Cortinas vermelhas bruxuleiam em sombras volúveis. Ondas de escuridão inconstantes. O cheiro de mogno percorre as narinas e preenche os pulmões. Não há a necessidade de respirar, mas o hábito permanece. Seras Victoria encontra-se submersa em seus pensamentos. Demora o tempo que acha necessário para acordar. O relógio insiste em mais uma badalada. O preciosismo inglês torna-se novo pensamento. Sabe que não há mais um mordomo. Perdeu seu amigo para as más ideias. Walter traiu-os, e por isso, morreu. Um ato humano.
Seu mestre, Alucard, também morreu. Mas esta morte foi diferente. Sabem que são eternos, e por isso espera por seu retorno. As noites badalam e sempre há trabalho a fazer. Sabe que não pode permanecer onde está. Os seres que no mundo habitam precisam dela para viver. Ou morrer.
Mas nesta noite, sente que algo a acompanha. Uma presença etérea. Levanta a tampa que a separa do mundo exterior e abre seus olhos. Combinam com as cortinas que escolheram para seu aposento. Há muito não se sente em casa, e nem mesmo sabe quem as escolheu. São bonitas, e por enquanto, isso basta. Move seu corpo em direção a elas, abrindo-as com suavidade. Percorre a vista com seus sentidos, procurando. Fixa-se na lua, que a sorri de dentes largos.
Ouve no aposento principal o chamado de Sir Integra Fairbrook, e em instantes encontra-se de frente a sua porta. Bate uma vez e espera. Integra ainda está acostumada que as respostas cheguem antes de suas perguntas. Seras é diferente. Ainda possui algumas delicadezas. Entra e posta-se ao lado de sua chefe. De uniforme, se diz pronta para o chamado. Dessa vez, é Integra quem demora. Passa as mãos pelos enormes cabelos prata e deixa-os escorrer para o lado, refazendo uma mecha que cobre parte de seu rosto. Quando se move, seus óculos refletem uma luz que finca nos olhos de quem a observa.
– Estação Paddington, casal de vampiros, categoria 2 – revela Integra.
Esperando mais localizações, Seras permanece fixada. Se não fosse sua respiração, pareceria uma estátua, devido a brancura de sua pele e a capacidade de permanecer imóvel.
– Tem mais. Hoje, vista-se como uma civil. Quero que observe o movimento. Misture-se entre os viventes. Faz tempo que não vive como um. Volte mais tarde.
Seras Victoria pisca pela primeira vez, desde que levantou. Vira-se para o lado oposto de Integra e permanece um tempo em silêncio. Volta sua cabeça em direção a chefe e olha para baixo, enquanto responde:
– Obrigada.
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Um baú que parece centenas de anos mais velho que Victoria está em sua frente. Continua se perguntando quem deve lhe arranjar esse tipo de coisa. São sempre bonitas, mas ao mesmo tempo possuem um aspecto fantasmagórico que agora também parece lhe pertencer. Abre-o e ali encontra suas antigas roupas. Pega a primeira peça, e suspende em frente ao seu uniforme. É uma saia colegial, com padrões xadrez em vermelhos e verde. Dobra-a e deixa ao lado. Pega uma nova peça e repete o processo. Uma blusa branca, com botões dourados e pequenos bolsinhos. Acha muito delicada para a missão. Lembra-se que algo pode espirrar nela. Nunca se preocupou muito com isso, percebe agora. Seu uniforme sempre voltava bordô, mesmo quando usava o vermelho. Gostava de esmagar cabeças, de ver escorrer todo aquele líquido. O gosto sempre lhe pareceu familiar.
Olha de volta para o baú e tenta se lembrar da última vez que usou aquele conjunto. Ainda era virgem, pensou. E bem, continua assim. Desde que Alucard a transformara, não havia visto mais ninguém. Pensa na proposta da Integra e entende que precisa disso. Nenhuma história em particular vêm à sua memória, apenas algumas cenas de sua adolescência mal vivida. É orfã até depois de morta.
Resolve por escolher com conjunto em que pareça mais adulta. Pega uma saia preta plissada e uma blusa de igual tom. Olha para o quarto à procura de um espelho. Nota que não há nenhum, e só agora se dá conta de que mesmo que tivesse, ele não a refletiria. Solta uma risada fina, tímida. Olha mais uma vez para a roupa que escolheu e percebe que ainda tem um tom de menina. Resolve por escolher uma saia marrom, com botões na frente e uma blusa carmim, com babados que dançam ao seu movimento. Pensa em colocar um colar, mas acha que é demais, e calça sua bota de combate, item que apesar de um pouco destoante com o conjunto, não pretende mudar.
Parte em direção à porta, deixando todas suas armas no aposento. Caminha devagar pelo corredor, ouvindo pela mansão seus companheiros, que preparam-se para diversas missões. Presta atenção em suas respirações, em como se agitam a cada passo e pensa em quais deles vão voltar vivos. Descendo a escadaria principal, encontra Daniel, um de seus colegas de batalhão. Ele a encara de cima a baixo, demorando nos pés. Enfim, fala:
– Tive a melhor das missões hoje.
– E qual seria?
– Vim aqui entregar sua ID e algumas notas. Você vai precisar.
Seras Victoria o encara, mas logo abre um sorriso em resposta.
– E para quê?
– Para me pagar uma bebida no fim do turno, oras.
Os dois ficam um tempo se sorrindo. Daniel continua:
– Logo na saída da Estação Paddington existe um pub. Você vai saber qual é.Victoria pega a ID e as notas e coloca em seu bolso. Pergunta antes de sair:
– Que horas?
Daniel mexe com a cabeça para cima, depois para os lados e responde:
– O quanto antes. Eu não demoro, Vicky.
Seras embaraça-se como uma menina de colégio. Gosta de como ele pronuncia esse apelido. Sente como se fosse humana, próxima de seus colegas. De seu batalhão. Daniel já a viu em combate, e sabe como ela pode ser violenta, arrancando membros e os engolindo. E ali estavam os dois, marcando o que seria seu primeiro encontro.
Victoria se aproxima de Daniel e sussurra:
– Ok, Dany.
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Elipse - a Story of Seras Victoria
FanfictionSeras Victoria presenciou a morte de seu mestre: o vampiro Alucard. A fundação Hellsing, liderada por Sir Integra Fairbrook continua seus trabalhos, exterminando seres das trevas. No meio desses conflitos, Seras tenta encontrar um tempo para si. Com...