de saber em qual horário você chegará no fórum. _ escuto a voz trêmula de meu cliente.
- Bom dia, Sr. Xavier. Eu irei te encontrar às 9 horas no Fórum. A audiência só ocorrerá às 11 horas. _ digo e escuto ele respirar profundamente do outro lado da linha.
- Tudo bem. Me desculpa o inconveniente, mas eu estou um pouco ansioso. _ ele diz e eu escuto várias vozes de fundo.
- Tudo bem, te encontro daqui a pouco. _ desligo o celular e me sento na cama.
Isaías Xavier era meu novo caso, ele havia sido acusado de injúria racial.  Eu não costumo pegar casos dessa natureza, mas o Sr. Xavier era um velho amigo do meu pai, então resolvi abrir uma exceção para advogar nesse.
Me dirijo até a cozinha pego uma maçã em cima da mesa e vou até a porta da sala e em seguida saio por ela.
- Bom dia, Bea. _ escuto uma voz feminina me chamar atenção, me viro e me deparo com minha vizinha da frente.
- Bom dia, Dona Josefina. _ digo e dou um sorriso forçado.
- Eu fiquei sabendo do seu pai na semana passada. Meus sentimentos. _ ela diz com uma expressão de tristeza.
- Obrigada.. _ digo e engulo seco.
- Lembro de quando você se mudou para esse apartamento e ele a ajudou na mudança, ele era um homem bom, agora deve está em um lugar melhor. _ ela diz e coloca a mão direita em meu ombro - Ah! Se precisar de algo não hesite em me avisar, viu?!
- Obrigada. _ eu agradeço mais uma vez e não consigo pensar em nada além disso. - Agora, eu preciso ir até o fórum. Tenho que trabalhar, mais uma vez, obrigada Dona Josefina.
- Por nada, minha filha. Vá com Deus. _ ela diz e solta um sorriso.
Vou até a garagem e entro dentro do meu carro, respiro fundo e seguro firmemente no volante.
Você tem medo de morrer ou de lidar com a morte das pessoas que você ama? Normalmente, as pessoas não se preocupam com sua morte em si, mas com o caminho até chegar a de fato morrer, e algumas tem medo de deixar de existir, mas quando é para lidar com a  morte de pessoas que amamos a situação acaba mudando de quadro. A dor da perda sempre nos acompanha, nunca deixa de está ali, mas depois de algum tempo a maioria se acostuma com aquele "incômodo".
- Você precisa se acalmar.. _ repito para mim mesma tentando de alguma forma afastar alguns pensamentos.
Ligo meu carro e pego a avenida principal, depois de 30 minutos chego em frente ao fórum.
Estaciono meu carro em uma vaga e de longe avisto o Sr. Xavier agachado com as mãos sobre os cabelos. Desligo o carro e vou até seu encontro.
- Sr Xavier?! _ pergunto e ele se assusta.
- Eu a matei, Beatriz... _ ele diz olhando fixamente para o chão.
- O quê? _ pergunto e por alguns segundos não obtenho resposta. - Sr. Xavier? _ indago.
- Ela se suicidou antes da primeira audiência, ela está morta porquê eu sou um maldito preconceituoso. _ ele diz e leva suas mãos até o rosto.
- Calma. Me explique do que se refere. _ digo ainda sem entender do que se tratava.
- A Patrícia.. Se matou _ ele diz e solta um soluço agudo.
- Vem, vamos entrar. _ digo estendendo a mão ao Sr. Xavier.
Ele segura em minha mão e nos dirigimos até a entrada do fórum. Na entrada eu vejo os familiares de Patrícia furiosos vindo em nossa direção.
- Assassino! Por sua culpa minha filhinha acabou se matando. _ a mãe de Patrícia afirma.
- Você devia ter vergonha de ser um velho asqueroso que é. _ uma idosa diz e vem em nossa direção.
- Você deveria ser preso! Ela se matou por sua causa. _ um homem com barba por fazer diz e levanta sua mão em direção a Xavier.
- Gente, eu sei que vocês estão nervosos, eu compreendo a dor da perda de vocês. Mas, não podem agredir o acusado dessa maneira. Vamos manter a ordem aqui. _ um policial diz tentando apaziguar a situação.
A juíza Fabíola Guimarães que iria julgar o caso chega até a porta do fórum.
- Senhores, eu fui informada do ocorrido. Eu sinto muito a perda de vocês. Mas não posso deixar que fiquem aqui no fórum, . _ ela diz e depois se manipula com as mãos.
- Eu acho que vocês deveriam me prender, eu sou uma ameaça a sociedade _ Xavier diz em contrapartida.
- Sr. Xavier, eu não posso dá uma ordem de prisão sem haver uma comprovação de um delito. _ Juíza Fabíola diz e se manipula novamente.
- Justiça de merda! _ a idosa resmunga de longe.
- Por favor, senhores... _ Juíza Fabíola diz e todos começam a se locomover até a saída.
- Sr. Xavier, eu irei te acompanhar até em casa. _ digo segurando em seu braço.
- Você não vai se safar dessa tão facilmente. _ a mãe de Patrícia ameça.
- Vamos, vamos até o carro _ sussurro no ouvido do Xavier.
Chegamos em frente do carro e adentramos o mesmo, ligo o carro e entro na estrada.
- O que eu vou fazer da minha vida? _ Xavier pergunta segurando firmemente a maçaneta do carro.
- Sr. Xavier, você precisa se acalmar um pouco. _ eu digo tentando transparecer tranquilidade.
O silêncio toma conta do ambiente e em poucos minutos chegamos em frente da casa de Xavier, ele me olha e respira profundamente.
- Eu não quero entrar lá e encarar todas as perguntas deles _ ele diz se referindo aos seus familiares.
- O que aconteceu hoje foi uma terrível fatalidade, não tínhamos como prever... _ digo e tiro o cinto de segurança.
- Eu tenho que entrar e contar o que aconteceu. _ ele diz e enche os pulmões de ar. - Obrigado Srta. Nattzel.
- Por nada. _ afirmo e solto um sorriso amarelo. Ele sai pela porta com uma expressão de tristeza.
- Tome cuidado na estrada, Beatriz. _ ele diz e vai em direção a porta de entrada de sua casa.
Ligo meu carro e meu celular começa a tocar, é Betânia.
- Ei, eu estava pensando em você agora. _ digo com o celular no alto falante.
- Estamos sintonizadas _ ela diz e solta uma risadinha. - Posso passar na sua casa hoje à noite?
- Claro! Eu estou precisando de companhia mesmo.
- Não vai ter nenhum encontro hoje? _ ela pergunta em um tom sarcástico.
- Não, eu sou toda sua hoje. _ digo em um tom irônico.
- Se eu gostasse de mulheres com certeza iria levar essa afirmação para o lado sexual. _ ela diz e eu escuto uma voz masculina dizer alguma coisa.
- Com certeza teria levado _ digo e solto uma risada. - Você estava em audiência hoje?
- Sim, e foi terrível. Preciso de uma dose de tequila e alguns salgadinhos.
- Vamos providenciar. _ digo e ela comemora. - Eu estou na frente da casa do Sr. Xavier, irei pra casa agora. Irei te esperar.
- Combinado! Beijocas _ ela diz e desliga o celular.
Meu celular começa a tocar novamente, não olho o identificador de chamada e atendo.
- Betânia, eu estou chegando. _ digo e escuto uma risada.
- Não, eu não sou ela. _ uma voz feminina familiar responde.
- Ahh.. _ olho no identificador de chamada e eu não tenho o número em minha agenda. - Me desculpe, eu pensei que fosse uma amiga minha. _ digo e um carro me fecha na avenida principal. - Filho da...
- Opa! Acho que não liguei em um bom momento.
- Desculpa, eu estava falando com um motorista.
- Falando ao celular dirigindo? Que coisa inapropriada Srta. Nattzel. _ a moça diz em um tom sarcástico.
- O celular está no alto falante, e eu sei que não deveria. _ digo envergonhada.
- Relaxa, eu não irei comunicar a polícia. _ ela diz e solta uma risada. - Então, sou eu, a Núbia... Eu tomei a liberdade de pegar seu número... _ ela diz e dá uma pausa. - Fiz mal?
- Ah... não, Núbia? _ pergunto tentando me lembrar desse nome.
- Sim, a Dra. Rodrigues. _ ela diz e eu engulo seco.
- Não, claro que não. _ dou uma pausa tentando encontrar palavras. - E aí? Como você está?
- Eu estou bem. _ ela diz com a voz um pouco mais baixa. - Eu queria saber como você está?!
- Estou bem. _ afirmo e paro o carro na frente do meu apartamento. - Você só me ligou pra saber disso mesmo? _ pergunto intrigada.
- Sim... Quer dizer, eu também queria saber se você tá a fim de sair para tomar um café comigo. _ ela diz e eu a escuto respirar fundo.
- Aah! Nos últimos dias eu  estou bem atarefada, mas podemos ir nos falando e marcamos um dia. _ digo e escuto ela sussurra algo.
- Tudo bem.
- Tudo bem... Eu acabei de chegar no meu AP, depois nos falamos, certo? _digo e avisto de longe Betânia com uma garrafa de tequila em uma das mãos.
- Certo! Até mais. _ ela diz e eu desligo o celular.
Pego minha bolsa e saio do carro e caminho em direção de Betânia.
- Estava morrendo de saudade  _ ela diz e me abraça apertado.
- Eu também senti sua falta.
Entramos pela portaria e em seguida no elevador reparo minha imagem pelo espelho e noto que estou pálida.
- Você está bem mesmo? _ Betânia pergunta pela terceira vez.
- Sim, eu estou bem Be. _ digo e ela cruza os braços e bufa.
- Você ainda acredita que consegue me enganar. _ ela diz e saímos do  elevador.
-  Eu não estou tentando fazer isso. Desencana. _ digo e abro a porta do meu apartamento.
- Tudo bem, mas será apenas temporariamente.
- Me conta! O que houve na audiência? _ pergunto me referindo ao último caso de Betânia.
- Aah, meu cliente acabou confessando tudo durante a audiência. _ ela diz e vai até a cozinha. - Ele não havia me dito que era culpado, eu estava na defesa acreditando na minha defesa. _ ela diz voltando da cozinha com dois copos na mão.
- Decepcionante. _ digo e mordo o lábio inferior. - Eu tive um caso assim no ano passado, lembra?
- Sim, era Rogério o nome do réu né? _ ela diz e serve nos copos um pouco de tequila.
- Exatamente, sua memória as vezes me surpreende.
- Eu não ficaria  surpresa, você ficou falando desse caso por meses. _ ela diz e sorri. - Eu fiquei sabendo do caso que você pegou hoje.
- Ficou?
- Sim... Eu até peguei uma cópia do caso contém a carta de suicídio da Patrícia. _ ela diz e pega sua bolsa.
- Eu ainda não tive acesso a essa carta. Você leu? _ pergunto e Betânia me entrega o relatório do caso.
- Sim. Fiquei chocada.

"Como dá início a uma carta de suicídio? Bom, eu não faço idéia de como essas palavras iram ser interpretada quando forem lidas, mas eu queria expressar algumas coisas que não tive a oportunidade de dizer enquanto estava viva.
Eu fui diagnosticada com depressão com 12 anos, eu me lembro quando o psiquiatra pediu pra conversar com minha mãe e em seguida ela me pegou pelo braço e me levou para casa. Na semana seguinte minha mãe me começou a me levar todos os dias para igreja na esperança da minha tão desejada cura, mas ela não chegou. O tempo passou e meus sintomas eram cada vez mais agravantes, eu não sentia vontade de continuar levantando da cama, as coisas que devia me dá algum tipo de prazer eram completamente indiferentes. Eu não sentia mais aquela tristeza, eu não sentia nada. Não senti nada era pior, muito pior...
Quando eu completei 15 anos eu tentei me suicidar pela primeira vez; eu coloquei uma corda na janela do meu quarto fiz um laço e meu pescoço ficou naquele laço por 5 minutos até eu desisti ao ouvir minha mãe entrar pela porta da sala. E depois dessa tentativa, eu tentei várias outras vezes, mas nunca consegui. Essa sensação era tão dolorosa, me sentia cada vez mais fracassada.
As coisas não iam nada bem nessa época, na escola eu ouvia milhares de ofensas pela minha cor de pele. Comecei a me odiar pelo meu cabelo crespo e minha cor preta. Naquela época eu conheci a automutilação, era como se fosse apenas um paliativo. A "dor" aliviava naquele momento, mas não ia embora. Minha mãe acabou notando minhas cicatrizes e me levou para um padre me abençoar, eu quis acreditar que aquilo iria passar, mas não passou. Eu não parei de me cortar e todas as tentativas de me ajudar vinda da minha mãe só me fazia enxergar que eu não teria mais jeito. Não conseguiria mudar a minha cor, não iria conseguir mudar a história dos meus antepassados. Eu sempre seria a "macaca" da turma.
Lembro da minha primeira entrevista de emprego, eu imaginei que talvez com alguma ocupação as coisas iriam finalmente se acertarem, mas novamente foi apenas uma ilusão, não passei na entrevista por ser "negrinha". Foi essa a justificativa da recrutadora.
A minha cor sempre teve mais valor do que qualquer outra coisa que se referia a mim, eu nunca fui apenas a Patrícia, e sim, a Patrícia "cabelo de bombril".
Não quero que você pense que é sua culpa, mãe. Eu sei o quanto tentou me ajudar, mas eu não consigo mais continuar. Não tenho mais forças, eu não quero continuar em um mundo onde eu sou reconhecida pela minha cor e não pelo o que sou. Eu sempre irei amar você, minha mãezinha.
Reze por mim"

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⏰ Última atualização: Jan 17, 2018 ⏰

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