Dou passos trêmulos no escuro.
Incertos.
Sem um mapa, sem um guia, caminho pelo desconhecido.
Sozinho.Ilhado em mim mesmo, preso dentro do meu próprio ser.
Vazio.Perdido diante dessa vastidão infindável.
A angústia que tortura.A dor que queima, solidão que destrói.
Por mais que eu veja estrelas, planetas, e,
De vez em quando, cometas,
Por mais que eu esteja cercado de complexidades,
Não pude deixar de notar o vazio;
A perda do sentido da vida:
Do sentido da própria existência.Preso em uma cadeia utilitária, que ironicamente,
Não tem sentido e utilidade alguma,
De vez em quando,
Ao olhar pela janela numa manhã clara, salpicada pela luz do sol fraco,
Eu bato de cara com o infinito fractal.Novamente,
O fundo, do fundo, do fundo.
O todo que não se agarra em lugar algum.
Que não tem sentido algum.Muito longe da felicidade e do amor,
Muito longe do sentido existencial
Oferecido, aparentemente, pelo grande projetista,
Agora a minha dor afasta-me e faz pensar
Que não há um Deus, ou se há, ele me odeia.Eu olho para as fotografias nos álbuns de família
E sinto falta da pessoa que eu era,
De sentir o sabor das coisas gostosas da vida
De ouvir as cantigas e os risos
De se conectar com as pessoas
De ter sentimentos.Eu...
Eu olho para mim e me sinto desconectado de mim mesmo
Perdido num lugar frio e escuro.
É como se eu estivesse desaparecendo,
Perdendo a minha humanidade.Eu...
Eu ouvi a sua voz através de uma fotografia
Pude ver o infinito no seu olhar
A eternidade em seu momento
Mas não pude conectar-me.
Sinto medo em imaginar ter te perdido para sempre.Agora,
Olhando para uma paisagem montanhosa
No cair de uma noite gelada e aconchegante,
De cima de uma ponte gigante,
Mesmo vendo as montanhas,
Os pássaros a voar alegres e cantando,
Para mim, eles parecem gritar de dor.
Não há mais cor.
Há apenas dor.Sinto-me destituído de liberdade.
É como se eu não pudesse vencer os meus medos,
Os meus pensamentos mais tristes.
As nuvens vão de lá para cá,
O vento assopra, tal como deveria.
Assim como eu.
Como só poderia ser.Como um rio tem a liberdade de fluir para onde quiser,
Eu caminho.Como uma maçã cai no único momento que poderia,
Eu choro.Não há nada além disso, sou o que sou.
Incapaz de escolher.
Seja o caminho pelo qual voltar para casa,
Seja a emoção que sinto, seja o que penso.
O controle é uma ilusão.
A consciência é uma mentira que conto a mim mesmo.Caminho pelo infinito solitário,
Sem consciência de mim mesmo,
Sem controle dos meus próprios pensamentos.Por caminhar sozinho no escuro,
Sem ter certeza para onde vou.
Olho para a beirada da ponte e escapa-me um gesto.
Fecho os olhos.Caindo assim como uma maçã,
Em seu momento certo, o único momento.Nas profundezas da realidade:
Afogo-me.
Suicido-me.
Meu corpo afunda aos poucos na água congelada,
Sutilmente,
Devagar,
Devagar.Aos poucos os sons vão ficando abafados, distantes.
O tempo parece congelar lentamente,
Debato-me,
Grito.
Em silêncio.Tento me manter na superfície,
Exercício inútil,
Estou fadado a morrer afogado nas profundezas da existência.Apenas desespero.
Tento prender a respiração para não engolir água,
Mas o medo e a agonia me fazem ficar ofegante. Preciso respirar.
Aspiro, sem querer,
Pequenas quantidades de água.Involuntariamente minha laringe fecha a traquéia
Para que a água não inunde meus pulmões.
Não respiro mais.Após alguns minutos que se fazem eternos,
De tormento e agonia,
O músculo relaxa e involuntariamente,
Respiro debaixo d'água.
A água entra queimando-me por dentro,
Causando muita dor e desespero.
Parte da água segue para o estômago,
E outra parte segue pelo caminho do ar,
Percorre pela traquéia
Inundando meus pulmões.
Chegando aos brônquios,
Bronquíolos e alvéolos.
Com os pulmões encharcados,
A troca gasosa não funciona mais,
A redução do oxigênio provoca vários danos em todos os tecidos,
principalmente nas células nervosas.
Meu cérebro é gravemente lesionado.
Fico inconsciente.
Apago.
Para sempre.Apenas para abrir os olhos novamente.
Olho para a superfície abaixo da ponte:
Doce espelho.
Reflexo distorcido, doentio, paranoico.
Os raios distantes da luz da lua
Penetrando sutilmente nas águas calmas do anoitecer.E o resto, é o silêncio.
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Et sanguis in umbra
PoesiaUm livro curto de poesias e prosas que vão do horror, ao gótico, à tristeza, melancolia, depressão, até o último estágio da dor humana. De passagens filosóficas à pura passagens de tristeza profunda. Aqui jaz toda a dor e agonia de um ser que descob...